— Doze mil! — grita um homem encostado na parede, com um cigarro nos lábios e um olhar nojento enquanto seca Sara com os olhos como se ela fosse um pedaço de carne exposta. Aquilo me deu ânsia.
Carmen: Doze mil para o senhor de terno vermelho! — Carmen anuncia no microfone, com a voz forçada de entusiasmo.
O homem em questão — usando um terno berrante, de gosto duvidoso — sorri como um idiota, nervoso, esperando que ninguém supere seu lance.
— Quinze mil! — ecoa uma nova voz, firme, vinda dos fundos do salão. O burburinho se espalha como fogo em palha seca. Todos olham para trás tentando descobrir quem teve coragem de subir tanto o valor.
Foi aí que eu o vi. Ele não estava ali só. Era um jovem — ou quase — devia ter entre 25 e 27 anos, e a luz do ambiente o destacou quando ele virou levemente o rosto para observar quem havia dado o último lance. Naquele gesto, vi melhor o rosto dele. E, mesmo naquele cenário grotesco, não consegui evitar o pensamento: ele era bonito.
Alto, provavelmente mais de um metro e oitenta. De longe parecia magro, mas o terno traía os músculos bem definidos. Seu porte físico revelava um percentual alto de massa magra — dava pra imaginar o abdômen esculpido sob o tecido caro. Era como se o terno lutasse pra esconder a força que ele carregava no corpo.
O nariz era médio, ligeiramente empinado. A boca? Um pecado: bem desenhada, rosada. Sobrancelhas grossas e marcadas, olhos estreitos que transmitiam suspeita, talvez desprezo. E, por algum motivo, isso só o tornava mais atraente. Um perigo que seduz.
Os cabelos eram castanhos claros, ondulados, jogados pro lado de forma displicente, mas que com certeza era milimetricamente pensada. Ao lado dele, um homem bem mais velho — o quarentão — exalava poder e perigo. Era fácil entender que ele era o líder ali, o alfa do ambiente. O mais temido. O jovem inclinou-se e cochichou algo no ouvido dele. Seria segurança? Filho? Aliado? Difícil dizer. Mas era claro que tinha uma ligação forte entre eles.
Será que ele está interessado na Sara? — me peguei pensando. Torci em silêncio: Tomara que, se for ele, que ao menos seja gentil. Que faça ela se sentir um mínimo que seja... humana.
— Dezessete mil! — outro homem dispara, e Carmen, sempre fingindo empolgação, continua o teatro.
Carmen: E temos dezessete mil, senhores! Vamos lá, o prazer está à venda! Quem dá dezoito mil?
Sara e eu trocamos olhares. Ela estava com os olhos arregalados, tentando manter a pose.
Sara: Caramba... — ela sussurra pra mim, abismada.
Guadalupe: Eles ficam ricos às nossas custas... — murmuro entre dentes. — Vendem nosso corpo como se fosse uma peça de luxo. Tráfico humano de luxo... é isso o que somos agora.
— Vinte mil! — grita o primeiro homem de terno vermelho outra vez. Carmen vibra como se estivesse em um jogo de futebol.
Carmen: Vinte mil! E temos um lance generoso, senhores! Quem supera? Vinte e um mil, alguém?
A tensão cresce. Placas se levantam em sequência.
— Vinte e um!
— Vinte e dois!
— Vinte e três mil! — Carmen arregala os olhos e repete com teatralidade: — Vinte e três mil para o senhor... Javier!
O tal do Javier era horrível. Barrigudo, cabelo oleoso e um sorriso que gelava a espinha. Quando Sara viu que ele estava na frente, fez uma careta de puro desespero. Eu também fiquei em pânico por dentro. Não que qualquer um ali fosse melhor, mas Javier parecia... podre.
Carmen: Vamos, cavalheiros! — Carmen provocava. — Arrematem esse doce pecado colombiano. Jovem, virgem e deliciosa!
