Um homem lindo...

Lizandra

Acordei antes do despertador naquele dia. A agência ficava no centro, num prédio antigo, mas bem conservado. Eu e Samanta subimos as escadas lado a lado, ela me dando força o tempo inteiro.

Eu preenchi formulários, entreguei meus documentos, conversei com a atendente. Ela foi simpática, disse que se não fosse a vaga do anúncio, havia várias famílias procurando babás residentes, especialmente quem tivesse alguma formação na área infantil. Saímos de lá com a promessa de que entrariam em contato “nos próximos dois dias”.

Dois dias que pareceram semanas.

Parecia que o tempo estava preso, arrastando. De repente, meu celular apitou. Mas, ao olhar a tela, congelei. Não era a agência.

Era um lembrete do calendário. Um lembrete que eu mesma tinha colocado meses atrás, sem coragem de apagar. A data com a previsão de saída da Liliane do presídio.

Senti um peso sobre mim como uma barra de ferro.

Eu e minha irmã gêmea… tão iguais por fora que nossa mãe às vezes chamava pelo nome errado. Crescemos juntas, grudadas, criadas com tanto amor pela mamãe e a vovó. A gente não tinha muito, mas tinha afeto.

Eu nunca entendi por que aquilo não bastava pra Liliane. Desde pequena, ela falava que não aceitaria ser pobre, que não queria viver com o que dava pra ter. E, quando a adolescência chegou, ela simplesmente… virou para um lado que eu não consegui acompanhar. Começou com pequenas armações, companhias estranhas, dinheiro que aparecia sem explicação.

Os golpes escalaram, várias passagens pela polícia até o roubo das joias… eu sabia que, se ninguém fizesse alguma coisa, minha irmã não ia parar nunca. Ela estava mergulhando num buraco tão fundo que eu já não enxergava mais.

Quando fui até a delegacia e entreguei as joias e a minha irmã, sabia que estava traindo ela. Mas também sabia que a estava salvando de algo pior. Nossa mãe havia falecido há alguns anos e a vovó tinha apenas seis meses.

O que veio depois foi ainda mais doloroso. A última vez que eu a vi foi dentro da penitenciária. Ela me olhou como se eu fosse um monstro. Como se eu tivesse destruído a vida dela.

— Some daqui, Liz! Some! Eu não quero você perto de mim nunca mais! — ela gritou, afastando minha mão quando tentei tocá-la.

Havia tanto ódio no olhar dela… ódio e uma dor que eu mesma ajudei a causar. E no fundo… eu entendia. Mesmo que doesse. Decidi me mudar de cidade, buscar uma nova vida. Desde então, nunca mais nos falamos.

Cinco anos sem ver Liliane, sem saber se ela está bem. Sem saber se está arrependida e deseja um novo começo.

Eu estava tão imersa nos pensamentos que nem percebi o tempo passar. Foi então que o celular tocou na minha mão. Quando vi o nome da agência piscando na tela, meu coração deu um salto tão forte que quase doeu.

Atendi com a mão trêmula.

— A-alô?

— Boa tarde, Lizandra. Aqui é da Agência Nobre. Estamos retornando sobre a vaga de babá residente. — A voz era formal, objetiva. — A família Albuquerque analisou seu perfil e gostaria de conhecê-la pessoalmente amanhã, às dez da manhã.

Meu corpo inteiro congelou.

Família… Albuquerque.

— C-claro! Eu posso, sim. Onde… onde é a entrevista?

A atendente passou o endereço, algumas instruções básicas, informações sobre horário, o porteiro, documentação. Eu anotava tudo com a mão tremendo, o coração disparado como se estivesse correndo uma maratona.

Quando a ligação terminou, eu só fiquei olhando atônita com o coração batendo tão forte que parecia querer pular pra fora.

Quando Samanta chegou em casa no fim da tarde, não teve tempo de piscar. Eu praticamente pulei nela.

— SASA! — agarrei seus ombros, quase derrubando a bolsa dela. — Eles ligaram! A família Albuquerque quer me entrevistar amanhã!

Ela arregalou os olhos, e depois abriu um sorriso tão grande que parecia iluminar o apartamento todo.

