5. O Acordo Com o Inimigo

Narração Diana

Tae entregou o microfone a alguém, reposicionou o holofote ao seu local de origem e desceu do palco. É claro que ninguém desgrudou os olhos dele. Eu estava completamente em choque depois de sentir aquela luz e todas as atenções sobre mim. Não movi um dedo, nem conseguia respirar. Ele veio andando em minha direção, cada passo dele provocava mil palpitações em meu peito. Tae pegou educadamente a minha mão e a beijou.

Não se ouvia uma cigarra naquele momento.

Seus olhos reluziram um brilho inexpressivo por baixo daqueles cabelos pretos.

Tae sorriu. Tinha algo em seu doce sorriso que me fez duvidar de sua inocência. Não sei exatamente o que era. Não, não era meu instinto de autossabotagem. Ou era? Não sei.

Meu coração não parava de latejar. Eu não estava acostumada com esse tipo de coisa. Holofotes? Jamais. Tae lidava muito bem com todos os olhares sobre ele, e foi até meu ouvido cochichar.

Aja naturalmente. A voz dele assim, tão próxima e tão baixa, imediatamente arrepiou os pelos da minha nuca e do meu antebraço com força.

Como assim? Indaguei. Eu estava fazendo uma careta horrorosa, ninguém tinha me passado o roteiro antes.

Todos nos olhavam, incluindo: Hannah, Amanda, Mari, o treinador, os meninos do basquete que estavam no palco (e que participaram da briga de manhã) e o resto da faculdade.

Eu desconheço esse mundo. Sou uma pessoa invisível. Por que Tae está fazendo isso comigo? Que graça ele acha nisso? É tudo uma grande piada?

As pessoas comentavam:

Ela é mesmo namorada dele?

Então é por isso que ela tinha tantas fotos dele?

Ela não é uma iludida?

— Nós a julgamos errado.

Eu podia ouvir tudo, e o sorriso cheio de dentes de Tae mostrava que ele gostava do que estava ouvindo.

Ele está apaixonado por ela, mesmo? As pessoas continuaram perguntando.

O que ela fez para ele gostar dela?

Ela é uma garota absolutamente normal.

Tae está com febre.

O DJ recuperou o controle da festa e voltou a colocar música. Dessa vez não foi funk, e sim, um pop remix.

Eu não era capaz nem mesmo de questionar o que Tae acabou de fazer. Ele anunciou a todo mundo que sou sua namorada, será possível que ele é tão legal assim? Que fez isso para que parassem de me humilhar? Ele continuou segurando minha mão depois de beijá-la.

Não vai me apresentar aos seus amigos? Tae comentou bem perto do meu ouvido, fingindo que estava tudo normal e que tinha acabado de falar uma grande verdade. Fiquei completamente vermelha, mas num bom sentido. Eu não estava mais aterrorizada pelos comentários das pessoas.

Eu não era mais uma humilhada iludida?

Eu deveria agradecer a Tae por isso?

Bem, ele não podia guiar meu destino dessa forma.

Mas, que loucura é essa? Cochichei próximo a ele. Ele tinha um cheiro tão bom, tão... mexia com meus sentidos e tirava toda a minha capacidade de raciocinar e de lutar pela minha sobrevivência.

Já falei para agir naturalmente. Depois conversamos Ele falou, dando uma piscadinha que destroçou todos os muros do meu coração em questão de segundos. Então, era tudo um plano, mesmo. Uma grande encenação. Deus não dá asas a cobras, mesmo. Se ele fosse um assaltante eu deixava ele levar até meus rins.

Depois, eu tive que vê-lo interagindo com meus colegas como se nada tivesse acontecido. Ele era tão cheio de desenvoltura, de assuntos, contava piadas. Ele fazia o que queria.

Pensei. Fiquei olhando, observando. Todos os meus alarmes foram desligados como os despertadores num domingo.

