Amor e aventura no deslumbrante cenário da Andaluzia medieval. Aaron é um guerreiro do exército cristão, que luta para reconquistar as cidades dominadas pelos árabes. Durante uma batalha, ele é ferido e feito prisioneiro por um cavaleiro inimigo. Layla é uma nobre árabe. No entanto, seu sonho é tornar-se uma enfermeira. Quando o irmão retorna da guerra com o prisioneiro à beira da morte, ela decide provar que é capaz de cuidar dele. A proximidade desperta um sentimento inesperado e intenso. Os dois deveriam odiar-se, mas a paixão entre eles aumenta a cada dia. Em meio à guerra, será que o destino que os uniu irá separá-los?
Ler maisANO 1225, Cazorla, Andaluzia.
O sol ardia sobre os picos rochosos das montanhas, nas árvores das florestas e nas plantações de oliveiras que rodeavam Cazorla, uma vila em meio ao al- Andaluz, o sul da península ibérica.
Cercada por muralhas, as casas brancas e ruas de pedras estendiam-se ao lado de uma vertente escarpada. Acima delas, as torres e muros altos de um castelo destacavam-se na paisagem montanhosa.Com tantas defesas, este local isolado era deixado em paz, esquecido entre os ninhos das águias, enquanto exércitos cruzavam o vale abaixo. Cristãos e muçulmanos confrontavam-se em uma guerra que já durava uma centena de anos, alternando períodos de paz com os de confronto e conquistas.
Era uma manhã quente de verão.
Dois homens saiam dos portões do castelo rumo à praça da igreja, local de encontro dos moradores.
Um deles era um jovem de dezesseis anos, alto e de corpo forte apesar da pouca idade. Usava túnica e calças de couro como um caçador, mas trazia um anel de ouro nos dedos com o brasão da família; os cabelos compridos e castanho-claros chegavam aos ombros e orgulhosos olhos azuis destacavam-se no rosto de traços angulosos.
Como de costume, ele escutava os conselhos matinais do pai, Dom Diego, que caminhava ao seu lado, vestindo a túnica de seda bordada com brasões de um nobre.
– Aaron, um dia você herdará tudo isso – Dom Diego repetia mais uma vez. –Conheça cada um dos homens pelos quais será responsável, do mais simples ao mais poderoso, e os trate igualmente.
– Sim, senhor! – Aaron concordou com um sorriso brincalhão. – Prometo tratar a todos com justiça. Principalmente se tiverem filhas bonitas...
O pai parou em meio à rua e pousou a mão no ombro dele.
– Você deve ser um exemplo aos moradores e vassalos. Um dia não estarei mais aqui e todos precisam respeitá-lo! – advertiu-o com um olhar sério. – Deve tomar cuidado com as jovens que corteja...Aaron franziu as sobrancelhas e praguejou em silêncio. Algum borrachuelo cornudo[1] denunciara ao pai sua recente conquista: Estela, a filha de uma criada do castelo. Que llebase el diablo quien lo habia hablado, resmungou, amaldiçoando mentalmente o delator ao pedir que o diabo o carregasse.
No entanto, em voz alta, disse apenas:
– Serei respeitado! – procurou tranquilizá-lo. Tempos atrás teria respondido de maneira ríspida ao ser interpelado por seus casos amorosos passageiros. No entanto, os cabelos escuros do pai haviam se tornado grisalhos nas têmporas e rugas profundas que antes não existiam agora marcavam os olhos e o redor da boca. A transformação ocorrera nos últimos meses. Embora o pai não tocasse no assunto, todos desconfiavam de que não estava bem de saúde e por isso preocupava-se com sua descendência e os negócios de suas terras.
Erguendo um dedo para o alto para pontuar seu sermão, Dom Diego insistiu:
– O corpo é como um cavalo... Um bom cavaleiro deve saber domá-lo! Mestre Juan, nosso médico, disse que os jovens têm suas necessidades amorosas, mas a contenção, rebateu o padre Lorenzo, é uma virtude divina.