— Vinte e quatro mil! — Javier solta, babando. O olhar dele era de um predador doentio.
Sara me olha e balança a cabeça negativamente. Ela não queria. Nenhuma de nós quer. Mas o pavor dela agora era outro nível.
Carmen: Vinte e quatro mil... Dou-lhe uma... dou-lhe duas... — Carmen começa a contagem.
A música de fundo sobe. Uma batida sensual, suja. A atmosfera sufocava.
— Trinta e cinco mil! — A voz explode pelo ambiente como uma bomba.
Grave. Forte. Fria. Todos se calam.
A origem? O quarentão. Sentado no centro da boate, cercado por seus homens — entre eles, o rapaz bonito e marrento. O quarentão estava com a expressão dura, quase entediada. Era um homem de presença. Sexy e ameaçador. Uma mistura rara. Tinha a aura de quem manda em tudo e em todos.
Até Carmen perdeu o rebolado.
Silêncio.
Olhei para Sara. Ela me olhou de volta, com os olhos arregalados, o pânico estampado no rosto.
Sara: Esse homem me dá calafrios... — ela sussurrou com a voz embargada.
Guadalupe: Fica calma. Escuta o que eu vou te dizer. Faça tudo que ele mandar. Não reaja, não hesite. Sobreviver é o mais importante agora, tá bom? Você consegue. Você é forte, Sara. — falei no ouvido dela, engolindo meu próprio medo.
Carmen: Senhor Esteban Martínez. — Carmen retoma, agora com uma voz que parecia diferente. Mais... respeitosa. Era claro que esse homem tinha poder ali dentro. — Dou-lhe uma... Dou-lhe duas...
Meu coração batia acelerado. Eu não sabia se torcia para alguém cobrir a oferta dele ou se temia que isso acontecesse. Esteban não parecia bom, mas Javier parecia o próprio demônio.
Carmen: Dou-lhe três... VENDIDO para o senhor Esteban Martínez! Aplausos, senhores!
O salão voltou a se mexer, mas não como antes. Alguns aplaudiram com desânimo, outros pareciam resignados. Ninguém ousou lançar um valor maior.
Será que desistiram da Sara... por causa dele? Ou será que... estavam esperando por mim?
Carmen fez sinal para um dos cafetões, um que eu não conhecia.
Carmen: Acompanhe o cavalheiro e o seu prêmio até o quarto que ele desejar.
Foi aí que Esteban falou. Outra vez, sua voz atravessou o ambiente como um raio.
Esteban: A moça não é pra mim.
Pânico. A frase ecoou. Silêncio mais uma vez. Carmen franziu o cenho, confusa.
Carmen: Não...? — ela perguntou. O microfone quase escapou da mão dela. Esteban não respondeu. Apenas virou levemente o rosto... e olhou para o rapaz bonito ao seu lado.
O olhar dele foi como uma sentença. Não precisava dizer nada.
Era para ele.
O jovem também ficou surpreso. Os olhos dele se arregalaram por um breve segundo, como se não esperasse aquilo.
E eu... eu só conseguia pensar:
Será que ele vai ser diferente? Ou é só mais um no meio desse inferno?
