O Paradoxo Katherine
O Paradoxo Katherine
Por: Juck Olegário
Capítulo Um

Eu gostava de um cara! Repetia isso para mim mesma várias vezes como um mantra, para me lembrar de que eu também tinha sentimentos... por alguém.

O seguia em todas as redes sociais e ficava sempre atenta as suas atualizações. Talvez, fosse minha nova religião. Eu gostava muito dele e obviamente, sentia-me na obrigação de saber sobre sua vida pessoal. Era como se eu fizesse parte dela. Não era isso que faziam quando sentiam algo por alguém?

Não me sentia envergonhada por causa disso.

Mas também não queria que ele soubesse, afinal, com toda certeza, seria rotulada como uma perseguidora e louca.

Era meu segredinho.

Eu vivia em um mundo em que namorar era um privilégio para os padrões e eu não fazia parte. Afinal, eu era uma pessoa introvertida e insegura. Tinha cabelo desordenado e olhos sem vida, ambos da cor preta. Meu corpo era muito magro, entretanto, as feições do meu rosto não eram encantadoras, revelando minha personalidade que eu julgava “patética” (talvez por influência dos insultos que recebia), além de me vestir mal, por isso, eu era considerada como uma mulher feia, desagradando os homens.

O ônibus universitário estava um pouco cheio e eu estava em pé, me segurando para não cair como um saco de ossos e virar mais uma vez, motivo de risos. Todos que estava ali, estudavam na Academia de Artes, eu não falava com eles, mas apenas uma pessoa me interessava.

Gustavo.

Ele estava sentado mexendo em seu celular e meus olhos estavam vidrados nele. Talvez eu estivesse parecendo uma louca, mas dentro de um ônibus, tudo que podíamos fazer era olharmos uns para os outros, para as paisagens das janelas ou para nossos celulares... eu escolhi olhar o Gustavo.

Ele estava conversando com uma garota no bate-papo e as vezes, o via sorrindo. Não era um sorriso comum, era um de interesse... ou quando se estava apaixonado pela pessoa. Será?

Nesse estante, eu queria o perguntar que tipo de relacionamento ele tinha com essa garota, mas eu não podia. Senti meu corpo estremecer de nervoso. Eu estava com ciúmes e com inveja. Claro, ela era linda. Vi quando ele abriu a foto dela do perfil para ficar a admirando. Eu, do jeito que eu era, jamais seria notada pelo Gustavo.

Me perguntava o que poderíamos fazer por amor. O quê?

Me peguei algumas vezes na porta do Gustavo, tentando descobri a senha para entrar e todas as vezes que ele saia, logo após digitar a combinação de números, eu aparecia, jogava um pouco de farinha de trigo e lá estavam suas digitais. Eu anotava e calculava as probabilidades e tinha certeza que um dia iria descobrir e saber como era sua casa por dentro.

Talvez as pessoas achassem isso uma loucura, mas era por causa do amor.

“Katherine, essa camisa é do Mauricio, porque está dentro das suas coisas?”

– Por causa do amor!

“Eu já disse que não gosto de você e não quero ter nada contigo, garota. Fique longe de mim, sua esquisita. Por que você continua enchendo meu saco?”

– Por causa do amor!

“Katherine, eu sei que erraram, mas preciso que assine esse acordo de confidencialidade...”

– Por causa do amor!

O que eu deveria fazer? Como eu poderia o fazer parar? Foi por causa do amor?

O ônibus parou e era o nosso momento de descer. Me apressei para não ser esmagada pelas pessoas e do lado de fora, caminhei bem devagar, para dar tempo do Gustavo passar por mim e eu ficar o acompanhando até o Campus da Academia. Suas pernas eram maravilhosas!

Foi nessa instituição que o conheci pela primeira vez, no segundo semestre do meu primeiro ano na Academia. Ele sentou-se perto de mim e não demorou muito para estar cercado de pessoas rindo do que ele falava. Elas se sentiam à vontade com ele e sua alegria chamou minha atenção.

Comecei a compreender de fato o que queriam dizer com “amado por todos”. Ele era simpático, atencioso e sua aura gentil, atraiu todos, menos a mim, não porque eu não queria, mas pelo fato de eu saber, melhor que ninguém, que eu jamais estaria com ele.