Ao escutá-lo, Aaron ergueu uma sobrancelha e sorriu de canto.
– E o senhor deu razão ao médico ou ao padre? – indagou curioso.
O pai deu de ombros.
– O vinho que bebemos enquanto conversávamos nos impediu de chegar a qualquer conclusão – admitiu por fim. – Teremos mais um debate esta noite, mas enquanto isso... – parou a frase ao meio e piscou um olho.
Os lábios de Aaron torceram-se em um meio sorriso. Apesar de todo aquele discurso, como de costume ele o protegia e fazia vista grossa aos seus pequenos pecados. Ambos se entendiam sem necessitar de muitas palavras. Aquela piscada queria dizer: “Enquanto isso... seja discreto.” Em resposta, assentiu e piscou um olho de volta: “vou ser discreto, finja que nada vê.”
Deixando escapar um suspiro resignado, Dom Diego apontou com o queixo para o lado. Mostrava uma jovem ruiva que subia a rua carregando um jarro de água sobre o ombro; a responsável pela breve discussão.
– Até mais! –Já esquecido da conversa, Aaron despediu-se com um aceno e correu para a garota.
❋❋❋
A manhã chegara ao fim, e o sol do meio do dia abrasava as ruas.
Aaron entrou na taberna, dando graças pelo ar fresco dentro dela e pela visão de uma grande jarra de cerveja sobre a mesa diante da qual seu pai sentava-se. Ele conversava com um homem gordo e de nariz rombudo; Ruan, o chefe da guilda dos comerciantes da região.
– Senõr Aaron! – O comerciante ergueu-se ao vê-lo aproximar-se.
Ele cumprimentou-o e deixou-se cair em uma cadeira ao lado do pai.
– Dia quente hoje! – reclamou, passando a manga da túnica na testa suada.
– Encontros furtivos com garotas deixam o dia ainda mais quente... – Dom Diego replicou em tom baixo.
E a seguir, voltou-se para o taberneiro: – Cerveja fresca para meu filho!O homem correu para atendê-lo. Rapidamente, uma grande caneca foi posta a frente de Aaron, que a esvaziou em goles ainda mais rápidos.
– Mais uma! – gritou, batendo a caneca na mesa com força. Depois virou-se para o mercador: – Quais novidades nos traz?
O homem sentara-se novamente e respondeu em um tom sério:
– O rei Fernando de Leão e Castela formou um exército e ataca as cidades árabes, reconquistando territórios para os cristãos.
– São boas notícias! – ele animou-se.
O mercador meneou a cabeça em negativa.
– Grupos de mercenários estão revidando e contra-atacando as vilas.
– Guerra! – Aaron se pôs de pé, entusiasmado. – Quando poderei juntar-me ao exército castelhano, pai? – perguntou com um olhar de ansiedade.
Dom Diego cerrou o cenho e fez sinal para que o filho se sentasse.
– Não gosto de guerra... – disse. – A convivência entre muçulmanos, judeus e cristãos foi relativamente pacífica por muito tempo. Cada um deve respeitar a crença religiosa do outro, pois na verdade rezamos para o mesmo Deus.
– Tenho amigos entre os árabes – acrescentou o mercador. – E guerras costumam prejudicar o comércio.
Aaron mal podia acreditar no que ouvia; franzindo a testa, protestou:
– Nas batalhas podemos provar nosso valor! E não aqui, cuidando de oliveiras e ovelhas... Quando poderei ir? – indagou novamente ao pai, pressionando-o.
– Você se tornará um guerreiro em alguns anos... – respondeu ele. – No entanto, antes deverá se casar e gerar descendentes.
O rosto de Aaron fechou-se. Aquele assunto o desagradava.
– Minha futura esposa está à léguas de distância e ainda não nos conhecemos.
– Mas ela logo estará aqui! Com estes rumores de guerra decidi apressar esta união. Talvez precisemos de aliados no futuro.
Aaron mordeu os lábios, irritado.
– Acabei de pedir Estela em casamento...
