Às 01:23 da madrugada de 26 de abril de 1986, o núcleo do reator número 4 da central nuclear Vladimir Ilich Lenin, mais conhecida como usina nuclear de Chernobyl, explodiu durante um teste de segurança, liberando doses letais de radiação no ar. A nuvem radioativa de Césio-137 e Iodo-132 contaminou países da União Soviética, Escandinávia e Reino Unido. Fugindo de um inimigo invisível, Boris e Tamara Ivanov são obrigados a deixar tudo para trás em uma evacuação de emergência, sem saber das reais proporções do acidente. 30 anos depois, a cidade-palco do maior desastre nuclear da história se tornou um grande centro de turismo macabro. Em uma das excursões realizadas ao local, Tamara tem a oportunidade de voltar ao lugar em que viveu os melhores e piores momentos da sua vida, relembrando aqueles sombrios dias em que tudo deu errado.
Leer másEsse mês o acidente Nuclear de Chernobyl completou 30 anos.
30 anos desde que abandonei meu lar, 30 anos desde que o pior dia da terra aconteceu.
Há 30 anos atrás, eu não sabia que me encontraria nessa situação assustadora um dia. Andando pelas ruas da minha cidade completamente abandonada, radioativa e tomada por vegetação, sendo seguida por um grupo de turistas americanos e suas câmeras fotográficas.
Ando pelos lugares e não os reconheço, e nos que reconheço sinto uma pontada no coração. Posso ver meus filhos correndo e brincando, minha família, meus amigos. Todos felizes naquele lugar que agora é envenenado e abandonado, marcado pela dor e polvilhado de placas de PERIGO.
O clima é tenso. Os turistas comentam que sentem uma vibração ruim no lugar, nossa guia explica os locais que visitamos. Alguém comenta que pode sentir a radiação no ar e que tem medo de passar mal, outro fala sobre a possibilidade de esbarrar em um animal monstro deformado pela radiação, embora nossa guia garanta de que isso é improvável e de que a viagem por qual pagamos é segura.
Em contrapartida, todos nós já vimos fotos de animais mutantes na internet, e o pior, pessoas afetadas. Eu vi pessoalmente.
Mas o que fazer? Voltar correndo para a Van e dizer que desiste do tour?
Se fomos loucos de entrar em Chernobyl, teremos que ser loucos para ir até o fim.
Seja por loucura, coragem, curiosidade, ou no meu caso, autoterapia duvidosa; agora nós estamos na cidade-palco do maior desastre nuclear da história. Um lugar que já foi considerado o mais perigoso da terra.
Eu sou Tamara Ivanov, estava em Pripyat em 26 de Abril de 1986, dia do acidente Nuclear de Chernobyl. Minha casa foi a coisa menos valiosa que tive que deixar para trás, e mesmo 30 anos depois eu ainda me sinto radioativa, marcada. Enfrentar a cidade fantasma de Chernobyl de perto foi uma das formas que achei de tentar conviver com o que aconteceu comigo e com minha família.
Para mim, esquecer não deu certo. Por isso resolvi tentar aceitar.
Mas as pessoas vão esquecer.
Daqui há milhares de anos, caso o ser humano ainda não tenha se destruído por completo, o governo, ou seja lá o que vai controlar a vida das pessoas nessa época, irá considerar Chernobyl habitável. E as pessoas virão, porque a humanidade é assim. Se esquecerão das mortes, do sofrimento, dos bombeiros enterrados em caixões de chumbo e cobertos por cimento; e tudo estará bem. Afinal, não haverão mais pessoas como eu vivas e o acidente será apenas um registro na história mundial, provavelmente pequeno e apagado se comparado com os outros que ainda virão.
A verdade é que vai acontecer de novo. Eu não sei onde e nem quando, mas vai acontecer, pois os humanos vão continuar brincando com o que não podem controlar. Continuarão tentando manipular coisas maiores e mais poderosas do que eles, mexendo com a natureza, buscando riquezas e destruindo vidas de pessoas como eu.
Outros acidentes.
Outros desastres.
Outras mortes.
Continuará acontecendo enquanto a humanidade estiver sobre essa terra, e o que nos resta é torcer para que desastres como o de Chernobyl não aconteçam com nossas futuras gerações.
Eu acho que Chernobyl foi amaldiçoada desde sua fundação.
E quem a amaldiçoou foi a própria humanidade.