Tae me segurava pelo ombro, me puxando para perto de si. Eu não entendi o teatro, mas se ele queria dinheiro ia se ferrar. Ele, com certeza, tinha muito mais dinheiro que eu, vi o carro dele, um Fiat Toro Ultra prateado. Mas, o que ele quiser de mim em troca desse teatro ele vai ficar querendo. E vai passar vergonha explicando em público que mentiu.

Amanda ajeitou o decote diversas vezes durante a noite. Acho que eu estava tão impactada que não prestei atenção em nada, mas isso eu vi com clareza.

Tae tinha muita habilidade em conversar. Ele fazia qualquer pessoa sentir vontade de falar. Acho que Mari se apaixonou por ele só porque ele perguntou sobre o curso dela. Mari faz ciências sociais, e ninguém nunca se interessou.

Choveram elogios sobre a habilidade dele com basquete, e Tae adorou. Ele era uma coisinha fofa demais, meu Deus. Eu o amava e nem o conhecia direito.

Quase me esqueci do absurdo que tinha acabado de acontecer ali na frente de todos.

Acabando com o clima descontraído, Hannah chegou. Ela parecia a esposa traída indo se ver com o marido. Será que Tae e ela já tinham se envolvido? Para ela, sim.

Que palhaçada é essa, Tae? Hannah gritou. Ela era a principal líder de torcida, era realmente a garota mais bonita da festa, com um belo corpo torneado e um rosto de atriz de Hollywood: seus belos olhos azuis reluziam sob os cílios longos. Seu cabelo castanho era curto e liso. Ela só saia com jogadores de basquete, o que fazia de Tae o namorado perfeito para ela. Faz sentido ela estar irritada. Ela colocou a mão nas cadeiras. Já chega dessa brincadeira. Venha comigo!

Hannah puxou Tae para fora da roda passando entre mim e ele e quase arrancando meu braço junto. Ela começou a falar um monte de coisas, gesticulando.

Meu coração quase parou. Será que era uma brincadeira deles? Uma zoação para me humilhar ainda mais? Não me surpreenderia. Com certeza eles flertavam.

Me preparei para a humilhação.

Para minha surpresa, Tae desmanchou o rosto alegre, deixou Hannah falando sozinha e voltou para nossa roda de amigos.

Tae, não me deixe falando sozinha! Ela foi atrás dele. Tae, saia de perto dessa pata choca!

Tae deu um sorriso e pegou minha mão, me puxando para ir embora dali. Mari não acreditou no que estava acontecendo, mas também não se meteu. Ele me levou até o estacionamento, íamos em direção ao seu carro, quando parei.

Chega de ser conduzida. Tenho que recuperar as rédeas da minha vida.

O... o que... o que foi aquilo? Perguntei, evitando contato visual. Eu era incapaz de sustentar o olhar dele.

Hum? Tae não entendeu. Do que está falando?

De tudo aquilo. Você mentiu para todos. Falei, com a voz trêmula.

E você não gostou?

Gostei? Eu amei, na verdade. Meu coração não se contém dentro do peito.

Não. Menti. Porque é mentira.

Tae estreitou os olhos e perguntou, com sua voz aveludada:

Quer que eu vá até eles e diga a verdade?

Não! Gritei a plenos pulmões, mais alto do que deveria.

Então... Ele levantou uma sobrancelha, vindo em minha direção. Assim, você está em minhas mãos.

Então era isso? Ele queria alguém para chantagear?

Retrocedi, catando uma pedra no chão.

Se acha que vou transar com você em troca do que fez, está muito enganado! Eu tremia, mas faria de tudo para me defender.

Não seja ridícula. Ele colocou as mãos no bolso. Não vou propor esse tipo de coisa.

Então, o quê? Suspirei aliviada, deixando a pedra cair no chão. Mas, eu estava gostando de conhecê-lo de verdade. Ia me ajudar a esquecê-lo.

Você vai me servir. Ele deu um sorriso angelical que não combinava em nada com a loucura que ele acabou de falar.

Ahm? O que ele queria? Uma faxineira? Servir em que sentido? Sexual?