Os olhos do pai arregalaram-se, assim como os do mercador e os do taberneiro que acompanhavam a conversa. Dom Diego levantou-se com um pulo e bateu a mão na mesa. O barulho ecoou pelas paredes e todos os que se encontravam no local voltaram-se para ele, sobressaltados.
– Você fez o quê, cabron desbergonçado[2]? – ele vociferou, cerrando o cenho, furioso.
Aaron deu de ombros e enfrentou seu olhar.
– Você me ouviu!
Ao redor todos escutavam atentos, e Dom Diego quase arrependeu-se daquela discussão pública. No entanto, a vila era pequena o suficiente para que segredos não existissem; muitos já deviam saber sobre o apimentado romance do filho.
– Pois sua noiva logo chegará e não gostará de encontrar-se com Aaronzinhos circulando pelas ruas! – retrucou em tom firme.
Aaron baixou a cabeça, humilhado, segurando uma resposta atravessada. Felizmente, o pai pareceu compadecer-se dele; sentou-se de novo e bateu amigavelmente em seu braço.
– Beba, filho! Sua cerveja irá esquentar... Depois conversaremos – disse em tom mais cordial.
O mercador aproveitou o fim da discussão entre pai e filho para terminar seus negócios.
– Trarei o carregamento das espadas e armaduras de Toledo na próxima semana – apressou-se a confirmar a venda.
Ao ouvir isso, Aaron voltou a sorrir. Armas de Toledo! Mal podia acreditar em sua sorte. Que cristãos e muçulmanos continuassem a lutar por suas religiões, desde que ele pudesse participar da diversão.
– As espadas de Toledo são as melhores! – exclamou com entusiasmo.
– Meu filho tem um temperamento forte e impulsivo – Dom Diego interveio. – E entre o casamento e a guerra certamente prefere a última. Não é verdade, Aaron?
– Nada melhor do que uma batalha – ele concordou, ansioso para partir. – Heróis se fazem nas guerras!
❋❋❋
No fim da tarde pai e filho seguiam de volta ao castelo. O sol ainda brilhava forte, mas a brisa que soprava continuamente através da região montanhosa amenizava o calor. Pássaros voavam acima deles em rasantes alegres, inconscientes dos rumores de guerra e dos problemas logo abaixo.
– Você precisa gastar sua energia com os treinos de armas e não cortejando as mulheres da vila – Dom Diego voltou ao assunto.
A ideia da guerra e de novas armas de Toledo deixara Aaron de bom humor.
– Mamãe diz que o senhor era terrível quando tinha a minha idade. Como seu herdeiro, devo imitá-lo! – retrucou, soltando uma gargalhada.
Dom Diego finalmente sorriu.
–Não dê ouvido ao que ela diz... – brincou.
– Deveria deixar-me escolher minha noiva! – Aaron continuava a protestar.
Dom Diego parou diante do portão do castelo e voltou-se para ele.
– Sei que o contrato de noivado não o agrada, mas os tempos são outros agora – alertou-o. – Você ouviu sobre a guerra. Sua noiva trará um bom dote em dinheiro e com isso conseguiremos mais cavaleiros e soldados para fortificarmos a cidade.
Aaron também parou, fitando o pai com um olhar contrariado.
– Já estamos protegidos – ressaltou, apontando as muralhas do castelo que se erguiam diante deles e cercavam a vila.
Ignorando os protestos, Dom Diego voltou a caminhar. Deixando escapar um suspiro aborrecido, Aaron o seguiu.
Ambos cumprimentaram os guardas no portão e subiram pela rampa íngreme em direção ao pátio interno da fortaleza.
– E eu sou muito jovem... – Aaron insistia.
–Acalme-se! Você gostará dela... Ela será uma boa esposa.
– Mas e Estela? – ele indagou, aflito. – Não sei... Talvez a ame!
– Talvez? – Dom Diego ergueu as sobrancelhas e o fitou de canto.
– Talvez... Como posso saber o que é o amor?
O pai sorriu.
– Quando amar de verdade, saberá! – respondeu, notando a expressão confusa que marcava o rosto do filho. – Não se apresse!
