Jéssica foi buscar os filhos com cara de poucos amigos. Breno e Caio saíram de mãos dadas, meio que tentando esconder um ao outro, como se pudessem se proteger. Sabiam que a mãe não estaria nada feliz com o que haviam feito. Os adultos às vezes não entendiam muito bem certas coisas da vida.
— Em casa vamos conversar direitinho sobre o que você fez, Caio — Jéssica estreitou o olhar na direção do menino.
— Ele não fez nada, mãe. Foi tudo culpa minha. Eu que fui falar com o professor, porque meu irmão tem todo direito de fazer a aula — Breno correu para defender o irmão.
— O que aconteceu? — Maria, que havia almoçado com as amigas, não sabia do ocorrido.
— Você foi falar com o Leonardo, filho? Depois de tudo o que ele fez? Sabe que deve ficar longe dele.
Breno baixou a cabeça, enve
Leonardo entrou em casa assobiando baixinho, com um sorriso solto no rosto. A alegria era rara, mas naquele dia ele estava leve. O telefonema de Jéssica mexeu com ele mais do que gostaria de admitir. Talvez devesse mandar uma mensagem de boa noite. Uma mensagem simples, despretensiosa. Só para manter o fio do contato aceso.Clara apareceu na sala com passos suaves, vestida em um robe de seda bege que fazia questão de parecer casual, mas era calculadamente provocante.— Chegou animado, hein? — Ela sorriu, se aproximando para lhe dar um beijo cheio de intenção. — Vai me contar o motivo desse bom humor?Leonardo se deixou envolver e, com uma risada, contou.— Nada demais… o projeto social. Está dando certo, sabe? Eles estão fazendo aquilo com amor. Dá pra ver no jeito que tocam, no brilho nos olhos. Estão ali pela música.— Que lindo isso… — Clara forçou um sorriso, mas o maxilar tenso denunciava sua irritação. — E você pretende continua
Leonardo chegou à escola com a expectativa nas alturas. Imaginou que Caio não apareceria para a aula, acreditando que Jéssica tinha dado um jeito de fazer com que o menino desistisse de vez.Ele próprio estava muito inclinado a aceitar a proposta da turnê. A possibilidade de dividir o palco com seu maior ídolo mexia profundamente com sua alma. Seria a consagração do seu momento, a realização de um sonho acalentado desde a infância em Pedra Branca. Um daqueles acontecimentos que pareciam pertencer apenas aos filmes.Seu coração ainda batalhava internamente, tentando decidir se deveria ou não aceitar, quando a turma de Caio chegou à sala.A atenção do músico foi imediatamente capturada. Para sua surpresa, o menino estava ali. E mais do que presente — estava concentrado, verdadeiramente focado nos exercícios.— Bom, garotos e garotas... vamos ver o quanto vocês sabem de música. Escolham seus instrumentos — disse Leonardo, com um gesto amplo, in
Leonardo chegou em casa profundamente tocado, ainda sob o efeito do tempo que passou com Caio. O menino tinha um talento puro — uma daquelas raridades que emocionam só de ver.— Olha, essa turma está mesmo mexendo com você. É o segundo dia que chega assim tão feliz — disse Clara, aproximando-se com um belo sorriso. Sua insatisfação com a alegria dele por estar naquela cidade — perto demais da própria família — era enorme, mas ela disfarçava impecavelmente.Ele se aproximou e lhe deu um beijo satisfeito.— Hoje eu encontrei um aluno que, francamente... não se vê todo dia. O menino tem um talento nato, e é tão sensível. Foi uma das melhores aulas que tive até hoje na escola.Leonardo se deu conta de que Caio era filho de Clara e a olhou com curiosidade. Será que ela teria algum talento para a