De novo você com essas ideias ridículas. Tae revirou os olhos. Quando disse servir, disse que você vai me servir em todos os sentidos... Menos esse.

Ainda bem que ele acrescentou as duas últimas palavras.

Você precisa de uma faxineira? Repeti.

Não necessariamente.

Ai meu Deus. Se eu não sei o que você quer, como posso aceitar a proposta?

Você não tem escolha. Ele sorriu, maliciosamente. Ou quer que todos saibam a verdade?

Ele está me chantageando.

Tae está me chantageando.

Meu mundo caiu.

Eu já esperava uma maldade, mas quando acontece é de machucar.

Eu sei que não sou de se jogar fora, mas a vida me tirou a vontade de ser bonita e atraente depois da morte do meu irmão. Sei que não sou uma modelo, mas também não sou um saco de lixo, não sabia que precisava negociar para alguém me querer como namorada.

Não sabia que uma mulher só tem importância se anda com o cabelo hidratado, roupas coladas e pele impecável.

Mas, é a mais pura verdade: se não somos vaidosas e nem meigas, não somos nada.

Nesse momento, eu me sinto um nada.

Eu... eu vou para casa. Virei as costas, preparada para rejeitar aquele rapaz lindo e irresistível que quer bancar o meu namorado e recuperar minha autoestima. Tae não sabe perder ou ser deixado para trás, ele me freou ao segurar meu pulso.

Esse... esse é o tipo de serviço que eu quero. Ele disse.

Do que está falando? Perguntei. Não entendi nada.

Você não vai para casa. Eu vou levar você até sua casa.

... — Minhas palavras sumiram. Só consegui ficar parada olhando para ele. Tinha diferença entre uma coisa e outra?

Ah, tinha. Ah, se tinha.

Entendi depois de um ou dois minutos andando até o carro dele. Ele quer alguém que obedeça suas vontades. Ele é tão egocêntrico que precisa de um cachorrinho.

Ele é controlador.

Quer alguém disponível para saciar seu ego. O que isso compreende? Recitar poemas falando de como você é lindo e irresistível?

Excelente ideia! Ele riu. Até falando coisas bizarras o infeliz é a coisa mais linda que existe.

E em troca de fazer suas vontades, quaisquer sejam, o que eu ganho?

Um namorado. Tae abriu a porta do carro para mim gentilmente e se sentou no banco do motorista Não vai ser sacrifício para você, já que é apaixonada por mim.

Ai, arrogância.

A oferta é tentadora, mas, e se você me pedir algo humilhante? Perguntei.

É tudo o que vou pedir.

Vá ver se estou na esquina, seu louco dos infernos!

Ahn? Tipo o que? Limpar seus sapatos com minhas escovas de dente? Debochei.

Ótima ideia. Isso e mais qualquer outra coisa que me der vontade quanto eu estiver estressado. Ele parou o carro no sinal. Quando estivermos em público, eu serei o namorado perfeito. Quando estivermos a sós, você será minha cadelinha.

Cadelinha? Ah, não, pare esse carro. Era surreal, doentio.

Olha, mas não faltam moças na faculdade querendo ser suas cadelinhas. Comentei.

Mas, eu não tenho ferramentas para chantagear nenhuma delas. Ele falou, com a naturalidade de um psicopata, e fez um beicinho. Você não vai contar os meus segredos, vai?

Que segredos? Fiquei assustada, mas ele apenas sorriu. E se eu me negar a fazer alguma das tarefas?

Você não realiza sua vingança. Ele foi cabal. E vai sofrer bullying o resto da vida depois que eu falar a verdade.

Fiquei muda enquanto ele dirigia. Só conseguia pensar em todas as implicações daquela porcaria de acordo.

Doente.

Doente total.

A quem eu quero enganar? Eu faria qualquer coisa para esfregar na cara daqueles idiotas que eu poderia, sim, ter um namorado. Eu poderia, sim, ter Tae como namorado.

Faria qualquer coisa para isso.

