2 - CENA II: NA IGREJA

CENA II: NA IGREJA

CLÉRIGO: Senhoras e senhores... Estamos num período onde a benção dos céus é abundante enquanto os frutos da terra são escassos. Os animais estão ficando loucos! Estamos aqui pedindo misericórdia para que o Todo-Poderoso nos console e castigue os culpados por esta terra estar envenenada!

MONGE: Um cálice de ouro de nossa Igreja desapareceu. Nós cremos que ele foi roubado por bandidos muito maus que traíram a nossa honra e foram para o mundo do crime.

CLÉRIGO: Vamos orar para que Deus retire nossos medos e nossas aflições e repare as ceifas. Dobrem os joelhos e paguem os dízimos para entrarem no reino sagrado assim que as portas estiverem abertas no momento em que o Todo-Poderoso deixar-lhes prontos.

MONGE: Há aqueles na rua que estão sendo congelados pelo frio da neve lá na rua, muitos não tem para onde ir. A miséria afronta nossos lares, é triste ver uma coisa dessas. Em nosso monastério estamos preparando um caldo para esses famintos, portanto quem puder ajudar, essas pessoas lhe são gratas. Lembre-se que a fé move montanhas!

[A missa acaba. O clérigo e o monga conversam].

CLÉRIGO: Está difícil a situação. Quem lhe deu permissão para dar esses caldos aos pobres?

MONGE: Ora, você quer ver essas pessoas mortas de fome?

CLÉRIGO: Eu não sei quanto à elas, mas essas pessoas estão muito sujas e eu não posso fazer nada demais... Muitos estão nas ruas porque não quiseram servir o Reino de Deus, então eis o castigo aos desobedientes!

MONGE: Mas o sagrado coração de Jesus é maravilhoso e quer que repartamos o pão com os mais necessitados, é o que está escrito na bíblia, caro homem. Deus tenha piedade de ti!

CLÉRIGO: Sei, a glória tem lhe alcançado. Tudo o que faço aqui é para a Igreja chamada Ordem do Reino dos Céus e você está tomando muito mais espaço que eu neste lugar.

MONGE: Mas o que é isso, vossa reverendíssima. “Malum foras!” [1] A igreja proíbe a usura, mas a comete a mesma e você é o responsável por várias pessoas virem aqui querendo um pouco de pão e água porque no inverno muitas ficam em casa pelo frio que há nelas. Não dá pra entendê-lo... Agora você veio pregar ou colocar a culpa pelo gado doente nas feiticeiras?

CLÉRIGO: As duas coisas! Meu espaço nos céus está garantido, pelo dízimo que eu faço essas pessoas pagarem, nós temos o Poder graças ao sangue de Jesus que foi derramado na cruz do Calvário!

MONGE: Vossa reverendíssima, o diabo é astuto e enganador, malignus[2]! Aqui ninguém quer lhe calar, exceto seus inimigos.

CLÉRIGO: Esses inimigos são muitos, que querem nos ferir como uma flecha fere o coração ao ser acertado. Muitos são falsos profetas: inventam novas religiões e levam as mentes tolas ao caminho da perdição eterna! Devemos confiar unicamente em Jesus para alcançar os céus.

MONGE: De certa forma desta vez você está correto. Não quero lhe contrariar, mas esta Igreja precisa sempre ser purificada. Eu sinto o cheiro não das maravilhas, mas da hipocrisia de cada um aqui dentro. Posso ser morto por pensar assim vossa reverendíssima, mas eu não posso me calar. Eu tenho fé no Senhor Jesus Cristo.

CLÉRIGO: Alguns peregrinos vem de longe me contar que conheceram povos com hábitos nojentos, religiões que não estão no evangelho e que são cordeiros vestidos de lobos. No início oferecem o bem, como uma mão estendida, mas depois caem em buracos negros onde do inferno não tem escapatória!

MONGE: Padre, eu tenho algo para lhe confessar: Eu acho que eu fui para o céu. Mas lhe digo que não morri. Apenas a minha alma saiu do meu corpo e foi para as alturas guiada por alguém de vestes brancas. Lá era um lugar de indescritível beleza, onde os olhos do homem se enchem de lágrimas... Lá estavam algumas crianças brincando, sorrindo com outras, estavam alegres e lá tinha um lugar para sentar. Era lá onde eu queria estar, mas ouvi uma voz dizendo que ainda não era o momento certo.

CLÉRIGO: [Faz uma expressão de espanto]. É mesmo?

MONGE: Sim! Ah, mas como eu queria estar lá! Até me perguntei, por quê o Senhor não quis que eu ficasse lá para sempre?

