CAPÍTULO 6 - LIA REED

Meus enormes óculos Fendi escondem um pouco o meu rosto, assim como o boné preto colocado sobre meus cabelos muito loiros. Me sinto uma maluca andando disfarçada, sem um segurança a tiracolo, como estou acostumada a ter durante toda a minha vida, ao mesmo tempo, me sinto arrogante por achar que alguém seria capaz de me reconhecer andando pelas ruas de uma cidade tão grande assim. Todo mundo aqui parece famoso, é unânime.

Ontem, andando pela Hollywood Boulevard, caminhando pelo Mall, que uma vez ao ano é fechado para a cerimônia do Óscar, eu senti pela primeira vez o gostinho da liberdade de não ser abordada em nenhum momento. Foi um dia de passeio tranquilo e depois disso, sei que preciso começar a desencanar. Sou insignificante demais dentre os famosos para virar notícia aqui e isso é tão bom, que eu mal consigo descrever. Estou deslumbrada.

Bem diferente do que acontece no Brasil, onde está circulando aquela foto tenebrosa, tirada pelo pestinha do avião. O fofoqueiro mais ácido do país conseguiu me comparar com a Britney em 2007. Pobre Brit, ninguém conseguiu compreender a sua alma torturada. Já, no meu caso, a alma estava torturada de fome mesmo. Meu cabelo bagunçado e minha boca cheia de sanduíche foram o auge da fofoca por lá.

Evito um grupinho de adolescentes e entro em um café bem próximo ao teatro chinês. Peço o meu expresso duplo e me sento perto da janela, observando todas as esquisitices que se pode encontrar em Hollywood. Um homem desdentado vestido de sr. Incrível aborda turistas, tirando fotos e depois cobrando pelas tips. Safado!

Mesmo durante o dia, a cidade respira vida, luz e felicidade. As risadas das senhoras que foram extorquidas podem ser ouvidas à distância e sinto até um pouquinho de inveja dessa energia despretensiosa. Amo Los Angeles com todo o meu coração, mas ainda me intimido com todos os sentimentos que essa cidade desperta em mim. A intensidade emocional sempre foi algo muito presente em mim e o que, por um lado, eu considero uma grande qualidade, por outro, sei que me traz a tendência a sofrer demais, entregar de menos e me desesperar durante todo o caminho. Alguns até podem dizer que eu sou emocionada e mergulho de cabeça, sem me preocupar com o coração partido, ou com as consequências do amanhã. Mas, honestamente, o que seria da vida sem esse tipo de experiência? É preciso aproveitar, pois nunca se sabe quanto tempo teremos.

Respiro fundo, olhando no relógio e me conformo em sair para o primeiro dia de filmagens. Tento adiar ao máximo esse primeiro dia, porque simplesmente sei que assim que começarmos as filmagens, todos os outros dias serão uma loucura. Sempre com horários para começar e nunca para terminar. Locações externas, sets, e tudo o que se pode imaginar de um filme young adult gravado no coração de LA.

Espero que seja muito melhor do que o dia de ontem, porque contracenar com Logan parece o prenúncio de um pesadelo. Além de uma grandessíssima diva, pelo que eu ouvi dizer, ele não vai descansar enquanto eu não ceder aos seus encantos, e não pretendo deixar isso acontecer. Estou determinada.

O próximo homem com quem eu me relacionar vai ser o certo. Nada de relacionamentos meia boca só por carência, ou por ele ser um gato. Preciso me respeitar. Como se precisasse reafirmar os meus pensamentos, levanto o queixo e aprumo a minha postura, saindo porta afora. Essa é a Lia versão 2.0 e essa gata só vai se envolver quando se apaixonar perdidamente pelo cara certo. Seu futuro marido.