Então, cada vez que eu ouvia sua voz e o via sorri, um sentimento familiar de formigamento começou a crescer em mim. E já não era apenas uma paixão se formando, mas uma curiosidade louca, de querer saber como ele era no sexo.

Ele me olhou!

Eu me senti constrangida, virei meu rosto rapidamente e sentir minhas bochechas arderem. Essa foi a minha única conexão com ele e foi o suficiente para eu saber que ele é o grande amor da minha vida.

Um amor impossível, um relacionamento secreto entre eu e seus passos.

Por um momento, pensei que nossa relação não passaria de um encontro de olhares, porém, um semestre depois, era nossa obrigação – pelo menos a turma de Roteiro – prestar algum trabalho voluntário e infelizmente, fiquei com um ruim, no exército, auxiliando um pequeno produtor de documentário.

Eu a priori não estava preocupada com isso, afinal, eu era apenas uma assistente em um quartel cheio de homens com corpos suados e isentos de sexo a muito tempo...

O produtor havia terminado suas filmagens e teve que sair com pressa devido a um problema familiar. Tive que desmontar os equipamentos sozinha em um vestiário. Eu gostava de manusear as câmeras, os tripés, as luzes e microfones, era uma área que eu me sentia segura e menos vulnerável. Talvez porque podíamos nos transformar defronte a uma câmera e por trás dela, voltarmos a nossa forma patética de existir.

– Olha só, a mocinha ficou sozinha para cuidar da gente? – Uma voz ecoou no vestiário e em seguida, alguns risos. Assustei-me e vi alguns recrutas adentrando.

Engoli em seco.

– Quer ajuda? – Um outro perguntou e se aproximou mais.

Percebi que todos eles, mais ou menos uns cinco, estavam tirando suas vestes para se banharem. Eu não consegui falar nada, apenas abaixar a cabeça e acelerar meu serviço, mas infelizmente, eles não me deixaram em paz e ficaram dançando ao meu redor, cantando e soltando piadas, balançando seus pênis para mim.

– O que está acontecendo aqui? – Ouvi a voz do Gustavo bradar. Os caras pararam de imediato. Ele me salvou.

Depois disso, nossos caminhos se cruzaram inúmeras vezes. Eu sempre o via nas ruas, acompanhado, mas o que importava era o ver feliz.

Porém, ao chegar em casa e me trancar no quarto, tudo que eu queria fazer era parar de suspirar e jogar todo meu estresse para longe de mim, embora eu soubesse que me sentiria melhor depois de chorar...

Ergui o travesseiro e peguei meu vibrador de estimação.

Comecei a me dar conta do porquê me sentia assim, todas as vezes que o via. Embora eu continuasse negando.

Acariciei o formato grande e grosso do objeto e me peguei rindo descontroladamente.

Eu sabia... que não seria capaz de esquecer tão fácil como antes.

Meu riso se transformou em um choro angustiante.

Larguei o vibrador, corri até minha mesinha e peguei o caderninho com as possíveis senhas para entrar na casa do Gustavo. Com uma canetinha, fiquei riscando as senhas que já testei e não funcionaram.

Devido ao seu padrão irregular, passaram-se alguns meses desde que eu comecei a fazer isso. Estava na hora de pôr fim nisso. Coloquei um casaco e sair de casa correndo, limpando minhas lagrimas e tendo como destino: a casa do Gustavo.

Sua rua estava deserta como sempre e dado as suas últimas atualizações nas redes sociais, ele estava em um barzinho com amigos, então eu tinha um bom tempo para descobrir a senha e conhecer sua casa.

Parei defronte à sua porta e olhei por um tempo para a maçãneta inteligente. Recordei-me das várias vezes que fiz isso e dessa vez sabia que seria a última.

Tentei colocar uma senha, mas não foi. A risquei em meu caderninho e pulei para a próxima que também não funcionou, restando apenas uma tentativa ou o alarme acionaria.

– Com licença? – Uma voz fez-me saltar e me virar.

Era um carro de polícia com dois policiais dentro me encarando. Por um momento pensei que eu já havia acionado o alarme ou que algum vizinho denunciou uma tentativa de invasão.

– Estamos patrulhando a área devido ao crescimento de intrusos. Então, senhorita, por favor, tenha cuidado e qualquer coisa pode ligar para nós. – O senhor que estava no volante me alertou e eu só consegui balançar a cabeça em confirmação.