Aaron baixou as pálpebras com um ar envergonhado. Passado o desejo, começava a se arrepender do pedido apressado.
– Mas e o pedido de casamento que acabei de fazer à Estela? Nós estávamos... você sabe... – hesitou, corando um pouco – entre abraços quentes, então eu me entusiasmei e...
– Inventaremos uma caçada – Dom Diego por fim decidiu. – Ela durará alguns dias e quando retornarmos sua garota estará esquecida da promessa.
– Obrigado, pai... – Aaron ergueu os olhos e respirou aliviado. Depois, virou-se e correu para dentro da ala principal do castelo, chamando pela mãe e pela irmã mais velha.
Dom Diego acompanhou-o com olhos preocupados; a seguir, virou-se e devagar subiu as escadas que levavam ao alto da muralha. Quando chegou ao término dos degraus íngremes já ofegava pela falta de ar e precisou sentar-se na amurada para recuperar o fôlego.
Dali podia avistar a cadeia de montanhas e o vale abaixo, coloridos em tons avermelhados pelos raios do sol baixando no horizonte. A beleza da paisagem o acalmava, enquanto refletia. Sabia que agira mal, resguardando o filho após aquele erro precipitado ao invés de deixá-lo resolver o caso com Estela por si próprio.
No entanto, ele lembrava-se de sua própria juventude e da expectativa alegre e impaciente pela aventura e pelo amor. Havia sido apaixonado pela vida e tivera um temperamento tão tempestuoso quanto o de Aaron; por isso não o criara com a firmeza necessária para corrigir sua alma turbulenta.
E agora era tarde para resolver tais erros…, concluiu, sabendo que não tinha muito tempo pela frente.
❋❋❋
Alguns dias depois, Aaron e o capitão da guarda treinavam no pátio. O calor do fim de tarde estava insuportável e o ar pesado como se uma tempestade se aproximasse, embora o céu estivesse claro e sem nuvens.
Erguendo a espada, Aaron desviou-se de mais um golpe desferido pelo capitão e investiu para cima dele com um ataque brutal. O outro aparou a lâmina e rodou o corpo.– Tranquilize-se! –
o capitão avisou-o, defendendo-se de outro golpe e revidando com uma finta. – Não gaste toda sua energia em um só golpe!Em resposta, Aaron recuou um passo, baixando a espada e a devolvendo à bainha presa ao cinto.
– Chega, Miguel! – exclamou. – Preciso de um banho gelado e uma cama macia.
O capitão também embainhou sua espada.
– Não terá nenhum dos dois em meio à batalha – retrucou.Subitamente, ambos ouviram um grito de alerta.
– Homens armados ao sul! – No alto de uma das torres, um soldado apontava para o horizonte.
Logo depois, Aaron e o capitão chegavam até ele. Os três estreitaram os olhos, procurando identificar quantos homens eram e se estavam apenas cruzando as terras ou dirigiam-se para lá. Uma nuvem de poeira cercava os invasores, levantada pelo galope dos cavalos.
No momento seguinte, alertado pelos soldados Dom Diego juntava-se a eles.
– Estão vindo em nossa direção? – perguntou ao capitão.
– Infelizmente sim... – Miguel respondeu com uma ruga de preocupação entre os olhos.
– E estão bem armados – acrescentou o soldado que dera o sinal.
– Quantos são?
– Perto de trinta – desta vez foi Aaron quem respondeu.
Dom Diego observou o bando que se tornava cada vez mais nítido.
Os homens usavam turbantes e montavam cavalos ágeis que cavalgavam com as caudas erguidas, contudo não traziam brasão ou bandeira para identificá-los. Mercenários mouros[3]. Soldados que vendiam seus serviços a quem pagasse mais, cristãos ou muçulmanos; a religião não importava, apenas o dinheiro.
– Fechem os portões da vila e leve seus homens para as muralhas externas – ordenou ele ao capitão. – Avise aos moradores para refugiarem-se dentro do castelo.
