Estados Unidos, aí vou eu.

As semanas se passaram e, em meio a várias sessões de fotos e trabalhos avulsos, consegui tirar minhas tão sonhadas férias de verão.

Arrumava minhas malas com a ajuda de Sophia; eu iria passar as férias com a vovó em seu rancho no sul dos Estados Unidos.

Confesso que a ansiedade me matava. Sentia medo de perder a minha querida avó para o câncer e ansiedade em vê-la novamente depois de 5 anos.

Será que ela havia mudado muito? Como estariam as pessoas na cidade? E meus amigos de infância, eles me reconheceriam?

Certo, muita coisa da qual estava pensando se tratava apenas de paranoia. Foram apenas cinco anos, não é muito tempo para que as coisas mudem, ainda mais em uma cidade no interior.

Ao avisar à vovó que eu passaria minhas férias com ela, consegui sentir sua animação através da ligação. Ela finalmente estava mais receptiva a visitas; acho que o tempo realmente é o melhor remédio.

Arrumando as malas, ainda rondavam em minha cabeça muitos medos e incertezas. Eu realmente precisava desse tempo para me curar, me libertar de toda essa toxidade que me ronda ultimamente.

Com as pernas cruzadas na cama, Sophia me observa fechar a mala.

A loira batia sua mão na mala, emitindo um som irritante. Desde pequena, ela tinha a péssima mania de emitir sons irritantes quando estava nervosa, e isso sempre foi uma das coisas que mais odiava nela.

A encaro de forma séria, e em segundos a loira para e sorri envergonhada.

— Desculpa… foi mais forte do que eu. – Sophia fala com as mãos levantadas em sua defesa.

Sabia que seu déficit de atenção e hiperatividade fazia ela ter alguns hábitos irritantes, especialmente quando seu cérebro estava entediado.

Sorri compreensiva, sentiria falta de seu jeitinho único.

— Não esqueça de dar um abraço bem apertado na vovó. Morro de saudades. – Sophia fala com um sorriso tímido no seu rosto.

— Quando você estiver preparada, vem visitar a gente. – Sento ao seu lado e seguro sua mão. – A vovó sente sua falta tanto quanto sente a minha, e eu adoraria passar mais um dia no lago com minha irmãzinha chata de galocha!

Faço cócegas em sua barriga, e a pequena cai na cama rindo enquanto se contorce. A abraço com força e escuto sua risada abafada pelo meu corpo.

Saio de cima de seu pequeno corpo, e vejo seu rosto vermelho devido às risadas e seu cabelo bagunçado.

— Eu irei em breve. Você não vai se livrar de mim tão fácil! – Com um enorme sorriso no rosto, Sophia se senta na cama.

Beijo sua bochecha e escuto o som de uma buzina insistente.

— Vamos, me ajude a colocar as malas no carro antes que Priscila acorde toda a vizinhança. – Falo entre risos e a empurro delicadamente com meu ombro.

Sophia ri pegando a mala. Saímos da casa, e Priscila acena para nós. A francesa estava em seu Porsche usando apenas um pijama com estampa de gatinhos.

— Vamos logo, mon amour. Eu estou com tanto sono que posso bater esse carro! – Priscila grita animada enquanto acenava para nós.

— Fala mais baixo, maluca, vai acordar o condomínio inteiro! – Falo entrando no carro, e ela revira os olhos.

— Que fique claro que estou apenas te ajudando pelas duas horas da manhã para você não morrer nas mãos de um taxista maluco! – Priscila fala enquanto me ajuda a colocar as malas no banco traseiro.

Abraço a francesa pela lateral de seu corpo e beijo sua bochecha. A verdade é que eu sentiria saudades dela e de todos.

Uma das vantagens de ser uma das melhores modelos da agência é que às vezes tenho certos privilégios, como tirar férias estendidas. Algo que estou fazendo agora: irei ficar com a vovó durante dois meses.

Me sinto culpada por não poder ficar mais tempo com ela, mas infelizmente meu trabalho anda muito agitado ultimamente e sempre tenho algo na agenda. Quando minhas férias acabarem, vai faltar apenas duas semanas para o grande desfile de lingeries pelo qual lutei tanto para participar. Ainda mantenho a esperança de que vovó estará bem, para que no dia eu possa contar a ela todos os acontecimentos.

Algo que eu sempre fazia depois de um grande evento em minha carreira, sempre ia contar para vovó, que ouvia tudo atentamente e com orgulho.

Pensamentos assim fazem meus olhos marejarem, algo que não passa despercebido por Priscila, que beija minha testa em uma tentativa de me acalmar.

Olho para cima

tentando controlar as lágrimas. Não posso ficar nesse baixo astral, ainda mais perto da vovó. Ela merece muito mais que isso; irei fazer ser o melhor verão de todos, o verão da minha vida.

