Prólogo

O cheiro insuportável do sangue, da sujeira e do suor subia às narinas dos quatro sobreviventes. Ao seu redor, a floresta era um emaranhado de árvores destroçadas, cadáveres desmembrados, terra removida e massas amorfas de carne e ossos que escorriam, formando poças dentro das fendas e valas abertas no solo humoso. A névoa, um expediente comum à Floresta Silenciosa, estava carregada de uma suave tonalidade verde e ardia ao ser aspirada.

Havia o ruivo, um homem atarracado e musculoso, cuja barba de poucos dias era como uma lixa grosseira. Segurava seu ameaçador martelo de guerra com tanta força que duvidava um dia ser capaz de largá-lo novamente. Sua esposa, a única mulher do grupo, tinha os longos cabelos, a armadura e as vestes cobertas de entranhas e terra. Suas manoplas haviam se partido horas atrás, assim como seus tendões e falanges. O calor da batalha e o medo, no entanto, não a permitiam sentir dor. Não ainda. O negro era um homem baixo, sorrateiro e careca. Suas vestes escuras eram as mais limpas entre as dos companheiros, o que erroneamente poderia sugerir que não havia lutado. Suas adagas, no entanto, estavam gastas e sem fio, dado o uso excessivo. O rapaz imberbe era o mais jovem entre todos, e o segundo mais imundo. Sua espada comprida havia cortado mais cabeças e braços nas últimas horas que a maioria dos soldados com quem treinara por toda a vida.

Os quatro rodeavam um quinto homem, que jazia caído ao lado de um menino. Ele era o médico do grupo. Um homem incrivelmente gentil e, apesar de um guerreiro corajoso, sempre fazia o que pudesse para evitar derramar sangue desnecessário.

E havia o menino. Magro, alto, nu e caído. Poderia ser apenas uma criança dormindo, não fosse sua mão enroscada nas entranhas do médico morto, como se tencionasse puxá-los para fora.

Estavam os dois, o menino e o médico, deitados de lado, alojados no centro de uma cratera rasa, mas larga. As árvores nas imediações haviam sido arrancadas, ou tombadas pela metade, com suas grossas raízes expostas.

– Shilohuo está morto. – O rapaz imberbe disse, vazio de expressão. Não tinha forças para sentir tristeza. Mal tinha força para ficar de pé. – Mas o menino ainda vive.

– Deveríamos matá-lo agora. – O negro disse, sacando sua adaga e se aproximando. – Antes que ele acorde.

– Não. – A mulher interferiu. – Shilo morreu para que o menino vivesse. A decisão sobre a vida dele cabe ao Ancião Zarede.

– Se ele acordar, teremos de começar tudo outra vez. – O negro argumentou. – Não temos mais como seguir lutando. Só nós sobramos.

– Vá até a cidade. – A mulher se dirigiu ao rapaz. – Chame Zarede aqui, e diga-o para trazer Laeyse com ele, o mais rápido possível. Explique que abatemos a ameaça, mas ainda não a aniquilamos.

– Mas... – O negro quis argumentar, sendo novamente impedido pela mulher:

– Alguém enviou esse menino até aqui. Não vamos matá-lo até descobrir quem e por quê. Depois disso, a vida dele estará nas mãos do Ancião.

Dada a ordem, o rapaz imberbe embainhou a espada e reuniu toda a pouca força que lhe restava seguindo marcha através dos espaços estreitos entre as árvores da floresta, feliz por não estar ali quando o sol raiasse por completo, iluminando o campo de batalha e trazendo à tona toda a carnificina e selvageria resultantes da luta através da madrugada.

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