Miguel assentiu, e em seguida afastou-se acompanhado pelo soldado. Aaron ameaçou ir atrás deles, mas foi impedido pelo pai, que pousou a mão em seu ombro.
– Espere! – Dom Diego tinha a testa franzida e os olhos azuis como os de Aaron, sombreados. – Dias atrás você estava ansioso para ir à guerra, mas parece que ela veio até nós.
– Deixe-me ir... Eu quero lutar, pai! – ele esbravejou, pronto para partir. – O capitão diz que posso enfrentar uma batalha!
Ao invés de responder ao pedido, Dom Diego fez um sinal com a mão apontando os mercenários. Os atacantes acendiam tochas e as erguiam sobre as cabeças.
Um deles abaixara a tocha contra uma árvore seca; o fogo ardeu nos galhos e avançou para relva ao lado. Outros o imitavam, e logo o fogo espalhava-se através das plantações. Os camponeses tentavam fugir, mas os mercenários empunhavam arcos e disparavam flechas, abatendo-os.
– O que estão fazendo? – Aaron cerrou o cenho, nervoso.
Dom Diego tinha as mãos tensas, agarradas à amurada de pedra onde se debruçava.
– Atraindo-nos para fora... – respondeu. – A única chance deles nos vencerem é se deixarmos a segurança das muralhas. Jamais conseguirão tomar esta fortaleza se as defendermos daqui de dentro.
Aaron impacientava-se, sentindo-se impotente por assistir o massacre dos camponeses sem agir.
– Vamos ficar aqui sem lutar? – Os olhos dele fulminaram os do pai, ardendo de indignação.
– Por enquanto sim. Até que eu ordene o contrário! Junte-se à sua mãe e irmã. Elas se sentirão mais seguras com você ao lado delas.
– Me ordena guardar as mulheres enquanto sofremos um ataque? – Aaron rugiu, inconformado, voltando os olhos para os campos abaixo.
O fogo já devorava as plantações que cercavam a vila. Camponeses corriam desesperados entre os cavalos dos atacantes e continuavam a ser mortos por golpes de espada ou flechadas. De onde estavam não conseguiam ouvir os gritos, mas podiam imaginá-los.
– Deixe-me ir, pai! – ele implorou. – Liderarei os soldados e tenho certeza de que os venceremos!
– Aqueles são mercenários. – Mais uma vez, o pai meneou a cabeça, negando. – Soldados experientes, já participaram de incontáveis batalhas. Nossos homens estão treinados, mas há muito tempo não participam de uma luta de verdade. Quer que todos sejam mortos e sua família dizimada?
Aaron sentia o sangue ferver. Por fim, perdeu o controle.
– Covarde! – gritou, acusando-o. – De que adianta comprar armas se não nos deixa usá-las? Você jurou proteger seus servos e nada faz enquanto são mortos sob seus olhos!Dom Diego torceu o rosto como se tivesse sido esbofeteado. Os olhos dele detiveram-se nos olhos indignados do filho, e depois se voltaram aos mercenários e camponeses ao longe.
– Está bem! – enfim ele decidiu-se, esforçando-se para controlar a voz e não rebater à ofensa. – Você está certo! Devo lutar! Mas você ficará aqui dentro e cuidará da proteção do castelo.
A seguir, virando-se rapidamente, dirigiu-se às escadas da torre.
Já arrependido das palavras cruéis, Aaron correu atrás dele e interrompeu seus passos.
– Perdoe-me... – disse, segurando-o pelo braço. – Deixe-me lutar ao seu lado! Você está doente.
Dom Diego o encarou com olhos duros.
– Sim... Estou doente! E por isso mesmo não vou arriscar meu herdeiro contra um bando de mercenários.
– Por favor... – Aaron suplicou novamente, apertando o braço dele com mais força.
–
Obedeça-me, filho! Alguém precisa cuidar das defesas – Dom Diego ordenou, soltando o braço com um solavanco. A seguir, dando-lhe um último olhar de advertência, virou-se e correu para as escadas.❋❋❋
Protegidos dentro das muralhas que cercavam a vila e o castelo, Aaron e os soldados deixados sob suas ordens assistiram os mercenários investirem sobre os cavaleiros que saíram pelos portões para o contra-ataque. Após uma dura batalha, finalmente os defensores de Cazorla conseguiram expulsá-los.
