3. O Garoto Arrogante

Narrador

Tae atendeu ao telefonema da mãe, Jieun, enquanto mastigava uma torrada que Shimin, seu irmão querido, preparou com todo o carinho.

Está tudo bem, Tae? Ela perguntou, em coreano, e Tae respondeu no mesmo idioma:

- Claro, mãe

- Seu irmão disse que está se destacando no basquete.

- Meu irmão fala demais - Tae lançou um olhar inquisitivo para Shimin. Eles tinham mães diferentes e o mesmo pai. A diferença de idade era mínima, pois o pai deles era um verdadeiro safado e namorou as duas ao mesmo tempo. Felizmente, os irmãos sempre se deram bem porque Shimin era compreensivo e amoroso.

Shimin deu um sorriso travesso. Ele contava tudo sobre Tae para a dona Jieun, já que o filho detestava falar. Shimin, por outro lado, era carismático e todos o amavam. Tae mordiscou a torrada e, logo em seguida, a cuspiu. Estava amarga.

Você me deu uma torrada queimada, Shimin? Tae jogou o celular para um canto enquanto sua mãe ainda falava e pegou Shimin pela blusa.

Desculpe. Shimin desmanchou o sorriso e a felicidade do rosto e fez um beicinho Não tive intenção de te causar desconforto, Tae.

Sei. Tae soltou o irmão, sem se arrepender de sua grosseria. Não torne a repetir isso.

Shimin viu o irmão pegando a mochila para ir para a aula. Tae ia para a faculdade sozinho, em seu carro, mesmo estudando a poucos quilômetros do prédio onde Shimin estudava.

Boa aula, maninho. Hoje vou trazer cupcakes. disse Shimin, todo emocionado. Ele fazia medicina para agradar os pais, mas seu sonho era ser confeiteiro.

Ok. Tae respondeu apenas acenando um adeus. Shimin sempre ficava angustiado quando seu irmão acordava mal humorado, mas se esforçava para entendê-lo. Tae tinha o mesmo comportamento rebelde e arrogante do pai deles, Jeon.

Jeon era o exemplo de figura masculina e paterna que Tae conhecia de perto, logicamente ia se espelhar nele: um homem poderoso que tinha milhares de empregados dificilmente seria humilde, pensou Shimin.

Era com isso que Shimin tinha que lidar. Era sua cruz. Era por isso que aceitava toda a truculência de Tae, porque entendia os motivos do irmão.

Shimin sonhava em contaminar Tae com todo o seu amor, mas cada dia sentia perdê-lo mais. Tae só sorria quando via alguém se ferrando ou quando era bajulado e admirado. Como ele era bajulado o tempo todo pelo irmão, viva sorrindo. Mas, nos momentos em que ficava sozinho consigo mesmo, sua mente se tornava um abismo.

Já sei! Shimin sentiu-se orgulhoso da ideia que teve para animar o irmão. Vou comprar chocolates Lindt. São os favoritos do Tae.

Shimin estava acostumado a ir para a faculdade sozinho e colocar o lixo para fora todas as manhãs. Eles tinham hábitos de limpar a própria sujeira, ainda que fossem ricos o bastante para ter quantos empregados quisessem.

A reflexão sobre como deixar Tae feliz ficou fixa na mente de Shimin. Ele só parou de pensar nisso quando encontrou uma menina completamente introspectiva e nervosa entrando no elevador. Ela era ruiva, mas sempre deixava os cabelos presos, escondendo-os.

Ei! Disse Shimin, feliz por ela ter segurado a porta do elevador para ele. É bom vê-la de novo. Diana, não?

Diana, que até então estava vermelha e nervosa como um tomate, arregalou os olhos.

Você sabe meu nome? Ela apontou para si.

Claro que sei! Shimin sorriu. Você sabe o meu?

Ela negou com a cabeça, voltando a ficar vermelha como uma pimenta. Sabia porque o pessoal dos grupos da faculdade já tinham divulgado que ele era um aluno da medicina e irmão do cara mais gato da engenharia. Mas, Diana jamais admitiria isso.

Quer saber? Shimin perguntou, sorrindo de novo.

Diana assentiu, tremendo de ansiedade.

É Shimin. Ele fez uma reverência a ela. — Minha mãe me detesta.

Diana assentiu, inconformada com a simpatia e a humildade daquele rapaz tão bonito. Além de lindo e cheiroso, ele ainda era um amor. Deus errou a mão, mesmo. A porta do elevador abriu e Shimin indicou que ela deveria passar primeiro, num gesto de gentileza.

Bem, eu sei seu nome porque já ouvi um dos seus colegas de apartamento gritando por você numa dessas madrugadas. Shimin continuou o assunto. Ele era desesperadamente carente, precisava falar.

Diana morreu de vergonha. Foi no dia que Plínio perdeu as chaves do apartamento num Uber e teve que acordar o prédio todo até Diana acordar e abrir a porta para ele.

Na verdade, Diana e Shimin já moravam no mesmo andar há pelo menos um mês, então aquela conversa era mais do que necessária.

Shimin deu um sorriso maravilhoso naquele momento, admirando o semblante encabulado de Diana.

Onde você estuda, Diana? Shimin insistiu.

Na Real Academia Diana respondeu, coçando o rosto com a ponta do dedo. Não era difícil encontrar estudantes dessa faculdade no Butantã, que é onde moravam.

Ora, eu também. E Tae, também. Qual curso?

