Começo a entender a natureza do nosso beijo.

Eu estou pronta para a festa. Me olho no espelho mais uma vez. Estou usando um vestido branco e preto, que molda meu corpo, um pouco acima dos joelhos. A cor realça o brilho dos meus cabelos castanhos. Fiz uma maquiagem leve aquela que te valoriza, te deixa bonita e não te transforma em outra pessoa que não é.

Meu coração está disparado dentro do meu peito e eu me sinto agitada e nervosa.

Estou agitada, e não é por causa da festa, mas sim por saber que Miguel estará ao meu lado, ou talvez longe, mas o tempo todo me observando. Não acredito que ele ficará desfilando comigo pela festa e me apresentando as pessoas. Talvez ele estará afugentando elas, isso sim. Mas meu interesse de ir não é fazer novas amizades, mas sim sair com Miguel, achei mesmo que ele fosse. É a chance que tenho de reverter essa distância entre nós.

Logo que entro na sala dou com ele parado me aguardando. Olho cautelosamente para ele, percebendo o quanto ele me mexe comigo. Os cabelos castanhos ainda estão molhados pelo banho. Com um jeans novo, escuro e camisa preta, ele está perturbadoramente atraente.

Quando ele me vê, logo pergunta:

—Está pronta?

—Estou.

— E Vitor?

—Ele foi na frente. Bem se está pronta, vamos.

Quando ele se vira, eu avanço rápido e o seguro pelo braço.

—Queria falar com você antes.

Buscando as palavras para iniciar uma conversa, vi um ar de impaciência passar pelo rosto dele. Não é possível! Eu pareço estar diante de um estranho. E eu ainda me pergunto como isso aconteceu.

—O que aconteceu com a gente, Miguel? Você sempre se mostrou mais humano, gentil. A imagem que sempre carreguei comigo de você é de um homem agradável, humano e sempre interessado em me ouvir. Mas hoje, você me trata como se eu fosse uma estranha.

Ele me olha sem falas por um momento.

—Acontece que você é uma mulher e não acho certo mantermos o que tínhamos. Eu sou um simples empregado, e sou consciente disso. Apenas estou me colocando no meu lugar. Entendeu? —Não há qualquer simpatia em seu timbre de voz.

Deus! Ainda não o entendo.

—Miguel, meu pai não é assim. Você o conhece. Ele não veria nada de errado em mantermos nossa amizade.

Minhas palavras agiram nele como se eu tivesse lhe dado um soco, ou como se eu o tivesse ofendido. Ele meneia a cabeça e depois de uns minutos de silêncio, ele responde:

—Laura. Não podemos continuar onde paramos. Deus! Suas palavras mostram claramente que você tem muito a amadurecer.

Eu cruzo os braços e digo séria para ele:

—Por que? Seja mais claro por favor.

Ele olha ao nosso redor por um momento.

O que ele está pensando em fazer?

—Venha comigo!

Ele pinça meu braço com seus dedos e me leva para fora, quando alcançamos sua caminhonete seus olhos se fixam nos meus e meu coração se agita no meu peito.

—Você que pediu isso.

Meu último pensamento foi: isso o quê? Antes que ele desse um passo para frente e esmagasse seus lábios contra os meus.

Deus! Eu nunca tinha sido beijada assim antes.

Ele simplesmente varre meus pensamentos, e eu sou literalmente devorada por seus lábios. Eu estremeço com o gosto de menta de sua boca e seu cheiro masculino invadindo meu nariz. Ele me puxa mais para perto, prendendo-me a ele, e eu sinto seu cume alto e duro na minha barriga.

Quando finalmente ou infelizmente ele me solta eu o olho ofegante, como se eu perdesse a capacidade de pensar. Não há palavras para isso, e nem para o que eu senti. Eu apenas o olho com os lábios inchados, borrados, os olhos arregalados.

—Agora você sabe porque devemos nos manter afastados. —Ele diz de forma blasé.

Ainda não sei o que dizer. Ainda perplexa com sua resposta e os sentimentos que ele me provocou com seu beijo. Eu ainda respiro erraticamente, quando ele abre a porta da caminhonete para mim.

— Entre. —Sua voz sai baixa, rouca.

