Jéssica chegou em casa no início da noite, tentando ignorar o cansaço que apertava seus ombros.O clima ali dentro não era mais o mesmo, e ela sofria muito com isso. Não adiantava fingir.Desde a revelação sobre a verdade biológica dos filhos, os olhares carregavam uma frieza que doía mais do que qualquer palavra dita.Na sala, Caio e Breno jogavam videogame lado a lado, mas sem trocar uma única palavra. Maria lia um livro no canto do sofá, os olhos atentos à mãe assim que ela entrou.— Oi, meus amores — disse Jéssica, tirando os sapatos.— Mamãe — respondeu apenas Maria alegremente. Os meninos fingiram não ouvir.Hugo veio da cozinha com um pano de prato nos ombros e uma expressão cansada.— Fiz macarrão. Tá quase pronto — avisou, tentando soar natural.<
O barulho da campainha rompeu o início tranquilo da manhã. Jéssica, que ainda estava de roupão, estranhou a visita inesperada. Hugo apareceu na sala ao mesmo tempo, franzindo a testa.— Deixa eu ver quem é — disse ela, caminhando até a porta.Do outro lado, um homem de terno escuro e expressão neutra ergueu uma pasta.— Senhora Jéssica Silva?— Sim… sou eu.— Oficial de Justiça. Tenho aqui uma citação referente a uma ação judicial movida pelo senhor Leonardo Faria. Preciso que a senhora receba formalmente.Jéssica sentiu o coração gelar.— Ação!? Que tipo de ação?— Trata-se de uma Ação de Regulamentação de Guarda e Convivência Familiar, com pedido de busca e localização de menor. O autor alega que a senhora deixou a cidade com o filho Breno Faria sem aviso prévio, caracterizando possível abandono do lar e obstrução do vínculo paterno.— Isso é um absurdo! — a voz de Hugo ecoou atrás dela.O ofic
Hugo e Jéssica estavam sentados no restaurante, com olhares complicados. Pensavam em tudo o que estava em jogo naquele momento.O peso da situação era claro em seus rostos, e nenhuma das palavras ditas até ali parecia suficiente para expressar o desespero que estavam enfrentando.Ricardo entrou sorridente ao encontrar o velho amigo, mas o clima tenso logo se fez presente.— Hugo, tudo bem? Pô, cara, quanto tempo! — cumprimentou com um abraço.— Jéssica, você está linda. — Ele lhe deu um delicado beijo nas mãos.— Você também está ótimo. Esperava que nos encontr&
Leonardo caminhava pelos corredores da escola com um ar afável, um crachá provisório pendurado na camisa e um sorriso ensaiado nos lábios.Foi muito fácil convencer a direção a permitir que um projeto social, voltado para o incentivo à arte entre as crianças, funcionasse ali. Claro que ser um astro ajudava bastante.Os funcionários, encantados com sua presença elegante, o deixaram circular sem grandes objeções.Mas não era a educação que o movia. Seu coração disparava, e o encontro com seu filho mexia de verdade com seu juízo.Encontrou Breno no pátio, afastado das outras crianças, com o estojo aberto sobre a mesa de concreto e os lápis de cor espalhados.Leonardo se aproximou devagar, agachando-se ao lado do menino como quem oferece um segredo.— Olá
O diretor recebeu os pais com o semblante tenso, mas não precisou dizer uma só palavra.Assim que Jéssica e Hugo cruzaram o corredor principal da escola, avistaram Breno sentado no banco da recepção, agarrado ao corpo da irmã como se o mundo inteiro fosse ruir.Maria o envolvia com os braços, o corpo colado ao do irmão, os olhos firmes — prontos para protegê-lo de novo. De tudo, de todos.O menino não chorava, mas estava visivelmente em pânico. As mãos trêmulas apertavam as de Maria, e o olhar perdido vagava entre o chão e os rostos adultos que passavam.— Breno... — Jéssica se abaixou na altura dele, o coração em pedaços. — Filho, tá tudo bem agora. Mamãe tá aqui. — Ela tentou confortá-lo, mas ele não respondeu. Nem olhou. Nem piscou. Enfiou o rosto ainda mais no corpo da irmã.Foi então que Hugo viu Leonardo. De pé, encostado em uma das paredes, com a camisa desabotoada no colarinho e o ar de quem não entendia o pr
Breno distribuía os relatórios na mesa de reuniões com um jeito profissional. Estava ajudando na reunião, com toda a postura de quem pertencia àquele lugar.Esse momento no grupo afastava, pouco a pouco, o medo que sentiu daquele homem.De vez em quando, recebia um olhar curioso, mas seu comportamento não deixava dúvidas: ele estava ali para trabalhar.— Então, como podem ver, as mudanças são necessárias e urgentes. — Hugo conduzia a apresentação com concentração e foco exemplares.Estava terrivelmente preocupado com o filho, mas, olhando para ele, ninguém diria isso.Mais tarde, com Breno na cantina lanchando com Glória, Alexandre entrou na sala.— Então ele apareceu na escola? — perguntou.— E despejou aquelas coisas em cima do menino. Quando chegamos, Breno estava apavorado. Nunca senti tanto ódio daquele sujeito. — Hugo ainda se lembrava da expressão de pânico no rosto do filho.— Eu disse que seria melhor contar. Ele deu a
Leonardo entrou em casa sem sequer perceber o som da porta se fechando atrás de si.O corredor ainda estranho, os móveis reajustados, o cheiro de Clara no ar... nada conseguiu distraí-lo do que aconteceu na escola naquele dia.Soltou a bolsa sobre o aparador e passou as mãos no rosto, mortificado.Estava cheio de tudo; da ausência que pesava, da culpa, da sensação de ter chegado tarde demais.Aquele olhar de Breno… Não era compreensão ou saudade. Era medo e desespero. Jéssica com palavras tão duras e um jeito armado.— Meu filho não se lembra de mim. Sou um completo estranho pra ele.Ver como ele correu para Hugo em busca de proteção foi o golpe mais duro que poderia receber.Nunca sentiu tanto uma situação como aquela. Queria ter saído gritando com todos e mostrando o absurdo daquilo.Era sua
A água quente escorria pelos ombros de Jéssica, mas não era capaz de aquecer o frio que morava dentro dela.Voltou para o hospital no automático, atendeu no automático, fez tudo o que precisava para concluir o dia de maneira funcional.Mas seu interior estava cheio de uma angústia sufocante.Encostada na parede do box, com os joelhos encolhidos contra o peito e o rosto escondido entre os braços, ela chorava em silêncio.Como vinha fazendo nos últimos dias. Só que naquela noite, doía mais. Doía fundo.Breno mal falava com ela."Mentirosa..." foi como ele a intitulou.Desde aquele encontro na escola, tudo parecia desmoronar ainda mais. Ele escolheu Hugo com os olhos, com o corpo, com o coração.E, mesmo que ela compreendesse, mesmo que reconhecesse o amor imenso que Hugo dava ao menino, ainda assim… doía. Porque ela era a mãe. Ou deveria ser.Parecia que os filhos estavam dispostos a perdoar apenas Hugo e con