Engenharia de Produção.

O mesmo que meu irmão! Shimin arregalou os olhos. O português perfeito de Shimin é que realmente surpreendeu Diana, e não a constatação que ele havia feito.

Certamente Shimin escolhia bem as palavras, e não se arriscava nas que não conhecia plenamente o significado.

Diana assentiu.

É, ele é da minha sala.

Que maravilha! Shimin uniu as mãos. Temos que comemorar! Venha, eu te dou carona!

Diana não tinha nada para comemorar. Estava reunindo o resto de coragem que tinha para enfrentar a faculdade depois da vergonha que passou.

Incapaz de recusar uma oferta de carona de Shimin, Diana só conseguia pensar no bullying do dia anterior enquanto Shimin falava sobre sua cidade natal e da infância deles.

Shimin foi embora em seu SUV depois de prometer milhares de doces para Diana. Ele realmente era uma pessoa amável, sem um pingo de amargura. Shimin melhoraria o dia de qualquer um.

Após Diana colocar o pé no prédio da engenharia na Real Academia, sentiu que todos a olhavam. Alguns riam. Diana teve vergonha e medo até mesmo de quem não estava falando dela. Ela apressou o passo. Jogaram uma bolinha de papel nela enquanto ela abria seu armário. A bolinha de papel era uma das fotos do Tae que ela tinha deixado cair no dia anterior, após ser derrubada por Hannah.

Se Shimin não comentou isso, talvez Tae não soubesse, ou não tivesse falado para ninguém.

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Tae havia chegado um pouco mais cedo. Ouviu uns burburinhos no corredor e não ligou. Estava usando fones de ouvido. Tae escutava Racionais MC’s, para treinar seu português. Sentou-se em seu habitat natural, no fundo da sala, e acomodou-se para tirar um belo cochilo. Mastigava um chiclete para esquecer o sabor amargo da torrada queimada de Shimin.

Quando sentiu algo estranho, abriu um olho e ergueu uma sobrancelha. Tinha um monte de colegas do basquete em volta dele. Ele tirou um fone, irritado por ter que quebrar seu momento de lazer.

Quê?! Tae tinha pouca ou nenhuma curiosidade sobre os assuntos daqueles garotos, mas eles pareciam muito ávidos por conversar.

Você não leu as mensagens no WhatsApp? Miguel, um garoto alto de cabelos cacheados, perguntou.

Sim, ele deu seu WhatsApp para alguns amigos seletos e já estava arrependido disso.

Tirei as notificações daqueles grupos de basquete na hora que vocês me colocaram neles. Tae respondeu, revirando os olhos.

Então você não está sabendo! concluiu Fernandes, quase debruçando-se sobre Tae. Fernandes era outro rapaz do time de basquete, nem era daquela turma, mas queria ver o circo pegar fogo.

Amém. Disse Tae, muito debochado, indo recolocar o fone de ouvido, quando Bruno segurou a mão dele e o impediu, recebendo o olhar fuzilante de Tae.

Cara, você tem que ouvir isso! Disse Bruno, logo afastando a mão de Tae por causa da agressividade do olhar do coreano. Sabe a Diana?

Quem diabos é Diana? Tae não conseguia fingir interesse.

A menina que senta ali! Bruno apontou para o lugar onde se sentava a menina ruiva que Tae viu algumas vezes em seu prédio.

O que tem ela? Tae indagou. Ele lembrou-se de que já tinha pedido para ela apagar suas fotos no celular, como pediu a outras pessoas ao longo daquele mês.

Ela é obcecada por você! Bruno repetiu.

Eles ficaram atônitos esperando a reação de Tae. Esperaram que ele surtasse, se irritasse, risse.

Tae colocou o fone de ouvido e ficou balançando a cabeça no ritmo da música. Sempre tinha alguma louca apaixonada por ele, não era novidade. A única novidade ali era que aquela garota estava sendo exposta a todos, e ele não entendia o porquê.

Miguel tirou o fone de Tae dos ouvidos dele.

Cara, você ouviu o que a gente falou?

Tae não tinha nenhum tipo de paciência com gente abusada. Ele deu um coice no estômago de Miguel, ainda sentado em sua cadeira.

Os garotos entraram no meio de ambos antes que houvesse briga, mas Tae foi bem cirúrgico e não ia agredir mais. Eles ajudaram Miguel a se levantar e ficaram assustados com a atitude do colega.

Está louco, cara?! Indagou Fernandes A gente veio te mandar a real.

Tae não entendeu aquela expressão direito. " Mandar a real", ele teria que jogar no Google para entender melhor. Os rapazes se afastaram dele proferindo algumas maldições e xingamentos que Tae agradeceu por não compreender.

Foi quando surgiu Diana passando pela porta da sala, com os olhos vermelhos e os cabelos sobre o rosto, tentando esconder o óbvio: estava chorando.

Tae pegou sua mochila e já adiantou o trabalho do diretor indo confessar o que fez. Passou por Miguel sem nenhuma pena de tê-lo deixado no chão e ignorou seus colegas do basquete. Também ignorou os rumores sobre a menina que estava obcecada por ele. Infelizmente, Tae sempre causava euforia onde quer que fosse, mesmo mudando de país. Ele tinha que lidar com as consequências disso.

Após chegar ao gabinete do diretor, Tae jogou a mochila no chão e falou:

Eu agredi um aluno, pode me suspender.

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