O destino dos híbridos: A alfa rejeitada
O destino dos híbridos: A alfa rejeitada
Por: Romênia
Capítulo 1

O cheiro de terra molhada era a primeira coisa que ela sentia. Não vinha de um lugar específico, mas parecia subir do chão, das raízes, das sombras. A floresta era densa, escura, árvores altas se inclinavam como testemunhas silenciosas enquanto Kaya corria, sentindo os pés afundarem na lama fria enquanto galhos rasgavam sua pele, mas ainda assim ela não diminuía o ritmo. Não podia. O som vinha de trás, passos pesados, firmes, não humanos.

O ar vibrava com um rosnado grave, profundo, que fazia seus ossos tremerem e parecia se aproximar cada vez mais rápido.

— Não… — sua voz saiu fraca, engolida pelo vento.

— Socorro! Alguém me ajuda!

Ela não olhava para trás, sabia o que encontraria se fizesse isso. Sabia desde o início do sonho, desde o momento em que seus pulmões começaram a queimar e o medo se alojou em seu peito como algo impossível de se ignorar, familiar demais para ser apenas imaginação. Parecia real, uma premonição talvez.

A floresta parecia se fechar ao redor dela, as árvores se aproximavam, os troncos retorcidos formavam caminhos impossíveis, enquanto a lua grande e brilhante cheia, observava tudo de cima, indiferente, como se pouco se importasse com o terror que a garota vivia. O lobo uivou, e o som atravessou seu corpo como uma conexão. Kaya tropeçou e caiu de joelhos, com a lama grudando em suas mãos, fria e viscosa.

O coração batia tão forte que parecia querer saltar de seu peito, ela tentou se levantar, mas era tarde demais. O lobo saltou. Ela sentiu o impacto antes de ver, sentiu o peso esmagador, o calor da respiração próxima ao seu pescoço, o cheiro forte de sangue e selvageria e, quando finalmente ergueu os olhos, encontrou os dele. Olhos dourados. Profundos. Não havia raiva ali, nem ameaça. Apenas conexão.

Os dentes se aproximaram, brancos demais, afiados demais… e então os olhos dela se abriram para a claridade do dia. O ônibus deu um solavanco no exato momento em que seus olhos se abriram, e seu corpo estava tenso, com os dedos cravados no tecido da poltrona e o coração disparado como se ainda estivesse correndo pela floresta. Demorou alguns segundos para perceber onde estava.

Não havia árvores. Nem lua. Nem lobo. Apenas o interior abafado de um ônibus de viagem, o zumbido constante do motor e o cheiro misturado dos passageiros, o perfume barato, salgadinho e cigarro.

Pela janela, ela via o trânsito passando enquanto as primeiras casas começavam a surgir. Respirou fundo, passando a mão pelo rosto pálido, ainda sentindo o gosto amargo impregnado na boca, como se o sonho tivesse deixado um resíduo físico.

— Droga… — falou para si mesma, antes de olhar novamente pela janela e suspirar.

A placa surgiu à margem da estrada, grande e enferrujada, cercada de vegetação:

“Bem-vindo a São Veridiano.”

Depois de horas, haviam chegado, a cidade nova. Era um recomeço forçado. O lugar onde nada de bom, segundo seu instinto, poderia acontecer. Kaya observou enquanto o ônibus diminuía a velocidade, entrando pela estrada principal, e as construções surgiam aos poucos: sítios, casas antigas, fachadas desbotadas. Tudo parecia parado no tempo, como se a cidade estivesse esperando por algo. Ou alguém. Era uma cidade pequena e feia, insossa.

Um arrepio percorreu sua pele e a deixou arrepiada, ao passar por um posto de combustível e ver um grupo de jovens, aparentemente ricos, com motos de trilhas e carros de luxo.

— Acordou, bela adormecida?

O chute veio logo em seguida, forte o suficiente para balançar sua poltrona. Kaya fechou os olhos por um instante, respirando fundo, enquanto atrás dela Nilufer se remexia no assento, claramente satisfeita com a provocação. Ela era sua irmã caçula, uma verdadeira pentelha.