Dois dias depois de entrar em Chernobyl, voltei para a Slavutych. Eu fugia do 26 de abril todos os anos, não gostava do ar fúnebre que a cidade tomava, dos discursos e das lamentações. Os mais velhos relembravam o passado sombrio e os mais novos ouviam as histórias com um lenço na mão. Todos iam ao memorial aos engenheiros e bombeiros que morreram por nós, rezar e deixar velas e flores.É um momento único. Algo que precisamos fazer e que ensinamos as crianças que deve ser feito. Enquanto uma pessoa deixar uma rosa para um bombeiro em 26 de abril, significa que nossa história ainda é importante para alguém, que ainda se lembram dos que partiram, dos que sobreviveram e que há uma esperança de mudança para os que ainda estão por vir.Eu sei que sou apenas uma mulher com uma história triste e com genética propensa ao câncer. Sei que não vão parar para me ouvir, para perguntar como consegui chegar até aqui e carregar comigo o peso do acidente nuclear todos esse anos. Se
Esse capítulo não se trata de um flashback. Estamos agora no futuro (2016) enquanto Tamara está no tour em Chernobyl, logo após reviver as lembranças. Boa Leitura!— Aqui encerramos nosso passeio, a agência agradece a todos pela preferência. Esperamos que sua experiência em Chernobyl tenha sido a melhor possível. Agora vamos voltar para van, esperamos chegar em Kiev antes que escureça.Olena indicou o caminho para que voltássemos para a van novamente. Eu não sabia ao certo que horas eram, mas o sol estava baixo no céu e a luminosidade parecia diminuir aos poucos.Como eu me sentia?Essa é uma pergunta muito difícil de se responder. Não sei exatamente o que esperava indo até Chernobyl, eu simplesmente sen
Há três dias eu não sabia o que era uma comida descente ou um banho. Me recusei a sair do lado de Yuri. Não me afastei dele nem mesmo quando os médicos me aconselharam à sair para tomar um ar. Eu sabia que aqueles dias eram os últimos e não queria perder um segundo. Diferente de Boris que preferiu não ver o processo doloroso do câncer em uma criança de perto, eu não conseguia me afastar.A parte mais difícil foi quando ele parou de falar, de contar suas histórias ou fazer suas perguntas.Ele havia acabado de acordar, mas seus olhos ainda estavam meio fechados. Estava magro e pálido, os dedos se enrolando fracamente no lençol branco do leito. Seus lábios finos como uma linha escondiam um sorriso que não existia mais. Dá última vez que havia lhe dado um banho seu corpo estava tão pequeno que parecia ter encolhido. Foi a última vez que o peg
Narrado por Tamara IvanovComo conseguir continuar vivendo quando se decide morrer?Simples, você vive pelas pessoas que ama e não por si mesma. Mas e se você perdesse nesse meio tempo a pessoa que você mais ama?Quando Viktor Zelenski morreu, Lesya pôde finalmente dizer que estava sozinha no mundo. E mesmo com toda a minha dor eu pensei que ao menos ainda tinha minha família ao meu lado. E como Boris também havia sido liquidador, talvez em pouco tempo o infeliz destino de Viktor se repetisse com ele. Todos os momentos ao seu lado deveriam ser considerados dádivas, pois, dependendo da forma como a radiação se manifestasse em seu corpo, eu sentiria tanta pena que rezaria todos os dias para ele enfim morrer e sentir paz.Qu
Narrado pelo personagem Boris IvanovOlga e Tamara demoraram muito para voltar depois que saíram para o hospital, mas o que realmente me preocupou foi que não ligaram para dar notícias. Isso só me causou mais pavor, pois já estava esperando que algo horrível fosse acontecer, embora não soubesse exatamente o que seria.O tempo foi passando e quando estava prestes a sair procurando aquele hospital, as duas chegaram em uma ambulância. Quase desmaiei. Elas estavam calmas, mas não me enganei: estavam sedadas.— O que aconteceu!? — perguntei ao paramédico.— Elas estão bem. Só demos uma carona porque estão em choque e não podiam vir sozinha.— CHOQUE?
Levantei da cadeira e o mundo pareceu parar ao meu redor, corri atrás de Aleksey o mais rápido que pude, quase o alcançando.— Não sei o que fazer! — Aleksey gritou.O tempo parecia passar em câmera lenta enquanto corríamos até sua casa, as ruas distorcidas pareciam ficar cada vez maiores, como se não tivessem fim.— LIGA PRA EMERGÊNCIA!— O HOSPITAL MAIS PRÓXIMO FICA A HORAS DAQUI, NÃO SEI QUANDO VAI CHEGAR AJUDA!Se não estivéssemos em uma situação tão desesperadora eu teria gritado com ele, pois aquilo deveria ter sido previsto e eles deviam ter se preparado. Yulia nem deveria estar em Slavutych em uma época tão próxima de seu filho nascer.
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