CRISTINA SANTIAGO
Divórcio. Essa palavrinha de oito letras era tudo que eu precisava para ser livre novamente. Infelizmente não havia como voltar no tempo e recuperar os três anos perdidos ao lado daquele traste. Ainda assim, ali estava eu, de salto alto e cara lavada de coragem, caminhando para dentro do cartório ao lado de Heitor. No caminho, disse a mim mesma que seria elegante. Assinaria os papéis, pegaria minha dignidade e iria embora. Sem barraco, sem gritaria, sem nem mostrar os dentes. Ah, como eu sou otimista. Heitor, de terno alinhado e cara de executivo que acredita ser a última Coca-Cola gelada do Saara, ele fez questão de andar meio passo à frente, como se fosse me arrastar em uma coleira invisível e falar suas asneiras. — Vamos acabar logo com isso, Cristina — disse ele, andando na frente, sem olhar para mim. — Você já manchou meu nome o suficiente. Segurei a risada. “Manchei o nome dele”, vejam só! O santo ofendido, o cordeiro imaculado. — Claro, querido — respondi com doçura fingida. — Vamos sim. Afinal, eu não quero atrasar a sua lua de mel com a minha querida irmã. Ele me olhou por cima do ombro com desprezo e manteve sua pose de empresário. Dentro do cartório, sentei-me à mesa, o funcionário ajeitou os documentos e Heitor, aproveitou o momento para me humilhar em frente a todos que estavam ali. — O problema é que você nunca soube ser esposa de verdade, por isso estamos aqui. — disse ele, projetando a voz como se fosse um palestrante motivacional. — Sempre medíocre, sempre sem graça, sempre… vazia. Os olhares ao redor se voltaram para mim. Eu deveria me sentir pequena, esmagada, mas aí lembrei de um detalhe. Aquele pequeno e delicioso detalhe: as marcas no meu pescoço deixadas pelo homem da noite de ano novo mais inesquecível da minha vida. Com calma, afastei o cabelo para trás e deixei que todos vissem os hematomas vermelhos e bem desenhados na minha pele pálida. — Medíocre, sem graça e vazia, você disse? — arqueei a sobrancelha. — Estranho, porque parece que alguém não teve problema nenhum em me achar… fascinante. Heitor perdeu a cor, depois ficou vermelho como um tomate podre. — Sua… sua vagabunda! — cuspiu, perdendo toda a compostura. — Vaga... o quê? — retruquei, fingindo inocência. — Ah, você queria dizer “vaga-lume”? Você está certo querido, eu brilhei como nunca na noite passada. As pessoas riram. RIRAM! Em pleno cartório, tive impressão que até o funcionário em minha frente segurou o riso. E eu, sinceramente, não poderia ter pedido uma plateia melhor para o showzinho que ele mesmo começou. Assinei os papéis do divórcio com a mão firme e sem nenhuma hesitação, como se pusesse fim em um contrato de aluguel de quarto mofado. “Adeus, querido Heitor, vá com Deus e que Ele não queira mandar você de volta.” Mas, como a desgraça nunca vem sozinha, quem aparece pela porta? Ela mesma. A cobra de batom vermelho: Beatriz. E, para completar a cena, ela não entrou discretamente. Não, de jeito nenhum. Ela atravessou o cartório como se fosse uma passarela de moda e, sem aviso, agarrou Heitor pela gravata e tascou um beijo daqueles longos, de língua e vulgarmente barulhentos, que dariam censura em horário nobre. Eu congelei. O cartório inteiro congelou. Até o funcionário, que parecia estar há trinta anos carimbando papéis sem emoção, provavelmente arregalou os olhos mais vezes naquele dia do que em toda a sua vida. Beatriz se afastou sorrindo, como se tivesse acabado de ganhar a medalha de ouro na modalidade “destruir a irmã”. — Agora sim, Heitor. — disse ela, com voz de triunfo. — Estamos livres para viver o nosso amor. — Amor? — gargalhei, possivelmente a gargalhada mais sarcástica da minha vida. — Beatriz, por favor, a única coisa que você ama é se meter no meu caminho e tirar o que eu tenho com esse seu velho complexo de inferioridade. Heitor tentou me silenciar com aquele olhar de macho controlador, mas não dei a mínima. A porta do cartório se abriu de novo e, para a minha surpresa, ali estava o meu herói. Perfeito, lindo, com aquele mesmo olhar de mistério e poder. Meu corpo inteiro se reaqueceu na hora que meus olhos encontraram os dele. O que será que Ethan ele fazendo aqui? De qualquer forma, isso não importa. Ele não poderia surgir em momento mais oportuno. Avancei em sua direção, agarrei ele pela nuca e o beijei. Um beijo quente e demorado. Inclinei-me discretamente contra seu ouvido e sussurrei: — Apenas me siga. — Querido... — falei mais alto, passando meus dedos nos cabelos dele, como se fôssemos muito íntimos. — Por que demorou tanto? O silêncio que se seguiu foi imensamente satisfatório. Heitor parecia ter levado um soco no estômago. Beatriz abriu a boca, mas nenhum som saiu. A plateia estava vidrada, vivendo por mim cada segundo daquele espetáculo. Sem esperar, puxei ele pela mão e caminhei direto até o balcão. — Olá, eu gostaria de registrar meu casamento — disse, sem perguntar ao candidato a noivo se ele concordava com a farsa. O funcionário me olhou, meio sem entender, mas colocou os papéis na frente. Peguei a caneta e assinei. Simples assim. Sem hesitar. E me virei com um sorriso triunfante para o casalzinho feliz. Beatriz parecia ter engolido uma abelha. Heitor bufava como um touro em uma arena. — Você enlouqueceu, Cristina?! — ele gritou. — Isso é ridículo! Você é uma ninguém e nunca vai ser nada sem mim! Eu sorri com deboche e meu herói entrou em cena. — Não seja tão egocêntrico assim, meu amigo. Todos esses anos, e você nunca conseguiu satisfazê-la... — disse ele, sorrindo de canto. — Talvez devesse procurar um médico urologista. O cartório veio abaixo. Risadas ecoaram por todos os cantos. Pessoas gargalhando, gente se abanando, alguns até batendo palmas. Eu também não consegui segurar o riso com essa. Heitor ficou vermelho, roxo, azul, parecia um arco-íris em colapso. Não aguentou a humilhação e saiu correndo porta afora, puxando Beatriz atrás dele, enquanto ela gritava seu nome em desespero. Nada poderia ser melhor do que assistir Heitor fugindo feito um covarde, finalmente, quem ria por último era eu.