Celina Alves Minha tia sumiu. Não atende o telefone, não responde mensagem, e o pior: nem chegou a me buscar na rodoviária. Estou há uma semana hospedada na casa da Tamara, que já voltou a trabalhar, e só Deus sabe o quanto essa moça me salvou. Se não fosse por ela, sinceramente, não sei onde eu estaria agora. A vida tem me dado rasteiras seguidas. Desde o dia em que peguei meu namorado na cama com outra – e pior, com a verdadeira namorada dele – tudo virou de cabeça pra baixo. E agora minha tia simplesmente desaparece do mapa. Não consigo entender como tudo deu tão errado tão de repente. A única certeza que tenho é que, sem Tamara, eu estaria perdida nesse Rio de Janeiro imenso. Tamara é um anjo. Nunca conheci alguém tão gentil, tão solidária. Parece coisa de filme encontrar uma pessoa assim no meio do caos. Deus colocou ela no meu caminho, disso eu tenho certeza. Sozinha aqui, sem ninguém, teria dormido na rua, com fome e medo. Ao menos agora tenho onde ficar, e essa varanda da c
Celina Alves — Oi, Tamara, bom dia! Por que você já está aqui uma hora dessas? — Falei que iria trazer minha amiga, Felipe. Eu tinha avisado você, se esqueceu? Ele arqueou uma sobrancelha. Claramente não lembrava. — Ah, é mesmo! A jovem tem que idade, hein? Tamara cruzou os braços, revirando os olhos. — Você está me zoando, né? Falei ontem! Está com a cabeça onde, Felipe? Ele riu, debochado. — Só queria te ver irritada. É claro que me lembro. A vaga de jovem aprendiz no setor de atendimento está aberta. Como ela é nova, dá conta fácil. Pode deixá-la aqui comigo. Vou explicar como funciona. Já trabalhou em algum lugar? — Já sim. Em uma lanchonete, só isso. — Bom, o que você vai fazer aqui é bem tranquilo. Recepcionar clientes, apresentar produtos, manter as prateleiras organizadas. Depois uma das moças vai te mostrar tudo. Está bem? — Sim, senhor! — Pode começar hoje mesmo se quiser. E já que sei que está morando com a Tamara e não conhece muito a cidade, vou pedir para alg
Tamara Borralho Os primeiros dias com um recém-nascido em casa pareciam uma maratona sem linha de chegada. Celina, ainda se recuperando do parto, mal conseguia manter os olhos abertos por mais de uma hora seguida. E eu, mesmo não sendo a mãe, já me sentia parte daquela nova vida. Ajudava com as mamadeiras, embalava o bebê, ficava acordada quando todos dormiam. Aquilo me dava propósito, mas também drenava minha energia. Meu corpo doía, minhas emoções estavam em frangalhos e, como se não bastasse, minha vida amorosa andava no piloto automático. Até que naquela tarde, quando eu finalmente encostei no sofá para descansar um pouco, o celular vibrou. Era ele. Eduardo. Meu namorado. Ou, pelo menos, o cara com quem eu insistia em manter algo que nem eu sabia mais definir. Ele não era o namorado perfeito, nunca foi próximo da Celina, e sempre parecia estar em outro universo. Mas tinha um poder estranho sobre mim. Talvez fosse o jeito como me olhava, como me possuía, como me fazia esquecer
Lorenzo Ferraz Estava no meu quarto desde ontem. A cabeça latejava com a força de um tambor africano. Desde que cheguei da loja, o peso da responsabilidade parecia ter dobrado sobre meus ombros. Acordei cedo hoje, com a obrigação de ir a uma reunião no centro da cidade e depois ainda voltar para a loja. A vontade de largar tudo e voltar para o meu apartamento em Santa Catarina era absurda. Queria silêncio. Queria paz. Queria distância de tudo isso. Era tão bom quando minha única obrigação era ir para a faculdade... Eu era outro homem naquela época. O Lorenzo de hoje está cansado. Cansado de tanta responsabilidade, cansado de ser o nome que todos chamam quando algo dá errado. Heitor até tenta me ajudar, mas no final, sou sempre eu quem resolve tudo. Sou o último a dormir e o primeiro a ser cobrado. E tudo o que eu queria agora era sumir. Ou talvez encontrar uma mulher de verdade, casar e ter um pouco de estabilidade emocional. Mas é impossível quando toda vez que me aproximo de uma m
