PERSONAGENS:
SENHOR CEGO
VIDENTE
CAMPONESA
BRUXA
BANDIDO I
BANDIDO II
FANTASMA
FAUNO
CLÉRIGO
PADRE
MONGE
ESCRAVO
BOBO
ANÃO
CAVALEIRO
NINFA
REI
CENA I: O SENHOR CEGO E A CAMPONESA
SENHOR CEGO: É tempo de inverno... As folhas estão cobertas de gelo, o chão está gélido onde as árvores pisam e se sente um sopro duro do vento. Os cavaleiros aqui guardam suas espadas afiadas e mal protegem o castelo do rei. Veem-se pingos de sangue em meio ao branco da neve... Nessas horas, somente o fogo do Senhor aquece até as almas... Mas me diga como você está, flor dos campos?
CAMPONESA: Eu tremo de frio neste dia, só tenho um pedido para fazer: eu quero o pão de cada dia: este só Deus pode me dar. O trigo já está congelado nos campos esbranquiçados. Oh, frio maldito!
SENHOR CEGO: Já ouvi dizer que o inferno é tão frio quanto o inverno. Lá as serpentes se encantam com o gelo e deslizam maravilhosamente nele. Há-há!
CAMPONESA: Mas aqui as plantações que não estão dando colheitas. Estão amaldiçoadas!
SENHOR CEGO: Então você acredita na magia das bruxas?
CAMPONESA: Elas só podem ser as culpadas pelos campos não estarem mais verdejantes!
SENHOR CEGO: Eu queria sentir o perfume de jasmim e saber que eles estão florescendo!
CAMPONESA: Eu sou pobre, o suor de minhas mãos me sustenta, mas desse jeito com essas guerras fica cada vez mais difícil viver nesse reino! Eu tenho poucas moedas para pagar o dízimo. E tenho medo que cortem a minha cabeça por pedir ajuda às curandeiras!
SENHOR CEGO: Ó que Deus traga paz a este lugar!
CAMPONESA: Coitada de mim, eu tenho ainda por cima que trabalhar para os feudos e a cavalaria mal protege a terra! Aparecem bandidos e mais bandidos que saqueiam o pouco de milho que plantei nos últimos meses! Tenho mais cinco filhos para sustentar e meu marido só quer saber de cervejas ao invés de cuidar dos afazeres da casa! No meu lar as crianças choram de fome e eu, a coitada de sempre espero que a minha dor nas costas acabe! É um peso que carrego sozinha...
SENHOR CEGO: Mas não tens médicos pelo vilarejo? Ou por acaso nem isso o senhor feudal te oferece?
CAMPONESA: Ah! O senhor feudal cumpre o quê como prometera? Vive do que lhe apetece e as regalias dele são do tamanho de trezentas colheitas. Sou muito maltratada! Olhe para as minhas vestes! Eu não estou me vestindo como a realeza para garantir seus privilégios!
SENHOR CEGO: Mas...
CAMPONESA: Nestes dias, o gado ficou louco, estava inquieto, não realizava o trabalho direito e eu tive que cobrir todos os gastos por causa dessas pragas!
SENHOR CEGO: E....
CAMPONESA: Sim, porque o gado louco é obra de bruxaria, só pode. É como a Igreja diz, elas devem ser queimadas, porque tudo é culpa delas!
SENHOR CEGO: Porém...
CAMPONESA: Ora, ora, é claro que essas malditas não oferecem nada do que é sagrado. São umas espertas! Astutas! As feiticeiras de hoje fazem essa magia negra para ganharem o quê em troca? Nem alimento elas teriam sem as obras de nossas mãos! Mas fazem isso com o nosso árduo trabalho! Desgraçadas!
SENHOR CEGO: Espere! Mas há uma coisa que eu pergunto para mim mesmo: onde eu encontro os seres alados?
CAMPONESA: Oh velho homem, então... Eu não sei... Você é cego, talvez um dia Deus lhe faça um milagre...