Clara estava apavorada. Tremia com o papel nas mãos, caminhando de um lado para o outro, em completo desespero.— Como nos acharam? Era pra pensarem que tínhamos ido embora! — Ela manipulava o papel nervosamente.Leonardo tentou oferecer alguma tranquilidade para que pudessem pensar melhor sobre o que fazer.— Clara, calma. Não é o fim do mundo.— Claro que é! Olhe o que está escrito! Estão inventando coisas sobre nós. Imagina a humilhação de voltar naquela cidadezinha pobre, com aquela gentinha atrasada...— Pedra Branca não é tão ruim... E sejamos sinceros: a chance disso aqui não dar em nada é grande. — Leonardo abandonou a intimação e caminhou até Clara, tentando apoiá-la.— Leonardo, eles estão cobrando coisas! Querem o nosso dinheiro!&
Leonardo ficou um pouco decepcionado pela resposta cheia de ironia de Jéssica. Ele se expos e ela fez pouco caso.Poderia encerrar a conversa, mas teve uma outra ideia.— Eu posso levar o Breno? Adoraria que meu filho me visse cantando...— Leonardo, você falando assim eu tenho a impressão de que está querendo saber se eu sou idiota.— O que?! Não é nada disso!— Leonardo entenda. Se eu pudesse eu te impedia de ver o Breno na rua. Se eu tivesse o poder de fazê-lo não reconhecer o meu filho nem se ele estivesse pintado na sua frente eu faria isso. Por que eu te odeio. Não deixar você levar meu filho a lugar algum e não vou te seguir nem até a esquina.Leonardo foi pego desprevenido por uma sinceridade tão visceral. Jéssica estava ferindo os sentimentos dele sem pensar duas vezes.— Me odeia? Como assim me o
Leonardo observou Breno com atenção, tentando entender o que havia por trás da resistência do garoto em aceitar o celular. Ele podia perceber que algo não estava bem; uma oportunidade se abria diante dele. Aproveitar aquele momento para criar um laço mais forte com Breno, mesmo que Jéssica tivesse que sofrer com isso.— Eu sei que você saberá usar esse celular. E isso aqui... — Leonardo começou, baixando um pouco a voz, como se estivesse compartilhando um segredo. — Ele não é só um presente. É uma maneira de eu poder estar mais perto de você, sabe? Você não acha que seria legal poder me ligar quando quiser? Falar sobre a escola, as coisas do seu dia?Breno olhou para o celular, hesitante, com os olhos grandes refletindo um misto de curiosidade e dúvida. Ele já tinha pedido para ter um celular, mas os pais sempr
Quando Jéssica e as crianças chegaram em casa, o clima estava tenso, como uma guerra prestes a estourar. Ela entrou, deixando as portas baterem com força enquanto Breno, com o celular nas mãos, tentava evitar o olhar dela.— Breno, preciso que me entregue esse celular — Jéssica pediu, tentando esconder a irritação. O menino não tinha culpa do que estava acontecendo.O garoto balançou a cabeça, agarrando ainda mais forte o aparelho.— Não quero. É um presente, mãe. Ele disse que não tem problema, que posso ficar com ele. Não é justo! Eu sou o único que não tem um celular na sala. Só eu!Caio, que estava perto, interveio imediatamente.— É verdade! Se o Breno vai ficar com um, eu também quero um. É injusto que a Maria tenha o dela e a gente não.Ma
Jéssica e Hugo permaneceram sentados no sofá da sala, olhando um para o outro em silêncio. O som ambiente, a taça de vinho, os pijamas confortáveis de praxe não conseguiram amainar os nervos culpados.O jantar ficara marcado pelo silêncio das crianças – o garfo de Caio mal se movia entre as batatas, e o rosto emburrado de Maria deixava clara a tensão no ar.Cada vez que os olhos de Breno se encontravam com os de Jéssica e Hugo, havia ali um lampejo de raiva contida, de questionamento silencioso.— Eles não disseram quase nada no jantar — Hugo sussurrou, rompendo finalmente o silêncio, a voz grave com o cansaço. — E aqueles olhares… Parecia que nos culpavam por alguma coisa.Jéssica pousou uma mão no braço de Hugo, num gesto terno que mal cabia dentro das cinco palavras que lhe escaparam:— Eu sei. — Ela dei