CLÉRIGO: Ora, mas você de novo com essas histórias? Pois eu já estive no inferno! Via demônios com chifres e olhos amarelos e vermelhos de fogo, com rabos finos e longos, segurando tridentes por todos os lados avançando em mim, querendo a minha carne para queimar em seus caldeirões até as tripas! Havia torres negras e um vapor quente cheio de fumaça não deixando ninguém respirar direito, era uma sensação terrível, tenebrosa, horrorosa! Só podia ser coisa do diabo!

MONGE: Ó Deus, que horror!

CLÉRIGO: Eu acredito que não foi por acaso. Esse não pode ter sido um mero pesadelo, mas uma realidade onde muitos que não obedecem aos mandamentos de Cristo poderão estar!

MONGE: Pois são largos os corredores para os céus e gigantes para o inferno. Mas por quê logo você foi parar no inferno?

CLÉRIGO: Bem eu... Eu...

MONGE: Como alguém tão religioso pode ir para lá?

CLÉRIGO: Essas perguntas só Deus pode responder. Acho que alguém aqui teve mais sorte que eu.

MONGE: Quer dizer então que você não se purificou como deveria?

CLÉRIGO: Não... Não é isso...

MONGE: Olhe, não me venha dizer que a língua do homem não confessa os pecados diante do Salvador...

CLÉRIGO: Pois eu não tenho culpa!

MONGE: Mas se você já esteve no inferno, só pode ser um demônio. Saia deste corpo que não te pertence! Saia já daí!

CLÉRIGO: Espere, não exagere! Eu apenas fui irônico com você, bastardo!

MONGE: E ainda me chama de bastardo. Que você não seja castigado! Elamentabilis...[3]

CLÉRIGO: Mas não ouse a espalhar por aí o que você ouviu, hem, criatura! Só sei que você não é nenhum santo para quem eu vim pedir alívio pelos meus pecados.

MONGE: Eu olho para as alturas e lá no trono eu sei que Deus perdoa meus arrependimentos.

CLÉRIGO: Mas qual o motivo de tanta curiosidade?

MONGE: Nenhum vossa reverendíssima...

O perigo tem seu lugar...

E em seus olhos posso ver a maldade que há.

Onde está o seu coração de pedra?

Que bate rapidamente ao avançar

Como uma fera infeliz, pior que todos os malditos

Ele vem das trevas querendo o Poder

E então ele quer você, como uma presa fácil e fraca

Se não tiver fé, é assim que ele te usa

Cuidado com os enganos, não seja tolo

Ele quer roubar sua alma.

CLÉRIGO: Bom, com licença homem, tenho que ir...

MONGE:

Quem sabe um dia nós caminhemos sob a luz do luar sobre as águas

Em um paraíso dos céus

Chamando pelo nome Dele.

O Todo-Poderoso escuta nossos corações

Somos guerreiros sem luz agora

Mas juntos de mãos dadas tocamos o brilho do Sol

O perdão é o que procuraremos

Enquanto as rosas cálidas sangrarem e esparramarem o seu amor

[...]

Quem sabe um dia nós o encontremos em cada fragmento desse mistério

E o espírito que habita em nós nos mostre o que a verdadeira fé pode fazer

Quem sabe um dia movamos montanhas

Só para ver o canto dos pássaros que nas nuvens buscam seus voos mais altos

Toque-me mais fundo para eu me fortalecer

Toque-me mais fundo, Senhor

Para que eu possa ver o meu futuro abençoado em tuas mãos

E quem disse que os louvores não podem fazer nossas almas acalmarem?

Como a brisa do mar, todas as manhãs.

De uma natureza que oferece o fruto e o destrói.

Só para ver que o nascimento e a morte são o contrário da eternidade

Confiar Nele?

Se entregue para que Ele semeie nos campos inférteis e faça crescer o verde forte

Espere Nele para ver os seus sonhos contornando as suas belas estrelas lá no alto...

Até onde você poderia ir com a chuva caindo sob sua cabeça?

Com o sol renascendo entre o canto dos anjos

Quem sabe você se sinta perdido

Quem sabe você se perca

Mas não esqueça que Ele te olha e conhece teu caminho já trilhado

O suor e lágrimas,

O dobrar de joelhos,

Os pecados latentes,

A língua que engole, cospe e faz matar

A alegria daquele que estende a mão só para sorrir novamente até com um novo destino se arcar.

Somos guerreiros agora

Mas Ele já alcançou a vitória por nós

Só para termos a mais bela visão desse cosmos.

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