Saio caminhando em direção ao trabalho, tentando suportar o calor impressionante que está fazendo, mesmo ainda não sendo o verão escaldante de Los Angeles. Aqui é muito seco! Que a santa dos hidratantes corporais me abençoe, porque não são nem oito horas da manhã e o sol parece pronto para me fritar! Estou, literalmente, toda suada e vermelha e ainda não andei nem três quarteirões. Não é à toa que as farmácias daqui vendem um kit de sobrevivência para quem não está acostumado com o clima ou com o calor insuportável. Ainda bem que eu já garanti o meu. Vinte minutos depois, eu desisto e pego um Uber, sofrendo com o sol em um caso sério de pressão baixa, enquanto o meu mau-humor só aumenta. A ideia de ir caminhando para fazer exercícios físicos foi cancelada e esses serão praticados apenas com a presença de um ar-condicionado. Pelo amor de Deus!

Com a impaciência elevada à máxima potência, cruzo as portas do set, indo em direção ao meu camarim externo. Hoje, as gravações serão outdoor[4] e vamos usar nossas versão trailer, o que é ainda pior. Menos espaço e mais abafamento. Resgato o resto da minha educação, sem querer parecer uma verdadeira diva, e me jogo na cadeira mais próxima.

— Oi, meninas, tudo bem? — pergunto, abrindo o primeiro sorriso do dia — São vocês que vão cuidar para que essa gata borralheira se transforme em Cinderela, todos os dias?

— Olá, senhorita Reed. Isso mesmo, nós somos Carol, Dafne e Jully. — a mais velha delas, Carol, se adianta, estendendo a mão que eu pego prontamente.

— Estamos muito felizes em trabalhar com a senhorita, muito mesmo. Se você for metade do quanto seu pai era maravilhoso, estaremos no paraíso. — Dafne solta, levando uma cotovelada bem dada de Carol. Faço uma careta, tentando esconder a dor que sinto e elas me olham com compaixão.

— Bom, vocês sabem que eu não me lembro muito dele, porém, espero honrar o seu sobrenome. Minha estreia em Hollywood vai ser singela e desejo intensamente conseguir o meu espaço por mim mesma, não usando o status do meu pai de muleta. — digo o meu discurso de sempre e levanto em um pulo — Preciso de um banho, onde posso conseguir um bom chuveiro?

— Ah! Lógico, desculpe-me, senhorita Reed, onde estávamos com a cabeça? Seus exercícios foram satisfatórios? — Jully pergunta, tomando as rédeas da situação.

— Olha, para ser sincera, não. Eu não aguentei o calor infernal e peguei um Uber. — sinto minhas bochechas se esquentarem e olho pra baixo, culpada, julgando novamente meu top e minha calça legging — Mas prometo que serei boazinha e vou cooperar com tudo o que vocês precisarem, se me colocarem em um banheiro com água bem gelada nos próximos minutos.

— Claro! Infelizmente, o chuveiro do seu trailer está em manutenção, mas temos um muito bom aqui perto, para a senhorita usar.

Jully pega o primeiro roupão que encontra pela frente, uma toalha e todos os tipos de produtos de beleza e me arrasta para um banheiro escondido, dentro de uma área de filmagens. Ela me coloca a par de tudo o que está havendo durante o dia e quais serão as minhas próximas cenas. Aparentemente, Logan está gravando suas cenas solo primeiro, porque começará outras gravações antes do filme acabar. Que peninha, menos tempo com ele! Só que não.

Tomo o meu banho, feliz da vida por me refrescar, e só percebo que não trouxe roupas quando me deparo com o roupão e minha roupa justa e suada de mais cedo. Sem pensar duas vezes, saio com chinelos e o roupão, deixando a vergonha junto das roupas sujas, no banheiro. Sem nada por baixo. Ninguém vai me ver mesmo e, se me vir, ninguém poderá imaginar que eu estou nua, né? Nem penso muito, porque se eu pensar, vai ser pior.

Caminho pelos cenários montados, atrás das câmeras, sem querer atrapalhar nenhuma das cenas, em busca do meu trailer seguro. Acho que estou meio perdida e, principalmente, louca por uma calcinha, porque mal presto atenção quando viro a esquina e dou de cara com uma cena pra lá de comprometedora de Logan. Ele sem camisa, correndo atrás de uma menina em uma orla de praia improvisada. É, acho que essa menina deveria ser euzinha. Como se os anjos quisessem brincar com a minha cara, seu olhar crava em mim e no roupão que visto e seu sorriso se amplia.