Ele dá a volta no carro, agora ele exibe em seu rosto uma carranca, mostrando claramente que eu não tenho lugar na vida dele. Entro com dificuldade por causa do meu vestido que não tem elasticidade por ser um pouco justo nas pernas. Quando eu me sento ele sobe, aparecendo um pouco as minhas coxas.  Percebo os olhos de Miguel nas minhas pernas, antes de ele dar a partida do carro. Os minutos que se passam até a casa de casa Emma Thompson ocorrem dentro de uma nuvem densa de tensão.

Eu ainda estou confusa com o sentimento de perda que sinto no meu coração. Não foi fácil ouvir que não seremos amigos, não está sendo fácil estar ao lado dele depois que experimentei a delícia de seus lábios e saber que não poderemos repetir isso, mais e mais vezes.

A leitura que faço em seu corpo é que ele está tenso também. Vejo pela maneira que ele aperta o volante com as mãos e a seriedade que ele dirige.

Quando chegamos à pequena aldeia composta de casas simples, eu logo consigo saber onde está ocorrendo à festa pelo volume do som ligado. Miguel estaciona do outro lado da rua, pois na frente da casa já tem muitos carros estacionados, inclusive a BMW do meu irmão.

Embaraçada, passo as mãos pelos meus cabelos, me sentindo deslocada agora. Miguel desliga o motor e olha para mim.

—Tem certeza que quer encarar o ambiente?

Eu lhe dou um sorriso nervoso. Estou sem clima para ficar, estou confusa, estou à flor da pele, mas não quero dar o braço a torcer e fazê-lo me levar para casa.

—Sim.

—Então vamos!

Eu desço da caminhonete devagar. Meus saltos afundando na rua de terra e pedras. Caminho num malabarismo, me desviando de buracos e pedras maiores, mesmo assim, tropeço em um deles e se não fosse pelos braços fortes de Miguel que me segura rápido, eu teria ido ao chão.

Eu olho rapidamente para ele, mas seus olhos não estão nos meus e sim fixos na minha boca. Isso me faz ofegar e meu coração se agita no peito. Ele sobe seu olhar.

—Obrigada. —Eu digo, me sentindo patética.

Ele assente e se afasta de mim. Caminho devagar até que finalmente alcanço a calçada. Paro alguns passos ao lado de Miguel e olho o quintal lateral da casa. Há falatórios em todos os lugares. Pessoas rindo, gritando para serem ouvidas por causa da música alta.

As mulheres vestem jeans e camiseta.

Deus!

Agora eu me sinto estranha com esse vestido de grife e saltos altos. Miguel bem que podia ter me avisado que minha roupa era inapropriada. Eu não pensei que a festa fosse de rua, ou algo assim...

Olho para ele me sentindo insegura. Ele aperta os lábios com desagrado.

—Eu avisei.

Eu empino meu nariz e me afasto dele, entro na garagem. Os homens da minha idade, quando me veem, sorriem para mim e eu me sinto literalmente escaneada pelos olhos deles. Eles me medem de cima a baixo. Um deles, usando um chapéu de cowboy e mais alto de todos, se aproxima de mim.

—Olá gata, nunca te vi por aqui.

Nessa hora, toda a minha confiança se esvai. E logo sinto os braços de Miguel na minha cintura, eu respiro mais aliviada, se isso é possível.

—Desculpe Miguel, não sabia que ela era sua garota.

Miguel não diz nada.

—Quer entrar na casa?

Antes de eu responder, ouço alguém gritar lá de dentro.

—Miguel! —A garota corre para fora, mas quando vê onde está o braço de Miguel ela para e seu entusiasmo se esvai.

—Oi, Emma. —Miguel diz numa altura audível. —Essa é Laura Graham. Estamos aqui a convite de Karen.

Diversão rabisca seus traços suaves. Com certeza, ela se ligou que a filha de Mark Graham e o capataz não são um par romântico e que ele está apenas me acompanhando.

—Sim, Karen me falou que você viria. —Ela diz alto.

Ela gosta de Miguel e eu imediatamente a odiei por isso. Com grande dificuldade sorrio para ela, tentando ser simpática.

Então a música parou e escutamos protestos.

—Você se parece muito com seu irmão.