— EU SABIA! — gritou, abraçando-me com força. — Eu sabia, Liz! Eu falei que essa vaga era sua! Meu Deus, que coisa maravilhosa!

— Obrigada, Samanta… — murmurei contra o ombro dela, a voz embargada. — Obrigada por tudo. Por me acolher, por acreditar em mim, por não me deixar desmoronar…

— Ei, ei… — ela segurou meu rosto entre as mãos. — Você fez a sua parte. Você lutou. Agora é só pegar o que é seu. Essa vaga já é sua, Liz. Eu tô sentindo.

E ali, com ela me abraçando e sorrindo como se fosse a minha vitória e não a dela, eu deixei meu coração acreditar.

No dia seguinte…

Assim que virei a esquina e confirmei o endereço, fiquei impressionada com a mansão à minha frente. Imponente, com aquela fachada clara, colunas enormes e janelas que pareciam pertencer a outro mundo.

A entrevista estava marcada para às dez da manhã. Eu cheguei alguns minutos antes, porque claro, não queria me atrasar. Mas agora, olhando aquele portão de ferro trabalhado e a guarita com dois seguranças uniformizados, senti um frio na barriga tão forte que quase me deu vontade de voltar.

“Calma, Lizandra. Respira”.

Aproximei-me devagar, segurando firme a alça da minha bolsa. Os seguranças me observavam como se avaliassem cada célula do meu corpo.

— Nome? — perguntou um deles.

— Li… Lizandra Oliveira. Tenho entrevista às dez — respondi, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.

Ele checou uma prancheta, depois olhou para mim de novo, e finalmente fez um gesto para que eu entrasse. O portão se abriu com um barulho suave, quase elegante.

E foi aí que senti. O frio na barriga real. Aquele que sobe como um arrepio e te faz pensar: minha vida pode mudar hoje.

O caminho até a casa era ladeado por um jardim perfeitamente aparado, com flores tão impecáveis que pareciam de revista. O ar tinha cheiro de grama cortada e algo doce… talvez jasmim. Eu me enxerguei ali, pequenininha, completamente deslocada naquele cenário luxuoso.

Assim que cheguei aos degraus da entrada, uma senhora muito bem-arrumada me recebeu. Cabelos brancos presos num coque impecável, postura firme.

— Bom dia, senhorita. Sou Soraia, a governanta da família. Seja bem-vinda — disse ela, com um sorriso cordial e profissional.

— Bom dia — respondi, um pouco ofegante.

Soraia fez um gesto para que a seguisse. Caminhamos por um jardim lateral simplesmente deslumbrante: árvores altas, caminhos de pedra, flores coloridas, tudo tão impecável que parecia cenário de filme. Meus olhos mal conseguiam acompanhar tudo.

Finalmente chegamos a uma sala de paredes amplas, cheia de luz natural, com vista completa para o jardim. Era linda demais. Mas o clima lá dentro… esse era outro. Havia três outras mulheres já sentadas, todas arrumadas, sérias, silenciosas. Nenhuma delas levantou a cabeça quando entrei.

Ótimo, pensei. Clima amistoso, que maravilha…

Soraia apontou uma cadeira vazia.

— Pode aguardar, querida. Em breve virei buscá-la.

Sentei-me, tentando manter a postura profissional, mas as mãos estavam geladas. Olhei discretamente para as outras candidatas, impecáveis, experientes, bem mais seguras do que eu parecia estar.

Quando Soraia chamou meu nome, meu estômago despencou. Levantei-me tentando manter a compostura, mas minhas pernas pareciam feitas de gelatina. A governanta caminhou na minha frente com passos firmes enquanto eu a seguia pelo corredor silencioso. Cada detalhe da mansão parecia gritar riqueza. Os quadros nas paredes, o piso brilhante.

Paramos diante de uma porta grande, de madeira escura. Soraia bateu duas vezes.

— Entre — respondeu uma voz grave, baixa, que atravessou minha pele como um arrepio.

Soraia abriu a porta, fez um gesto para que eu entrasse e, se retirou.

Fiquei parada. Literalmente parada.

O escritório era enorme, mas nada nele chamou tanto minha atenção quanto o homem sentado atrás da mesa. Não era a mãe da criança como eu imaginava.

Era um homem lindo e… impressionante.

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