Ele acelerou o carro, dei um suspiro de alivio e quando tornei a me concentrar na senha da porta, ouço sua voz outra vez.

– Ei garota, essa não é a casa do Gustavo? – Ele perguntou parando o veículo atrás de mim. Engoli em seco. Eu sabia que estava encrencada.

– Quem é esse? – O outro policial, mais jovem e muito mais sério, perguntou ao seu parceiro e me encarou. Ele estava suspeitando de algo.

– É um rapaz que eu conheço... será que ele se mudou? – O policial mais velho respondeu pensativo.

O seu parceiro abriu a porta e saiu do carro. Eu seria presa por tentativa de invasão. Certeza!

– Com licença, você mora aqui nesta casa? – Ele indagou. Senti minhas pernas tremerem.

– Sou uma parente. Eu vim pegar uma coisa do Gustavo. – Respondi tremula.

Merda... não tinha jeito, ele não estava acreditando em mim e meu corpo estava reagindo muito mal, como se quisesse me entregar para os policiais.

O policial ficou um tempo me olhando, colocou um boné, o ajeitou na cabeça e respirou fundo.

– Então, senhorita, tenha um ótimo dia.

– O-obrigada! – Agradeci e lhe dei as costas.

Ele não suspeitou de nada?

Foi quase...

Se eu fosse presa, esse tempo todo tentando descobrir a senha do Gustavo, seria desperdiçado e jogado fora... eu tive muita sorte.

De relance, percebi que o policial ainda estava de pé atrás de mim. Perguntei-me o motivo de ele ainda estar ali... por que ele não foi embora? Ele se despediu e continuou parado, então tudo indicava que ele realmente estava desconfiando. Se eu desistisse e desse meia volta, eu seria detida. Eu só precisava digitar esse último número.

A porta destravou, eu coração quase parou e eu entrei, fechando-a na cara do policial. Já dentro, tudo que fiz foi me encostar e me agachar nervosa. Foi tão por pouco e meus cálculos estavam certos.

A senha era 22579 e eu não sabia o que esse número significava para ele, mas estava disposta a um dia, descobrir.

Ergui meu olhar e me vi dentro da casa do Gustavo, finalmente. Lentamente, um sorriso foi se formando em meus lábios.

Levantei-me, tirei meus sapatos, os segurei e caminhei alisando cada detalhe das paredes e dos moveis. Ele esteve na casa horas atrás. Respirei fundo e não senti cheiro de nada.

A casa não era bagunçada. Ele mantinha tudo bem organizado... menos seu quarto. Cheguei no cômodo e vi sua cama toda desforrada. Sentei-me nela e acariciei as cobertas. Fechei meus olhos e respirei fundo... seu cheiro estava no quarto.

Afundei minha cara na almofada e senti o cheiro delicioso do Gustavo. Era uma mistura de suor com seu creme de pentear. Tudo que eu queria era tirar minhas roupas e sentir toda sua casa com meu corpo, mas antes de fazer isso, um estrondo chamou minha atenção. Levantei em sobressalto. Estava vindo de dentro do guarda-roupa do Gustavo.

Caminhei até a mobilha e lentamente a abri, observando atentamente o que tinha dentro. Haviam caixas e alguns objetos velhos sobre uma portinha trancada no chão. Havia um cadeado e nele, a chave. Tirei tudo de cima e abri, revelando uma escada que me levava ao porão.

Não ouvi mais nada, apenas o inquietante silêncio. Desci cuidadosamente e foi então que todo meu mundo caiu quando eu a vi, toda machucada e amarrada dos pés à cabeça.

Era a garota da foto que o Gustavo estava vendo dentro do ônibus. Eu me lembrava dela. Ela se mexia tentando se soltar e parecia sentir a minha presença. Meu coração acelerou... dei passos para trás sem entender o que estava acontecendo.

– Você está bem? – Perguntei relutante e tentei me aproximar agachando-me.

Eu só queria entender o que esta mulher estava fazendo no porão do Gustavo, nesse estado... só queria compreender o que estava acontecendo.

Tirei a venda e amordaça da mulher e ela começou a gritar implorando por minha ajuda.

– ME SALVE! ME SALVE! POR FAVOR, ME TIRE DAQUI! – Ela estava nitidamente abalada e não era uma brincadeira ou um fetiche estranho entre eles.

– Calma... – Tentei a acalmar, mas ela não parava de se rebater, como se também tivesse medo de mim.

