no meio da madrugada

— Que idiota! Quem ele pensa que é para falar assim com você? — Chloe estava indignada.

— Eu imagino que ele seja o chefe dela? — Mike usou um tom óbvio.

— E daí?

— Gente... — tentei intervir.

— Ele é o chefe, não o dono. Os caprichos e frescuras dele devem ser responsabilidade só dele. Ela está lá para ajudar no trabalho do arquiteto, não do folgado por trás.

— Eu não estou surpreso com seu posicionamento, Chloe. Você nasceu em berço de ouro, nunca teve a necessidade de trabalhar.

— Gente...

— Como é? — A mulher ficou de pé. — Eu não tenho culpa pelos meus pais terem dinheiro, e eu não dependo do dinheiro deles, você sabe muito bem disso.

— Ah, claro que não. Vocês são duas teimosas.

— Já chega! — falei alto, atraindo a atenção de todos no restaurante. — Senta, Chloe. E você... — me virei para Mike. — Deixa de ser chato, vocês sempre voltam para esse assunto.

Chloe se jogou em sua cadeira.

Ao olhar em volta, percebo todos no restaurante me olhando, como se eu fosse a louca e não os meus amigos. Sorri sem graça, me desculpando em silêncio enquanto voltava a sentar.

— Vocês são impossíveis. — disse. — Como não se mataram até hoje?

— Esquece isso. — Chloe disse.

A mulher mal humorada ficou bicuda. Ainda era uma adolescente eterna, revoltada com seus pais. Seus anos de terapia não adiantaram para ela parar de tingir o cabelo de vermelho e usar roupas pretas rasgadas.

— Voltando ao assunto principal... — Mike disse com cautela. — Agora que você levantou a bandeira branca, as coisas devem ficar melhores.

— Oi? Bandeira branca? Claro que não. Ele não merece bandeira branca. — disse.

Do outro lado da mesa, ouvi Chloe rir satisfeita.

— Anahi, você tem que parar com essa implicância, só faça a sua parte.

— Foi ele que começou. Ele me contratou só por ego, achando que ia me dominar e sair vitorioso.

— Você falou mal dele na entrevista... Para ele.

Ok, não tinha como argumentar.

— Ninguém lá gostava dele, achei que estava falando com um dos funcionários que não o suporta, mas finge. Assim como você. - Sorri.

Mike mostrou a língua para mim.

— Vai ficar servindo o café toda manhã? — Chloe perguntou.

— Por enquanto sim. Ele praticamente me ameaçou dizendo que iríamos ter que ir à ilha mais vezes.

— Amiga, só faça a sua parte, não caia na pilha dele. — disse Mike.

Revirei os olhos involuntariamente. É simplesmente insuportável como Mike se tornou extremamente passivo. Aceita isso, aceita aquilo, deixa pra lá, não se importe e blablabla.

Eu não sou mulher de deixar pra lá. Aquele folgado não vai ficar fazendo o que bem entende comigo. Não vou ceder aos caprichos de Ben Cooper tão facilmente. Ele vai me pagar por toda a fila que tenho que enfrentar para conseguir o seu café, por todas as vezes que tenho que usar aquele termômetro ridículo. Ele não sabe com quem está se metendo, por todo o trabalho que ele me manda de madrugada.

— Hm! — Mike bateu na mesa. — Lembrei do meu primeiro mês na empresa como estagiário. Passei a noite trabalhando em um projeto de interior, e na reunião eu apresentei todo orgulhoso... Mas o Sr. Cooper não se interessou. Ele simplesmente saiu da sala, sem dizer nada.

— Que escroto. — Chloe falou.

Eu continuei em silêncio, pois já fui ignorado por Ben muitas vezes.

Mike deu de ombros e riu.

— Poderia ser pior, ele já rasgou projetos dos outros. Já rasgou relatórios da antiga secretária, antes da Melissa. Minha amiga pegou a coitada chorando no banheiro.

— Ele não vai fazer esse tipo de coisa comigo. Se ele ousar, vai pagar caro. — avisei, com firmeza.

•••

O café parece ter funcionado. Semanas se passaram e Ben visitou a ilha várias vezes depois da primeira vez, mas, milagrosamente, ele me deixou ficar na empresa. Melhor ainda, eu podia sair 1h mais cedo nas vezes em que ele não estava. Não era grande coisa, mas já era alguma coisa. Para não criar a ilusão de que estava tudo perfeito, houve duas vezes em que o café estava "frio" e ele me chamou em sua sala apenas para brigar comigo. Deus, eu preciso que o projeto na ilha acabe logo. Preciso colocar esse homem no lugar dele, sem correr o risco de ele me forçar a entrar naquela lancha outra vez. Só de lembrar da sensação, sinto um calafrio.

