“Às vezes, o perigo mais doce é descobrir o que é viver… depois de só ter sobrevivido.”
O final da tarde tingia o céu com tons alaranjados quando Sophia Scoot cruzou o portão lateral da base, ainda com a cabeça baixa e os pensamentos embaralhados. Após o almoço, ela queria apenas respirar longe de olhares e cochichos.
E foi ali, no portão da residência dos Belmont, que a voz suave e firme de Helena a alcançou:
— Sophia?
Sophia parou. Sorriu pequeno.
— Nada de desculpas. Aqui você não precisa se explicar.
Helena a puxou para dentro como quem acolhe uma filha. O chá já estava quente, e o sofá — o mesmo onde Sophia dormiu dias antes — agora parecia mais... casa.
— Ouvi que você salvou o Viktor.
Sophia baixou os olhos, constrangida.
— Só fiz o meu trabalho. Ele teria feito o mesmo por qualquer um.
— Sim… mas ele não costuma agradecer. E ontem, ele falou de você. Com orgulho.
Sophia corou até a raiz do cabelo.
— Ele... falou?
Helena sorriu, passando a mão nos cabelos da menina.
— Meu filho tem uma carcaça de aço, mas por dentro ainda é aquele menino que dizia que queria amar como a gente. Eu só espero que, quando esse momento chegar... ele perceba.
Sophia não respondeu.
A noite já estava mais fresca quando o grupo da Equipe Alfa chegou ao “Steel Fox”, um bar discreto a três quarteirões do portão principal. Era onde militares relaxavam, falavam alto e agiam como gente comum.
— Reservamos uma mesa — disse Mike, empurrando a porta com o cotovelo. — Bora ver o mundo além das câmeras, Firefly.
Sophia seguiu os demais com passos contidos. Usava jeans escuros e uma blusa simples. Cabelos soltos. Batom discreto. Nada demais…
— Você veio — disse ele, com a voz baixa, mas carregada de… algo.
— A Luna insistiu. E o James ameaçou comer minha janta se eu recusasse — ela respondeu, fazendo os três rirem.
Quando os cardápios chegaram, Sophia folheava como se estivesse lendo um idioma desconhecido.
— Já comeu hambúrguer de cheddar duplo com bacon e doritos? — perguntou Mike.
Sophia piscou.
— …o quê?
Luna e James se entreolharam.
— Tá falando sério? — Luna arregalou os olhos. — Você nunca comeu fast food?
— Pierre… sempre cozinhava ou pedia pra alguém cozinhar. Ou mandava entregarem comida militar padrão. E eu… não saía muito.
James dramatizou um colapso fingido.
— Traz pra ela o combo duplo da casa, com batata canoa e milkshake de Oreo — disse Viktor, já olhando o garçom como quem dava ordem de operação.
— Sim, senhor — disse o atendente, quase em posição de sentido.
Sophia o encarou, surpresa.
— Você... sabe o que eu quero?
Viktor virou o rosto lentamente, os olhos nos dela.
— Eu observo. Sempre. E você merece conhecer o que o mundo tem de bom.
Foi aí.
Ela engoliu seco.
— Obrigada... Major.
— Fora do quartel, pode me chamar de Viktor.
— Isso não... soa errado?
Ele sorriu. Um canto só. Aquele sorriso perigoso, que vem quando ele não tá no modo comando.
— Eu posso ser muitas coisas, Firefly. Errado... não é uma delas.
Mais tarde, na mesa:
A comida chegou.
Ela deu a primeira mordida no hambúrguer e fechou os olhos.
— Meu Deus… isso é pecado.
— Bem-vinda à vida civil — disse Luna.
— Vai sonhar com isso — completou Mike.
Sophia olhou para Viktor, ainda mastigando devagar.
— Você já provou isso?
— Provei muita coisa. Mas… — ele olhou bem pra ela — tem sabores que só valem a pena quando alguém especial prova com você.
Ela desviou o olhar, corando até as orelhas.
Mas o arrepio permaneceu.