A paisagem de prédios e muros com pichações passava rapidamente enquanto Priscila dirigia, desviando dos carros em alta velocidade. A sensação de nostalgia invade meu corpo ao passar pela sorveteria onde fui pedida em namoro por Otto. Isso me faz sentir um leve arrepio ao lembrar de nosso encontro semanas atrás.

Pra ele não bastava vencer e sim cantar bem alto a vitória depois de humilhar o adversário. Ele tirou tudo de mim; minha dignidade, minha liberdade, meu lado extrovertido e sensual, minha confiança...

Até hoje me sinto de certa forma presa, como se fosse patética em relação às outras mulheres. Sinto-me uma pessoa ridícula, da qual tudo que faz dá terrivelmente errado se tornando motivo de risadas alheias e chacota.

A pior parte de ser uma pessoa quebrada é ter sempre um ímã para parasitas, homens do qual sugam cada vez mais seu espírito, seu eu verdadeiro. E então, você se vê em um loop, um ciclo vicioso onde você sempre tem relações amorosas tóxicas e abusivas, amizades falsas onde o único objetivo é ser usada e depois descartada como um saco de lixo.

E então isso afeta sua mente, a forma como você vê o mundo e você mesma. Isso abala sua fé nas pessoas e sua autoconfiança, sempre surgem inseguranças e dúvidas que esmagam sua mente.

“Será que sou bonita o suficiente?” “Um dia alguém vai me amar de verdade?” “Eu não sou boa o suficiente para esse trabalho. Como cheguei até aqui?”

E bem... Chega a hora em que todo esse peso quebra seu espírito, sua fé na vida e esperança, deixando apenas a escuridão dentro de você e tirando sua liberdade, o forçando a se esconder de tudo e todos.

Às vezes vem a voz na minha mente dizendo que eu me renda, que é mais fácil desistir de tudo e viver a vida fugindo das pessoas. Mas aí eu lembro de cada vez que eu tentei, cada vez que eu sofri com um “não” e tive que sorrir fingindo uma falsa maturidade.

Eu não iria deixar que eles ganhassem essa batalha, jamais iria deixar que isso acontecesse. Não irei desistir do meu sonho e de mim mesma.

— Hey Jude, don't make it bad. Take a sad song and make it better. – Priscila cantarola sua música favorita ao parar no sinal vermelho.

Suas unhas grandes vermelhas batiam no volante, e seus olhos brilhavam com a luz da cidade.

— Remember to let her into your heart, Then you can start to make it better. – Canto da forma mais afinada que consigo, e seus lábios formam um sorriso.

Priscila continua a letra de forma animada; sua afinação impecável era invejável. Afinal, a francesa frequentava aulas de canto de sua infância até sua adolescência. Isso lhe rendeu uma participação recentemente em um filme onde ela recebeu o papel de uma jovem cantora francesa. Embora a participação fosse breve, foi o suficiente para lhe tornar mais conhecida do que nunca antes, algo que ajudou a abrir mais portas em sua carreira.

Desde então, a morena tem experimentado coisas que jamais pensou antes em sua carreira. Isso me deixava orgulhosa, saber que seu início está sendo promissor, embora trabalhoso.

Chegamos ao aeroporto com tempo o suficiente para uma despedida decente. Abraço minha amiga com força e escuto seu resmungo, provocando uma risada.

Beijo sua bochecha, e vejo uma lágrima sair de seus olhos negros, algo que me surpreende, pois minha amiga não era alguém que chorava com facilidade.

— Ora, não me olhe assim! Eu também tenho sentimentos, sabia? – Falo com indignação.

Dou uma risada ao vê-la cair em lágrimas e me puxar para um abraço forte.

— Sentirei sua falta, Anna. Os dias na agência serão uma chatice sem seus comentários estranhos e piadas ruins. – Sua voz é embargada.

— Minhas piadas são ótimas e meus comentários são excelentes! – Falo fingindo mágoa, e ela ri secando as lágrimas.

Vê-la chorar foi surpreendente, algo que jamais pensei que aconteceria na despedida de férias. Se bem que não são as férias em si e o que elas representavam, algo mais mórbido.

Desde que a conheci, Priscila tornou-se minha confidente, alguém em quem eu confiava inteiramente. Ela é uma das poucas pessoas que sabem sobre meus relacionamentos ruins e a única que sabe como eles terminaram. Priscila foi uma das poucas pessoas a quem contei sobre o estado da minha vó, e isso partiu seu coração.

Dou um último abraço em minha amiga e beijo sua testa. Ando até o interior do aeroporto, e o medo invade meu corpo junto com a ansiedade.

Estados Unidos, aí vou eu.

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