Entretanto, Dom Diego retornara ferido por um golpe de espada forte o suficiente para perfurar a cota de malha entre uma fresta da armadura. Dias depois, cercado pela família, dava seu último suspiro.
Na beira do leito, Aaron assistiu a morte dele, tentando segurar as lágrimas, enquanto a angústia e a culpa o devastavam.– Ele estava certo... – sussurrou entre soluços contidos para a mãe, quando o enterraram. –
Jamais deveriam ter partido para o ataque! Bastava aguardar na proteção das muralhas e todos estaríamos bem agora. Mas eu insisti e...Ela pousou a mão nos cabelos dele, interrompendo-o. Perdera a conta de quantas vezes seu filho repetira aquela frase.
– Deus é o verdadeiro senhor de nossos destinos... – consolou-o. –
Seu pai contou-me que discutiram. Disse-me que você tinha razão, que a obrigação dele era proteger os camponeses. E ele morreu honradamente, em vez de definhar por meses no leito... – A voz dela era suave, repetindo a resposta dada nas outras vezes sem que Aaron, atormentado pela culpa, a ouvisse.Após alguns meses, a antes pacífica e próspera vila transformara-se em um local de desespero e morte. As colheitas tinham se queimado e muitos camponeses haviam sido mortos.
Moradores da vila e do castelo, e até mesmo Aaron, juntaram-se aos que sobraram, puxando os bois que traziam os arados e jogando novas sementes nas valas dos campos. Entretanto estavam no fim do verão e não houvera tempo para as plantações crescerem. O inverno viera e, com ele, a fome. E com a fome, doenças, que por fim terminaram por causar a morte da mãe e da irmã de Aaron, assim como a de muitos outros.
Com agora dezessete anos, o jovem herdeiro tornara-se o senhor do castelo e dava as ordens antes dadas pelos pais.
Seu futuro casamento foi suspenso. A ideia de juntar-se à Estela foi esquecida, assim como a própria garota. No coração dele não havia mais espaço para o amor, somente para o ódio e para o vazio que ameaçava dominá-lo, enquanto a culpa continuava a atormentá-lo. Quando se deitava no leito durante a noite, sempre sozinho, murmurava palavras de raiva e vingança ao invés de uma prece. E então, finalmente resolveu: lutaria contra os árabes como forma de pagar o que fizera, jurando que viveria apenas para vingar-se e morreria em meio à guerra.
E ao alvorecer de uma manhã de outono, deixando Miguel, o capitão, responsável por cuidar de suas terras, despediu-se e partiu, sabendo que jamais iria revê-las.
[1] bêbado cornudo em castelhano.
[2] rapaz desavergonhado.
[3] Os árabes, berberes, e seus descendentes eram chamados de mouros na Andaluzia medieval. Embora também possamos encontrar a denominação “árabe” generalizada para uma vasta população islâmica de diferentes origens. Utilizarei mouros ou árabes indiscriminadamente conforme minha inspiração.
O sul da atual Espanha é conhecido como a região da Andaluzia, o Al- Andalus, como era chamada na época medieval, quando dominada pelos árabes e seus descendentes.Ao caminhar pelas cidades andaluzes é impossível não se impressionar com o legado deixado pelos povos islâmicos. A Grande Mesquita de Córdoba, o palácio de Alhambra em Granada, os inúmeros alcazares (palácios e fortalezas reais), a arquitetura das construções e dos palacetes medievais demonstram a riqueza e a vasta tradição cultural dos governantes árabes. A retomada da Andaluzia pelos reinos cristãos, chamada de Reconquista pelos historiadores, durou centenas de anos e alternou períodos de paz e de batalhas.