Mesmo no turbilhão inicial de olhares masculinos que me sondavam, confesso que meu palpite primário recaiu sobre o rapaz de feições jovens, posicionado ao lado do homem na casa dos quarenta.Presumi, com uma ponta de apreensão, que ele seria o licitante a arrebatar Sara. Contudo, os segundos se arrastaram, e a certeza inicial se esvaiu como fumaça. Ele não moveu um músculo sequer para ofertar qualquer valor por ela, permanecendo impassível enquanto outros competiam.A dúvida então se instalou, sutil e persistente: seria ele, na verdade, um dos seguranças do homem mais velho? Um guarda cuja presença emanava um respeito tácito por parte do quarentão, a ponto deste último demonstrar uma clara intenção de agradá-lo? O gesto que se seguiu pareceu confirmar essa teoria, pegando o jovem de surpresa.Carmen, com sua voz melodiosa e calculada, direcionou o olhar para o rapaz, antes de pousá-lo novamente em Sara. Um esboço de sorriso, quase imperceptível, curvou seus lábios. Talvez ela se senti
Carmen soltou uma risada seca, carregada de escárnio. Carmen: Parece então que o senhor Miguel, na verdade, tinha outros planos além de cortejar a amiga de Sara, não é mesmo? – Sua voz insinuava uma piada cruel, um divertimento às custas da minha crescente agonia.– Onze mil! – Javier elevou a voz, gutural. Um calafrio percorreu minha espinha. Eu não podia acreditar que aquele verme ainda estivesse competindo. Em minha ingenuidade desesperada, imaginei que sua obsessão se limitasse a Sara. Mas, pelo visto, eu também havia entrado em seu radar repugnante.Outra voz surgiu na multidão, arrogante e possessiva. – Treze mil! Meu sangue gelou. Senti o chão sumir sob meus pés, a náusea subir à garganta. Aquele homem era ainda pior do que eu temia, um predador ávido por sua presa.Carmen, com um brilho sádico nos olhos, lançou a pergunta ao salão. Carmen: Alguém oferecerá quatorze mil e terá a chance de desfrutar de uma noite… prazerosa… com a senhorita Lupi? Um silêncio tens
Me escoltaram por um corredor de portas fechadas, silencioso como um túmulo. No final, uma escada de mármore frio me esperava, e sem que eu tivesse tempo de entender, já estávamos em outro andar. Tudo ali era diferente. O piso brilhava, as paredes ostentavam molduras douradas e quadros caros. Era um luxo que machucava a vista de quem vinha da lama.– Suíte 229. – Disse o cafetão, seco, sem me lançar um único olhar. Parou diante da porta e esperou que eu entrasse. Fiquei ali, paralisada, pernas bambas, mãos suando frio. Eu sabia o que me esperava, mas meu corpo não obedecia.Foi então que senti o toque gelado e ameaçador do cano da arma pressionando minhas costas. Um empurrão sutil, porém firme. Fechei os olhos, respirei fundo como quem mergulha sem saber nadar. Minha mão encontrou a maçaneta. Girei. Entrei. Fechei a porta atrás de mim, selando meu próprio destino.Dentro do quarto, o impacto me fez esquecer até da presença de Miguel. Aquele quarto era maior que minha antiga casa intei
Miguel veio até mim de repente, rápido, firme, como se quisesse atravessar meus pensamentos. Parou ali, bem na minha frente. Tão perto que eu senti o calor do seu corpo, o perfume amadeirado dele invadindo meu espaço. Seus olhos cravaram nos meus, intensos, escuros, perigosos.Por um instante, achei que era o fim. Esperei o tapa. Esperei a ordem pra sair. Já tava até imaginando os cafetões me arrastando pelos cabelos, me batendo por ter estragado tudo. Mas aí, a voz dele me puxou de volta.Miguel: O gato comeu a sua língua, Lupi?Ele olhava fixo pra minha boca, e foi só então que percebi que estava prendendo a respiração. Soltei o ar devagar, tentando raciocinar. Era agora ou nunca.Guadalupe: É… Eu…Por que era tão difícil mentir mais uma vez? De qualquer jeito, eu teria que me entregar a ele. Então por que não dizer o que ele queria ouvir?Miguel: Não acredito.Ele nem esperou eu terminar. Se virou com um movimento seco, o maxilar travado, e me deu as costas. A tensão no ar parecia