Mesmo sem olhar, Kaya conseguia imaginá-la perfeitamente: postura impecável, roupas delicadas, acessórios meigos, cabelo preso de forma elegante, tudo para impressionar as pessoas da cidade nova. Ela era a filha perfeita. A irmã boazinha. O oposto dela.

— Vai começar cedo hoje? — respondeu com a voz baixa, controlada demais para alguém que queria virar e socar a cara da irmã.

Nilufer riu, um som curto e irritante.

— Só achei engraçado você babando enquanto dormia. Combina com esse visual depressivo. Eu te disse, deveria ter vindo, mais arrumada.

Kaya esfregou os olhos devagar. Pensou em se virar, pensou em dizer algo cruel, algo que realmente machucasse, porque ela tinha um talento natural para isso, palavras eram chamas em sua boca, sempre prontas para queimar onde mais doía. Mas o gosto ruim voltou com força, amargando sua boca como carne crua pingando sangue. Não valia a pena. Nunca valia, pois a mãe delas, tinha uma filha preferida e não era Kaya.

Ela apenas esticou a mão, pegou os fones de ouvido e os encaixou, isolando o mundo externo. A música começou a tocar, Lana Del Rey, era pesado, melancólico, com batidas profundas que vibravam em seu peito. Seu refúgio era sempre, se isolar. Olhou novamente para a cidade. São Veridiano se revelava pouco a pouco, pessoas caminhavam pelas calçadas, algumas paravam para observar o ônibus passar e havia curiosidade nos olhares. E algo mais. Algo que ela não gostou: Expectativa.

“Ótimo”, pensou. “Uma cidade pequena, o paraíso do julgamento alheio. Não tinha um buraco melhor para minha mãe me enfiar?”

Kaya passou os dedos pelos próprios braços, sentindo as mangas pretas cobrindo sua pele pálida, enquanto correntes discretas pendiam do pescoço e anéis diversos adornavam seus dedos. Seu estilo não era um pedido de atenção, estava mais para uma armadura, gostava de afastar as pessoas para que elas não enchessem seu saco com coisas que não valiam a pena.

Ela nunca tentou se encaixar, e nunca foi perdoada por isso.

Sua mãe odiava aquele seu jeito de ser e sempre quis que ela fosse mais como Nilufer, e pensar nisso fez ela soltar um risinho amargo, mesmo sem querer. A mente voltou, involuntariamente, ao sonho. Ela visualizava o lobo, perfeitamente. A forma como ele a perseguiu, não com pressa, mas como quem sabia exatamente o que estava fazendo. Como se soubesse exatamente onde ela estaria e como se não importasse o quanto ela corresse, porque ele sempre a alcançaria.

O ônibus parou com um chiado alto. As portas se abriram.

— Chegamos. — anunciou a mãe delas, sem entusiasmo.

Kaya engoliu em seco. Algo dentro dela se contraiu, um pressentimento pesado, quase físico, como se o ar estivesse mais denso ali fora. Ela não acreditava em destino, muito menos em sinais. Mas acreditava em instinto. E o dela gritava, que algo ia acontecer.

Enquanto se levantava, sentiu o olhar de Nilufer em suas costas, e não precisou virar para saber que a irmã carregava aquele sorriso contido, satisfeito. Nilufer adorava mudanças, novas chances, novas plateias para seu teatro de perfeição. Para Kaya, aquilo era apenas mais um exílio. Ela desceu do ônibus, o vento da cidade bateu contra seu rosto, trazendo consigo o mesmo cheiro de terra úmida do sonho.

Seu estômago revirou.

— Não é possível… — sussurrou.

São Veridiano parecia silenciosa demais, sombria mesmo à luz do dia, misteriosa demais e, de alguma forma, lhe lembrava da floresta, do lobo, do sonho… Um arrepio subiu por seu corpo, fazendo-a encolher os ombros enquanto ela erguia o olhar, observando as ruas, os guiches e as sombras longas projetadas pela luz do sol.

Teve a sensação absurda de estar sendo observada, não por pessoas, mas por algo escondido entre a vegetação, entre as árvores … Ela colocou as mãos nos bolsos da blusa de moletom, com os dedos tremendo levemente. Algo estava errado. Algo estava prestes a mudar. E Kaya teve certeza de uma coisa:

Aquele sonho não era apenas um sonho…

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