Aaron beijou mais uma vez os lábios de Layla, que ressonava, abraçada a ele após mais uma noite de amor. Devagar, ele desvencilhou-se dos braços dela e ergueu-se da cama.Caminhou pelo suntuoso quarto do palacete e foi até a ampla janela. Resmungou, passando a mão pela madeira entalhada com arranjos de flores; jamais se acostumaria com tanto luxo… Aparentemente, a fortuna do maldito lechuguino era incalculável e a nova casa em Granada era ainda maior e mais luxuosa do que a antiga.Abriu uma fresta da janela e contemplou a paisagem. Sobre a colina do outro lado de um vale estreito, o palácio de Alhambra dominava a vista com suas inúmeras construções, fortalezas, palácios e jardins. Por um momento, Aaron se deixou ficar ali, refletindo e
Em seu aposento do palacete, Yasi deitava-se na cama; seu rosto estava pálido e tinha o tronco enfaixado por compressas e faixas. Ao lado dele estava Ibn Hud e Rebeca, que lavavam as mãos em uma bacia e preparavam-se para sair após terem realizado os curativos nos fundos vergões em suas costas causados pelo açoite.Layla sentava-se na cama e segurava a mão dele.– Está doendo muito? – indagou, preocupada, passando a mão em seus cabelos e retirando as mechas que lhe cobriam o rosto.Ele meneou a cabeça, segurando um gemido e mentiu:– Não... – Depois, sentando-se, começou a se erguer.Rebeca pulou para o lado dele e segurou seu braço.– Para onde você vai? – Franziu a testa, aflita.
Os portões da cidade ficavam fechados durante a noite em tempos de guerra. No entanto, com a ajuda de Youssef e algumas moedas, Aaron conseguira sair. Cavalgara durante parte da noite e chegara ao acampamento do exército castelhano antes da madrugada.Mais uma vez, encontrara-se diante do nobre deixado no comando, que fora acordado por ele às pressas. Outros cavaleiros e nobres com ares ainda sonolentos por terem sido convocados logo ao nascer do sol os haviam cercado. Gonzalo era um deles.– Córdoba está desguarnecida e fraca! – Aaron afirmara. – O exército dela não será páreo para o nosso. Desejava desesperadamente convencê-los, imaginando que uma batalha afastaria o vizir de seus planos.No entanto, Dom Rodrigo, o comandante, apenas o fitara como se estivesse louco.– Como
Trancafiado na cela escura, Yasi não conseguia calcular a passagem do tempo, mas imaginava que a noite já passara. Haviam tirado sua túnica e o deixado apenas com a calça e a blusa de seda fina usadas como roupas de baixo; ele tremia de frio, abraçando as pernas e esfregando as mãos trêmulas para se manter aquecido. O frio o mantivera acordado, mas no pouco que dormira tivera inúmeros pesadelos.Subitamente, a porta se abriu e ele viu que um destes pesadelos acabava de tornar-se real. O vizir apareceu, seguido por um de seus assistentes e dois carcereiros com barbas emaranhadas e expressões cruéis nas faces, trazendo archotes nas mãos.Apoiando as mãos na parede, ele ergueu-se devagar e tentou manter um olhar altivo.O vizir aproximou-se e estendeu-lhe um pergaminho. O homem ao lado dele tinha uma pena e um ti
Muros altos protegiam o alcazar, assim como um enorme portão de ferro. Yasi os cruzou, cabisbaixo, tentando imaginar o motivo pelo qual havia sido levado até ali como se fosse um prisioneiro.Em silêncio, os soldados o conduziram através dos corredores estreitos e por fim entraram por uma porta que dava passagem para uma sala pequena e simples, com um banco comprido de madeira encostado à janela gradeada, uma mesa e cadeira em um canto, e paredes de pedra nua, sem ornamentos para enfeitá-la. Ainda não era uma cela, mas um local para entrevistas isolado.Os soldados o deixaram sozinho, trancando a porta ao saírem. Com um suspiro preocupado, ele sentou-se no banco e aguardou.Um tempo depois, a porta voltou a se abrir e o vizir entrou.Yasi se pôs de pé.O vizir o examinou em s
Último capítulo