Lorenzo Ferraz — Olha só, se acalme. Tire essa cara de assassino do rosto e lembre-se: ela é uma mulher, e em mulher não se b**e. — Cala sua boca! — explodi, minha voz cortante feito navalha. O sangue fervia nas minhas veias, e tudo dentro de mim gritava por vingança. Fora de mim, girei nos calcanhares e fui direto até o gerente. — Quero aquela mulher fora daqui. Agora. A despeça! O gerente arregalou os olhos, confuso. — Mas senhor… Ela precisa muito desse emprego. É uma funcionária exemplar, está aqui há quatro anos e nunca faltou um único dia. — Eu não dou a mínima! — gritei, socando a mesa. — Quero que ela vá embora imediatamente. Mande-a sair dessa loja! — Lorenzo… — meu amigo tentou intervir, mais uma vez. — Não faça isso só porque você a odeia. Ela não te fez nada. Você vai embora daqui a pouco, nunca mais vai vê-la! Pra que isso? — Só quero o endereço dela. — respondi, frio. — Só isso. — O quê?! Você está louco?! Por que quer o endereço dela? — Para entender por que
Celina Alves Cheguei em casa com o rosto banhado em lágrimas, o coração apertado e a cabeça cheia de perguntas sem resposta. Tranquei a porta atrás de mim com pressa, como se isso pudesse me proteger da avalanche de sentimentos que ameaçava me engolir. Desabei no sofá, segurando o choro para não acordar meu filho. Por que, meu Deus? Por que o Felipe me mandou embora? Estava tudo indo tão bem na loja. Eu era pontual, dedicada, fazia de tudo para ajudar, até em tarefas que nem eram minhas. E mesmo assim, fui dispensada. Sem explicação, sem um aviso, sem sequer uma chance de entender o motivo. Felipe sempre foi gentil comigo. Aqueles olhos castanhos carregavam uma tristeza estranha hoje… Como se ele estivesse sofrendo tanto quanto eu por ter tomado essa decisão. E isso me confundia ainda mais. — Droga! — murmurei, enxugando as lágrimas com raiva. Ainda bem que tenho um pouco de dinheiro guardado na poupança, mas sei que vai acabar rápido. E o Luan... ele precisa das coisinhas dele
Lorenzo Ferraz Eu não consigo acreditar. A desgraçada teve coragem de fugir com outro e levar um filho meu na barriga. Uma criança que é minha. Meu sangue. Meu herdeiro. E ela me privou disso… por anos. — Maldita! — cuspi as palavras, a raiva latejando nas têmporas. — Você vai pagar por isso, Celina… ah, se vai. Estou com tanto ódio que mal consigo pensar direito. Uma mistura tóxica de dor e raiva pulsa em cada célula do meu corpo. Fui traído, enganado, roubado. Ela mentiu. Inventou uma namorada que nunca existiu. Jogou na minha cara uma história absurda, tentando me provocar, tentando desviar minha atenção. Como se isso fosse me impedir de enxergar a verdade escancarada no rosto daquele menino. Meu filho. Não sei o que doeu mais: descobrir que ela teve um filho escondido ou perceber que passou os últimos anos transando com outro, grávida de mim. Ela acha que vai continuar fugindo? Não vai. Eu vou tomar o que é meu. Vou tirar dela. O filho é meu, e ela vai ficar sem ele. A
Lorenzo Ferraz A dor de cabeça latejava, como se alguém estivesse martelando dentro da minha cabeça. Tentei ignorar, mas era impossível. Assim que saí da cama, decidi que passaria na farmácia antes de ir para o apartamento. Depois de escovar os dentes e tomar um banho gelado para acordar o corpo, vesti uma roupa básica e saí. Do lado de fora do hotel, chamei um táxi e pedi que parasse primeiro na farmácia da esquina. — Só um minutinho, amigo. Vai ser rápido. Entrei, comprei um analgésico forte, e voltei para o carro. O motorista seguiu em frente e, minutos depois, eu já estava na portaria do prédio da Celina. Toquei o interfone com um leve desconforto no peito, mas determinado. A voz do porteiro atendeu com frieza: — Pois não? — É o Lorenzo. Quero subir para ver Celina e meu filho. Silêncio. Um clique. E então ele respondeu: — Me desculpe, senhor, mas a senhora Celina deixou ordens expressas para não permitir sua entrada no prédio. Senti o sangue ferver. — Como é que é? —