Guadalupe.De repente, o silêncio toma conta do ambiente. Meus olhos se erguem devagar... e lá está ele. Me observando. Mas não era qualquer olhar — havia algo diferente, como se ele estivesse me decifrando. Me invadindo.Guadalupe: Não me olhe assim... — murmurei, quase sem voz, porque era como se eu estivesse presa naquele olhar. Então, ele se afastou rápido, desviando o olhar.Miguel: Disse algo?Droga. Por que me preocupo tanto com o que ele pensa? Por que me sinto como se tivesse feito algo errado?Miguel: Você... não disse nada de errado. — Ele me encara de novo, com intensidade. — Você é uma mulher perigosa.Franzi o cenho, sem entender.Guadalupe: Perigosa? Em que sentido você diz isso?Miguel: No pior dos casos. — Seu tom era sério, provocador, e isso me fez duvidar do que estava ouvindo.Guadalupe: Está me ofendendo? — perguntei, com a irritação subindo.Miguel: E se eu estiver?E então ele se aproximou. Um único passo e estávamos cara a cara outra vez. O calor entre nós era
Miguel foi além do que eu esperava. Sabe aquele tipo de homem que você imagina arrogante, frio, cheio de si? Pois é… ele não foi nada disso. Foi gentil. Atencioso até demais.Mas eu não sou mais uma menina boba. A vida me ensinou a desconfiar até da sombra. Acabei de conhecê-lo, e por mais que ele diga que não tem ligação nenhuma com a organização, como acreditar cegamente? Se ele é tão importante quanto parece... como não sabe o que acontece aqui? Com as mulheres? Com a gente?Algo não fecha. Ninguém chega onde ele está sem se sujar.Ele disse que vai voltar todas as noites. Mesmo que não role nada. Como se ele só quisesse estar ali. Por mim. Por nós. E é aí que mora o perigo... Ninguém é tão bom por nada. Nunca é por nada. A vida me deu tapas demais pra eu esquecer disso.Estamos sendo colocadas de novo na van. O cheiro? Melhor do que quando chegamos, mas ainda assim... não esconde tudo que ficou grudado na pele delas. Sexo. Violência. Resistência.Sara senta ao meu lado outra vez.
Mais uma vez, estamos a caminho da boate.Eu não sei... mas tem um frio estranho no meu estômago. É como se fosse nervosismo, mas não só isso. É algo mais profundo, mais íntimo. Uma ansiedade que aperta o peito, como se eu estivesse prestes a rever alguém que meu corpo quer, mas que minha alma teme.Será que ele vai hoje? Será que ele ainda está me esperando?E se ele tiver mudado de ideia? E se, dessa vez, ele decidir que não vale a pena esperar?Será que eu consigo resistir mais uma noite, fingindo que isso aqui não está me matando por dentro?Sara: Você também tá ansiosa de novo, né? Mas dessa vez é uma ansiedade diferente...Guadalupe: É medo. Medo de ele ter desistido. Porque, se ele desistiu, então... eu vou ter que deitar com outros.Sara: Igual o que vai acontecer comigo hoje à noite – ela diz num tom conformado, mas era visível que de conformada, ela não tinha nada.Guadalupe: Ah, me desculpa – murmuro, meio sem jeito, arrependida.Sara: Não precisa se desculpar, Lupi. Não é
GuadalupeGinevra: Volta aqui agora, sua garota mal-educada! — a voz estridente da minha mãe ecoou pelo corredor enquanto eu arremessava a porta do meu quarto com um estrondo raivoso, trancando-a em seguida.— Eu odeio essa merda de vida! — rosnei para o vazio, antes de me jogar na cama e afogar as lágrimas no travesseiro. Do outro lado da porta, a torrente de insultos maternos não cessava, cada palavra uma farpa afiada cravando em minha alma: insignificante, imprestável, um peso morto que só lhe trazia desgraça.Tapei os ouvidos com força, tentando abafar aquela avalanche de crueldade. Eu sei, não sou flor que se cheire. Mas também não nasci em um lar de comercial de margarina, onde se poderia dizer com falsa indignação: "Ah, não consigo entender por que essa menina é assim, sempre lhe demos uma boa educação."Não, meus caros. Longe disso.Minha família é um pandemônio, um reflexo sombrio do caos que se instalou em minha existência. Moro em Catânia, essa cidade siciliana sufocante,