Eu tive um namoro estúpido no passado, mas aquilo era diferente. Eu sempre admirei Tae de longe, e, para mim, era o bastante.

Pensando bem, eu poderia aceitar por apenas umas semanas e depois dizer que terminamos por incompatibilidade de agendas, tipo as blogueirinhas fazem. Até que poderia dar certo. Ainda que de mentirinha, eu poderia tirar uma casquinha dele, já que a proposta é ele ser um bom namorado em público. Eu poderia abraçá-lo e sentir o perfume dele. Seria interessante tirar uma casquinha.

Só essa ideia já me deixou vermelha da cabeça aos pés.

Tae estava pensando na sua parte do acordo, e pediu meu número de WhatsApp, afinal poderia precisar de alguém que fizesse seu café da manhã. Eu não fazia nem para mim!

Fazer o café da manhã de Tae era um preço que eu aceitaria pagar até em um milhão de parcelas. Estou curiosa para saber como ele se sai bancando o namorado perfeito. Quero ver se vale a pena ou se é melhor a humilhação eterna de ter a verdade espalhada pela faculdade.

Nunca antes tínhamos chegado juntos da faculdade, apesar de eu já o ter visto entrando e saindo do seu apartamento algumas vezes. Quando chegamos ao nosso andar, paramos em frente à minha porta e ele me olhou com aquela expressão arrogante. Coloquei a mão na maçaneta e ele disse:

Não.

O que eu fiz agora? Perguntei.

Você deve beijar minha mão ao se despedir. E perguntar se pode ir.

É o que?! Isso não é fazer o café da manhã. Isso é bizarro! Você não é...

Seu dono? Ele completou a frase e sorriu maliciosamente. Pegou o iPhone imediatamente, desbloqueando a tela. Basta um tweet para que...

Ah, chega! — Peguei a mão dele e a beijei nervosamente. Posso ir agora, Majestade?

Sim. Ele riu, acariciando meu rosto e passando o polegar em meu queixo. Hoje eu permito que você vá.

Como assim "hoje"? Nos outros dias ele vai exigir serviço integral? Entrei em meu apartamento e bati a porta. Mari também tinha acabado de chegar e me esperava, pronta para me agredir por não ter falado nada sobre o namoro.

Garota! Você arrasou demais! Ela gritou. Estava bêbada e bagunçada, mas estava melhor que eu.

Você nem imagina... Suspirei, sentindo o celular vibrar no bolso.

Você está namorando com o garoto mais desejado da faculdade!

É, estou… Murmurei. Eu estava assustada. Beijar a mão... Ele me vê como um ser inferior. Ele se vê como um rei. Meu Deus, ele é doente. Esse é o preço da beleza?

As pessoas só falam de você nos grupos da faculdade. Insistiu Mari. Estão falando que venderiam a alma para estar em seu lugar.

Quem vendeu a alma fui eu. Murmurei. Mari não ouviu direito, estava prestando atenção no Whatsapp. E eu fui olhar o meu.

“Eu vi, hein

😡” Disse Tae na mensagem.

“Viu o quê?” Perguntei.

“Bateu a porta na minha cara” Ele respondeu.

“Desculpe” Eu escrevi.

“😡

que não se repita ou todos saberão a verdade 😌

durma cedo porque amanhã quero ter ovos fritos no café da manhã

gema mole”

“Mas, eu tenho que estudar” Reivindiquei.

“😡” Foi a resposta dele.

“tá bem”

“tá bem o quê?”

“tá bem, senhor?”

“isso 👏” Ele concluiu.

Deitei a cabeça no travesseiro, conforme ele falou. Eram 00:12 ainda.

Isso é ridículo. Amanhã vou colocar os pingos nos is. Vou tomar uma atitude e colocar esse egocêntrico no lugar dele! Desisto de tudo, esfregar um namorado lindo na cara das recalcadas não está saindo barato.

Eu vou estudar até a hora que eu quiser e tenho dito.

Liguei o abajur, organizei minhas ideias, escrevi quatro palavras no caderno e adormeci sentada pela segunda vez.

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