Lia! Obrigado por colaborar com a cena! — ele grita, chamando a atenção de todo mundo.

Arregalo os olhos, abaixando o olhar para o meu roupão e percebo como o karma brincou comigo dessa vez.

— Na verdade, eu preciso voltar pro meu trailer! Esqueci-me de uma coisa! — praticamente grito, dando meia volta e saio correndo. Escuto risadas à distância, mas não paro para ver todos tirando onda com a minha cara. Com certeza, todo mundo agora pensa que a dondoquinha inocente da Lia Reed ficou apavorada ao ver o galã, Logan, sem camisa e se afastou.

Ótima fama.

Ótima atitude.

Ótimo primeiro dia.

Simplesmente, ótimo!

Sou uma azarada assumida, não há como negar.

— Mas que droga! — grito em português quando viro à direita, pegando outro caminho.

— O quê? — um homem me olha bravo de cima a baixo, claramente sem entender o que eu falei. Não, bonitão, eu não estava falando com você.

— Olha, eu não estava… — perco a fala quando ele se vira completamente e nossos olhares se cruzam. Esqueço o que eu estava falando, onde eu estou e quem sou eu.

É ele. Ele é o meu futuro marido. Sinto as batidas rápidas do meu coração e mal consigo ficar em pé. Os pelinhos do meu braço se arrepiam e meu corpo fica instantaneamente animado quando cravo os olhos nesse homem.

— Estou no meio de uma filmagem, não posso ser interrompido com ruídos de adolescentes em crise, ok? — ele bufa, voltando os olhos para a câmera, que capta a cena de Logan à distância — Eu sei que aqui é a N*****x e que aquele é o famoso e queridíssimo Logan Foster, assim como eu sei que você é uma figurante que deveria estar na cena e não aqui, enchendo o meu saco. Então, por favor… Saia! — meu futuro marido praticamente rosna pra mim e eu fico congelada no lugar, em choque.

Ele é um câmera e não sabe quem eu sou?

A protagonista?

Olha só, marido, começamos com o pé esquerdo e vamos precisar ter uma conversinha.

— Você, quem é? — pergunto desconfiada, tentando disfarçar a minha voz um pouco impressionada — Porque, até onde eu sei, eu sou a Lia Reed, protagonista do filme. E, definitivamente, não estou impressionada com Logan Foster. — não consigo conter a careta de nojo e falo um pouco mais baixo — Só preciso achar o meu camarim.

Percebo a hora em que a ficha do homem cai e ele tem a decência de se mostrar um pouco envergonhado. Seus olhos abaixam e percorrem o meu corpo coberto apenas pelo roupão. Ele dá uma tossidinha e retoma a posição de macho alfa mal-humorado, precisando de um bom café preto.

— Bom, senhorita Reed, você fica irreconhecível quando não está arrumada. — Oi? Ele está dizendo que sou feia ao natural? — Seu camarim fica na segunda passagem à direita. Basta seguir reto e vai ver os trailers. — ele aponta na direção correta e dá mais uma tossidinha — E eu acho que seria melhor se a senhorita fechasse esse roupão direito, dá pra ver que não está usando nada por baixo dele. Senhorita. — ele força o senhorita, como se fosse um xingamento e se esconde atrás das câmeras, me ignorando totalmente.

Quem é esse homem?

Por que ele não me reconheceu?

E, principalmente, por que, depois que eu disse quem era, ele não se mostrou impressionado?

O que está acontecendo comigo?

Abraço o roupão, sentindo o meu corpo queimar de vergonha e, protegida por ele, saio correndo em direção ao meu santuário e, principalmente, às minhas roupas.

Ah, marido, o que vamos fazer com você, hein? Eu ainda nem sei o seu nome e estou determinada a te mostrar que vale a pena, sim, me conhecer melhor.

— Meninas! — grito, entrando no meu trailer como um furacão — Peguem o maiô mais lindo que essa protagonista tem e me maquiem levemente para as câmeras, porque tenho uma cena de última hora para gravar.