•••

Durante a madrugada, fui acordada por uma ligação insistente de um número desconhecido. Movida pelo desejo de continuar dormindo, desliguei e tentei voltar a dormir. No entanto, o número continuou ligando.

Que inferno.

— Inferno! Você sabe que horas são?.

Do outro lado da linha, ouvi apenas uma respiração pesada, sem resposta.

— Na minha casa agora. Chame um táxi, eu pago— Disse uma voz familiar. Quase engasguei ao reconhecer a voz de Cooper. O sono desapareceu instantaneamente e levantei da cama.

— Sr. Cooper?— Perguntei, esfregando o rosto. Não acreditava que tinha respondido daquela forma ao atender, mas ainda era de madrugada e não ia me desculpar.

— Hm? — Respondeu ele.

— Tem mesmo que ser agora? Não pode esperar até amanhã de manhã? — bocejei.

— Se pudesse, eu não teria ligado agora — respondeu ele com impaciência.

Ótimo.

— Faltam poucas horas para amanhecer e, além de passar a noite enviando trabalho, agora eu tenho que ir até a casa dele para trabalhar diretamente. O tempo que eu já passo naquela m*****a empresa, tolerando-o forçadamente, não é suficiente? Eu já lhe sirvo o bendito café, então por que ele deseja me castigar ainda mais? — Eu estava indignada, desabafando com o Sr. Collin, o taxista que estava me levando.

— Uma vez eu trabalhei para um homem ruim. Ruim mesmo. Esses homens que estão no poder acham que podem pisar em todo mundo, que somos seus escravos — ele contou.

— Exatamente! — concordei, suspirando logo em seguida. — Sabe, Sr. Collin, eu o tolero só por necessidade mesmo. Infelizmente, preciso de dinheiro. Esse maldito capitalismo nos obriga a nos humilhar perante os mais ricos.

O homem de cerca de 50 anos, que dirigia o táxi no meio da madrugada, riu de mim.

— O capitalismo é a melhor saída. Não é perfeito, mas veja Cuba, Coreia do Norte. São países difíceis de se viver — Sr. Collin soltou uma mão do volante e começou a gesticular, percebi que esse era um assunto do qual ele entendia e gostava. E, claro, depois o assunto se voltou para a política.

Foram 40 minutos de corrida, começamos a falar do meu chefe e, quando dei conta, estávamos conversando sobre plantações. Eu não tinha a menor noção de agronegócio, mas felizmente nasci com o dom da gambiarra comunicativa, consigo conversar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto.

Mas o meu chefe não estava incluído nesse "qualquer pessoa". Ben Cooper certamente era a única pessoa com quem eu jamais conversaria sobre assuntos aleatórios. Entre me dar ordens ou me dar brechas, ele sempre escolhia me dar ordens.

Não pude nem ver direito a sua mansão luxuosa, só sei que do tapete ao enfeite, tudo custava mais do que o meu salário e o do Mike juntos.

— Para o escritório — ele avisou.

E assim fizemos. Segui aquele "robô" de quase 1,90 de altura. Quantos centímetros ele tinha quando nasceu? Isso não é tão importante quanto saber se ele nasceu prematuro. Tenho quase certeza que sim. Um homem que não sabe esperar, que não tem paciência, certamente não aguentou os nove meses e pulou para fora antes.

Não aguentei o pensamento e acabei rindo.

— Alguma coisa que eu deva saber? — perguntou, andando na minha frente.

Mordi a língua para não dar a mesma resposta que recebi no telefone, mas eu não quero voltar para aquela lancha.

— Não.

Ben parou na frente de uma porta branca e entrou. Revirei os olhos com a sua falta de cavalheirismo. Eu o segui.

Um rugido ecoou pelo ar, fazendo meu coração parar por um momento. Era um som ameaçador, e meu corpo inteiro ficou tenso. Que tipo de fera teria tanta potência? Rezei para não descobrir, mas não tinha escolha a não ser encarar a situação.

Virei-me lentamente e deparei-me com um grande cachorro preto, esguio e atlético. Ele exibia um rosnado baixo enquanto me encarava com hostilidade. Segurei a respiração.

— Não precisa ter medo dele. — Ben avisou.

Tentei recuperar minha voz antes de responder.

— Diga isso depois que ele parar de rosnar para mim.

Só ouvi um estalo de língua.