– Por que está fazendo isso comigo? – Ela indagou chorando.

– Deixa eu soltar você.

Quando minha mão chegou nas cordas, ela gritou mais. Era um grito de pavor.

– FIQUE LONGE DE MIM! – Assustei-me.

– Eu só quero te ajudar... – Tento explicar, mas ela continuou gritando.

Então percebi que o medo dela não era de mim e sim de quem estava atrás de mim. Meus olhos se arregalaram, senti o cheiro do Gustavo e então ao virar-me, o vi segurando um grande pedaço de pau, que acertou meu braço em cheio, fazendo-me cair sem forças no chão.

O meu grito foi tão agonizante quanto o da mulher que pedia por socorro.

– Parente? Eu não sei quem você é, garota, mas faz uma década que não vejo um parente meu. – Ele afirmou furioso.

Arrastei-me para tentar me afastar dele, a dor em meu braço era tão grande que eu não tinha muita força para continuar, mas também não estava disposta a desistir tão fácil. Se eu fosse acabar com essa mulher, que fosse lutando.

– Você poderia dizer pelo menos que era minha irmã... – Ele ergueu o pau e eu sabia que ele acabaria comigo ali, impiedosamente.

Quem? Quem era essa pessoa? O Gustavo que eu conhecia, era uma pessoa amável, adorava por todos, justamente pela sua forma doce de ser.

Porém, esse, é assustador. Tentei me afastar o máximo, mas ele agarrou-me pela blusa e me arrastou para perto da mulher que continuava gritando.

Quando ele me soltou, encontrei forças para me levantar e correr em direção as escadas do porão, mas uma pancada em minhas costas me fez cair.

O Gustavo que eu conhecia, não estava nessa casa. Aquele que me salvou no trabalho voluntario no exército, deixou de existir e deu lugar a um monstro que estava prestes a me matar.

Tudo que me restava era aceitar minha morte, então me encolhi no chão, gemendo de dor. Ele caminhava lentamente em minha direção, segurando aquele pedaço enorme de pau.

Eu não queria morrer... eu queria viver mais um pouco e encontrar minha felicidade, mesmo sendo tão vista como feia pela sociedade, mesmo sendo abusada e xingada por todos. Eu queria sentir o prazer de viver livremente, sem me esconder ou sem tentar me encaixar em um padrão.

Gustavo ergueu o pau e antes de me acertar, eu gritei por minha vida.

– EU ME APAIXONEI!

Ele parou.

– Academia de Artes. Classe de 2020, segundo semestre. Somos da mesma turma de Roteiro e você me salvou no vestiário de um exército, enquanto eu fazia um trabalho voluntario ajudando em um documentário. – Respirei fundo. – E desde então... – Senti as lagrimas escorrerem por minha face magra. – Nunca pretendi lhe incomodar dessa forma! mas eu gosto muito de você, Gustavo!

Ele ficou me encarando com um olhar perplexo. Então, agachou-se com seu olhar perverso.

– Cale-se você e seus malditos murmúrios.

Sua mão foi em minha direção e meu corpo se retraiu, encolhendo-se mais ainda. Mas ele não me agrediu, ele simplesmente me acariciou. Ergui meu olhar molhado e o vi sorrindo... era aquele sorriso lindo que eu sempre fui apaixonada.

O que estava acontecendo? Será que meu Gustavo voltou?

Eram tantas perguntas... eram tantas confusões e eu queria entender tudo e sair desse lugar e nunca mais voltar.

Gustavo se levantou-se, ajeitou se cabelo e suspirou, observando o porão.

– Esse porão é muito pequeno para vocês dois. – Gustavo falou, olhando para a mulher amarrada do outro lado.

– Então podemos subir, Gustavo? – Perguntei receosa tentando me levantar. Ele sorriu mais uma vez e caminhou em direção as escadas. Eu o segui.

No topo das escadas, ele parou e se virou para mim.

– Você me perdoa por ter entrado assim em sua casa? – Perguntei na esperança de esquecer tudo que vi. Ele balançou a cabeça em afirmação.

– Claro, mas não tão fácil assim! – Ele afirmou e sua mão acertou meus seios, arremessando-me para trás, escada abaixo e tudo que senti foi o forte impacto de minha cabeça com o chão, entregando-me a uma profunda escuridão.

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