Simplesmente, não posso permitir que as pessoas acreditem mesmo que eu fugi de uma cena com Logan porque estava com medo ou intimidada. Ele não me faz a menor cosquinha. Talvez, apenas tenha vontade de colocar o conquistador em uma escolinha de boas maneiras. As meninas me arrumam em tempo recorde e, vinte minutos depois, caminho decidida em direção à cena que está sendo gravada, com Carol ao meu lado.

Não posso dar o gostinho para o meu futuro marido de parecer perdida novamente, não é?

— Cheguei! — grito, para que parem a cena, e a menina que está sendo a minha dublê me lança um olhar de alívio. Eu te entendo.

— Lia! Não te chamamos porque o sol está muito forte e a gente queria poupar sua pele. Mas, já que está aqui, ótimo! — o diretor Fletcher diz, com um tom de voz aliviado.

Abro um sorriso grande e tiro o meu roupão lentamente, olhando para o meu futuro marido, que está bem longe. Deixo tudo com a Carol e me posiciono para a cena.

— Sem problemas, eu só tinha esquecido uma coisinha de nada no camarim e precisei ir buscar. — digo, fingindo inocência.

Logan se aproxima e me pergunta, com um sorriso debochado:

— O que, docinho? A coragem? — ele diz, arrancando um risinho de meia dúzia de babacas. Seguro seu ombro com mais força do que o necessário e respondo, com um sorriso maligno no rosto:

— Não, o biquíni. Imaginei que você não conseguiria se concentrar se eu tirasse o roupão naquele momento. — pisco para ele e volto a me afastar, arrancando uma risada verdadeira de todos no set — Ok, ok, só me expliquem o que eu preciso fazer e vamos acabar logo com isso.

O diretor me instrui e eu entendo exatamente como é a cena. Em dois takes ela fica perfeita. Até solto uma ou duas lágrimas de atuação, antes de soltar os braços apertados de Logan e sair correndo em direção ao nada. Quando escutamos o corta, aprumo minha postura e limpo as lágrimas com um grande sorriso. Arrasei! O que era para ser uma cena perfeita de Logan, com seu charme e sua sensualidade, sem camisa, se tornou algo bem mais substancial, pois sua amada está indo embora aos prantos.

— Vocês foram ótimos. — o diretor grita e corro para vestir novamente o meu roupão, fugindo da exposição — Logan, perfeito, como sempre. Lia, a câmera te ama. Vamos trabalhar muito bem juntos, tenho certeza.

— Obrigada, senhor. Toda a equipe merece crédito. — digo sem graça, mas sem conseguir disfarçar o calorzinho dentro do meu peito.

Olho fixamente para meu futuro marido, que mantém uma expressão fechada, me evitando deliberadamente. Sem conseguir me segurar, começo a andar em sua direção, com Carol em meu encalço, que acha que estou voltando para o camarim. Ele percebe o meu caminhar decidido e guarda toda a aparelhagem, fugindo, antes que eu consiga trocar uma palavra sequer. Carol me olha de um jeito engraçado e segue atrás de mim, sem falar nada.

— Carol, por acaso, você sabe o nome daquele câmera? — pergunto, como quem não quer nada. 

— Ele é o senhor Ian Romano, senhorita. — ela diz prontamente.

Ian Romano é um bom nome. Combina com ele. É forte e parece seguro. Gostei! Lia Reed-Romano é um ótimo nome. Mal posso esperar para assinar em meu caderno e testar a caligrafia.

— E o senhor Ian Romano tem namorada, Carol? — pergunto, fingindo desinteresse, torcendo os dedos em minha frente.

— Não que eu saiba, senhorita. — ela diz, tentando esconder um sorrisinho e falhando miseravelmente.

— Então, Carol, pode me chamar de futura senhora Lia Reed-Romano, por favor. — digo séria, arrancando uma risada alta da mulher. Abro um sorriso travesso, e ela parece encantada.

— Ah, senhorita Lia, tenho certeza de que nenhum dia vai ser tedioso por aqui. — ela diz, limpando uma lágrima que caia, depois de tanto rir.

— Eu espero que não, Carol. Espero mesmo que não. — digo, dando fim à essa conversa.

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