De repente, Ben estava entre mim e o animal. Ele se abaixou, e aquilo foi o suficiente para mudar a postura do cachorro. De ameaçador, ele se transformou em um bobalhão com a língua para fora, esperando afagos.

— O que você está fazendo aqui? — Ben começou a conversar com o animal. — Vá fazer companhia para a Candy. — O cachorro abanou o rabo alegremente. — Vá agora. — Ben se levantou e o cachorro correu imediatamente para fora do escritório.

Tive vontade de perguntar quem era Candy. Pelo nome, deveria ser outro animal de estimação ou talvez um apelido para um tipo de mulher específica. Ben não parecia ser o tipo de homem gostava desse tipo de mulher.

Engoli em seco, observando o homem que já estava de volta à sua mesa.

— Posso perguntar no que vamos trabalhar?

— Henry tem uma apresentação amanhã.

Esperei por mais informações, mas elas não vieram.

— E o que nós temos a ver com isso? — perguntei.

Ben acenou para que eu me sentasse na cadeira do outro lado da mesa, e assim o fiz. Ele começou a pegar alguns papéis e materiais de desenho, colocando tudo sobre a mesa vazia que nos separava.

— Ele vai tentar convencer o Sr. Martin a manter o projeto antigo. No entanto, isso não será fácil. Vou fazer algumas mudanças no projeto.

— Entendi. E o Henry sabe disso?

Ben levantou o rosto, e apenas o seu olhar foi suficiente para eu entender que estava me intrometendo demais. Não importa se sou sua secretária/escrava, parece que algumas coisas não são da minha conta, mesmo que eu precise pegar café quente para ele.

— Farei algumas alterações na planta do projeto, e você pesquisará os detalhes que vou especificar. — Ele se virou para pegar um notebook.

Apesar de detestar aquele homem com todas as minhas forças, não pude deixar de me sentir fascinada ao vê-lo trabalhando. Ben Cooper era uma ótima referência profissional. Sua dedicação e atenção eram invejáveis, mesmo que ele passasse por cima de muitas pessoas para obter o que queria, exatamente como queria.

Algumas horas se passaram naquele escritório rústico. Enquanto Ben continuava a rabiscar no projeto, eu lutava contra o sono, apoiando o

Algumas horas se passaram dentro daquele escritório rústico enquanto Ben continuava a rabiscar no projeto e eu lutava contra o sono, com o rosto apoiado na mão. A cada vez que minha cabeça tombava, eu acordava assustada, com a mão babada.

— Desculpe, desculpe. — Disse de repente, limpando a boca e ajeitando o cabelo. — Eu não queria dormir.

Aos poucos, meus olhos voltaram a focar, piscando freneticamente várias vezes. Foi quando percebi Ben encostado na parede, de braços cruzados, olhando para mim. O homem loiro parecia sério, mas não estava prestes a me repreender como nas outras vezes. Ainda assim, meu sangue esquentou diante do seu olhar.

— Desculpa? — Perguntou. — O que há de errado com você? Você tem estado estranha há semanas.

Levantei uma sobrancelha, chocada com a observação.

Será que o Sr. Cooper realmente não sabia o motivo? Ele estava mesmo se fazendo de inocente ?

— Achei que você estivesse satisfeito por ter conseguido o que queria depois de me ameaçar — Disse rispidamente.

— Quando eu a ameacei? — Sua voz grossa e direta me deu calafrios.

— No momento em que disse que eu teria que subir naquela lancha de novo.

Eu mantive meu olhar fixo no dele, sem desviar os olhos ou abaixar a cabeça. Eu nunca abaixaria a cabeça para ele, especialmente quando ele tenta me intimidar.

Sua boca bem desenhada se abriu e fechou algumas vezes, enquanto me olhava com incredulidade. Ben soltou uma risada sem humor, sem vontade. O homem esguio se afastou da parede e se inclinou sobre a mesa.

— Anahi, você realmente acredita que eu teria coragem de fazer você passar por aquilo de novo?

Respirei fundo, ignorando os músculos marcados em seus braços quando ele se apoiou na mesa.

— Acredito. Você me enviou para uma obra cheia de lama e trata todos os seus funcionários muito mal.

Ele mordeu o lábio, contendo uma risada.

Meu Deus... O que está acontecendo? Por que de repente estou reparando nos músculos dele e em seus lábios quando tudo o que quero é jogá-lo da janela do terceiro andar do seu próprio prédio?

— O que está olhando? — Perguntou.

Sendo pega no flagra, fui obrigada a desviar meus olhos do seu peitoral e olhar para o seu rosto.

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