Meu irmão tem cabelos castanhos claros e olhos azuis, esbelto, mas forte. Bem mais alto que eu, do mesmo tamanho que Miguel.

—Eh, todos dizem isso.

—Vamos entrar? —Ela convida.

—Acho que vamos ficar por aqui. Está muito quente. —Miguel diz para ela e me encara. —Posso pegar algo para você beber?

—Um refrigerante.

—Só temos cerveja. —Emma diz com um sorriso falso.

—Tudo bem. Pode ser. —Eu digo para Miguel.

Ele assente para mim e entra na casa.

—É definitiva sua vinda para Wordwell?

Eu a encaro séria.

—Acho que ficarei só esse ano, depois volto para Londres. Pretendo me formar em enfermagem.

A música alta começou novamente, Alan Jackson - I'll Try. Mas pelo menos uma de bom gosto.

Eu tentarei

Aqui estamos nós, conversando sobre eternidade

Nós dois sabemos muito bem, que juntos não é fácil

Nós dois sentimos amor, nós dois sentimos dor

Eu vou escolher o sol ao invés da chuva

E eu tentarei

Amar só você

Eu tentarei

O meu melhor para ser verdade

Oh querida, eu tentarei

Eu não estou com medo, para mim vale à pena arriscar

Segure a minha mão, vamos encarar a eternidade

Bem, eu não posso te dizer que nunca vou mudar

Mas eu posso jurar isso de todas as maneiras

Eu não sou perfeito, sou só um homem qualquer

Mas eu vou te dar tudo o que eu sou

Bem na hora Miguel surge com as bebidas. As mulheres que estão reunidas em um grupinho, olham para ele com adoração quando ele passa perto delas. Mas ele parece completamente alheio a capacidade que ele tem de atrair o público feminino. A música, de repente, começa a falar tanto ao meu coração e eu engulo um nó que se forma na minha garganta.

Nossos olhos se encontraram, não sei se ele está sentido o que eu estava sentindo com essa música ao fundo tocando enquanto ele caminha em minha direção sem tirar os olhos verdes dos meus.

Acho que não.

Luxúria é o que ele sente por você.

—Aqui está. —Miguel diz com rouquidão na voz. Estende para mim o copo plástico com a cerveja.

Eu pego a bebida com um sorriso nervoso, totalmente esquecida de tudo ao nosso redor. Me lembro de Emma e volto, com dificuldade, meus olhos azuis para ela. A garota não me encara da mesma forma, pude ver nos olhos verdes dela, uma ponta de hostilidade e isso quebra um pouco aquela nuvem romântica que eu estou sentindo ao lado dele.

—Miguel, na sua folga podíamos marcar de cavalgarmos juntos. Você sabe como sou insegura. Com você ao meu lado eu teria mais segurança.

Eu encaro Miguel, louca para saber a resposta dele. Ele a olha calado por um tempo antes de responder:

—Estamos numa época de estiagem. A chuva que tem caído é muito pouca e eu ando muito cansado.

—Miguel, você precisa se distrair.

—Eu gosto do que faço. Não estou reclamando. Apenas vamos esperar passar essa estiagem e podemos marcar.

Alguém a chama no interior da casa, ela pede licença e sai, dou graças a Deus e procuro os olhos do homem a minha frente. Meu coração bate desgovernado no peito quando vejo seus olhos mais solícito para mim.

—A festa não era o que você esperava. Estou certo?

—Não. —Eu digo e desvio meus olhos, da intensidade dos olhos verdes dele, fixando-os em um ponto qualquer, menos naqueles olhos que podem me hipnotizar se eu olhar muito.

—O que esperava?

—Não sei. —Olho todos. —Acho que a música menos alta. Um lugar mais espaçoso, mais amistoso.

—Emma foi muito simpática com você.

Eu o encaro e dou um gole na minha cerveja.

—É, foi. Percebi que ela gosta de você.

— Ela é apenas uma amiga.

—Vocês já saíram juntos?

—Você quer saber se transamos?

Eu engulo em seco e aceno um sim.

—Sim, ficamos juntos curtindo por um tempo.

Isso me fere. Não gosto dessa informação. Nunca pensei que Miguel fosse desse tipo de homem que sai com todas. Começo a entender a natureza do nosso beijo. Luxúria, sem sentimentos envolvidos.

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