Capítulo 2

— Entre. — A voz grave, masculina e firme atravessou a porta como uma ordem que não admitia hesitação.

Julietta respirou fundo e empurrou a maçaneta.

— Boa noite, Sr. Vasconcellos. Eu sou Julietta Sampaio, do setor de Finanças.

Ele estava sentado atrás da mesa, vestindo um terno cinza impecável — se era de uma marca exclusiva ou sob medida por algum estilista de renome, ela jamais saberia. Mas não importava. O que realmente impressionava era a aura invisível que o cercava, como se fosse um feitiço. Perto dele, Julietta sentiu na pele por que aquele homem tinha uma reputação inabalável no mundo dos negócios.

Heitor ergueu os olhos, sorriu levemente e fez um gesto para que ela se sentasse. Folheava calmamente o relatório em mãos. Julietta aguardava a primeira pergunta difícil sobre o orçamento, para a qual vinha ensaiando respostas desde a reunião mais cedo.

— Há quanto tempo você trabalha aqui? — Ele perguntou de repente.

A pergunta a desarmou. Não era nada do que havia previsto. Julietta piscou, confusa, sentindo o cérebro “travar” na hora errada. Antes que respondesse, Heitor digitou algumas teclas no laptop.

— Dois anos e meio, com seis meses de estágio. — Ele mesmo completou, sem pressa.

Ela assentiu, sem entender o rumo daquela conversa. Então, veio o golpe.

— Trabalhando para os Vasconcellos… seu salário não é suficiente para cobrir suas necessidades básicas, certo? — Ele fez uma pausa gelada. — Isso significa que você não está satisfeita em trabalhar aqui?

Julietta engasgou.

— Mas que… — Ela se calou a tempo, cobrindo a boca em horror. — Perdão, Sr. Vasconcellos, não entendo…

O sangue sumiu de seu rosto. Sentia-se presa numa armadilha invisível. As palmas ficaram úmidas, o ar pesou ao redor, como se fosse difícil respirar. O medo de ser demitida naquele instante a consumia.

— Sr. Vasconcellos, deve haver um grande mal-entendido. Eu amo meu trabalho. Sempre dei o melhor de mim pela empresa. Não tenho nenhuma reclamação quanto ao salário. Estou feliz aqui. Por favor, acredite em mim. — Ela despejou as palavras numa única respiração, desesperada.

Mas dentro dela, uma dúvida latejava: quando, afinal, teria transmitido tamanha insatisfação? E por que o chefe acreditava nisso?

O suor escorria de sua testa como se tivesse corrido uma maratona. O coração martelava contra as costelas. Heitor a observou em silêncio, frio, calculista. Depois, como se notasse a ansiedade, pegou um copo de água e empurrou para ela. Julietta bebeu em segundos, com mãos trêmulas.

Ele se levantou. Julietta quase saltou da cadeira, mas um gesto firme a fez permanecer.

— Srta...?

— Julietta Sampaio, senhor.

— Sim, Srta. Sampaio. Relaxe. — O tom dele suavizou, quase em contradição com o ambiente de tensão. — Não estamos discutindo sua demissão. Hoje pelo menos.

As palavras a atingiram como um alívio imediato, mas ainda havia algo sombrio naquele olhar que a mantinha em alerta.

— Se não me falha a memória… foi indicada pessoalmente pelo professor Almeida, da PSU. Estou certo?

Julietta apenas assentiu, atônita.

Heitor ergueu uma sobrancelha.

— Interessante. Mas me diga… por que finanças?

Era sua zona de conforto. Julietta respirou fundo, firme desta vez:

— Porque acredito que matemática não é só números. É poder. Qualquer negócio pode ser estruturado por meio de fórmulas, teorias e cálculos. Riscos calculados, políticas fiscais, análise de dados, decisões de investimento… é assim que se constrói algo sólido.

Ao falar de sua paixão, os olhos dela brilharam. Heitor percebeu. Um leve, quase imperceptível sorriso surgiu em seus lábios.

Do nada, a voz grave de Heitor quebrou o silêncio:

— Você gosta de desenhar?

Ele a encarava com frieza. Julietta piscou, confusa. 

— Às vezes… quando estou entediada. — respondeu, hesitante.

As sobrancelhas dele se ergueram com curiosidade. Mas antes que ela entendesse aonde queria chegar, veio a pergunta que a fez engasgar no próprio ar:

— Qual sua marca de lingerie favorita?

Julietta arregalou os olhos, sufocada. Ficou sem voz, sem reação, como se tivesse entrado em um drama coreano sem legenda.

— Se soubéssemos, seria mais fácil alocar fundos e salários de acordo. — Heitor soltou com naturalidade, como se falasse de números.

Julietta queria desaparecer. Felizmente, a porta se abriu. Jade entrou, séria como sempre.

— Senhor, a videoconferência já está prestes a começar.

Heitor assentiu.

— Conecte a chamada. — E, voltando-se para Julietta: — Srta. Sampaio, pode se retirar. E, da próxima vez, sempre confira duas vezes um arquivo antes de enviá-lo.

Julietta saiu às pressas, como alguém que escapa da jaula de um leão. No corredor, ainda em transe, encontrou Rita, que a arrastou até o canto da sala, faminta por detalhes. Julietta contou cada palavra, mas juntas não conseguiam decifrar o verdadeiro motivo daquela reunião absurda.

***

Aquela noite, Julietta não conseguiu dormir. A cena se repetia sem parar na sua mente. A estranha pergunta, o tom do chefe, o enigma. Por quê? Qual era o propósito? Virava de um lado para o outro até que, exausta, pegou no sono por poucas horas.

Na manhã seguinte, foi ao escritório com olheiras e sem tomar café. Lá, encontrou Theo, colega de trabalho que estivera de folga no dia anterior. Ele perguntou pelas anotações da reunião com Augusto. Julietta começou a revirar a bolsa… mas as notas não estavam lá.

Um frio percorreu sua espinha. Pensando melhor, lembrou do esbarrão em Rita no corredor. As anotações deviam ter se misturado com o arquivo enviado ao chefe.

— Não! — Julietta levou as mãos ao rosto, desesperada. — Eu me ferrei!

Rita a puxou para o lado.

— O que houve?

Julietta desabou, envergonhada:

— Eu estava entediada na reunião do orçamento… comecei a rabiscar uma modelo de biquíni, fazendo cálculos de como o orçamento poderia ser usado para aumentar salários, o que me ajudaria a comprar lingerie nova e até planejar uma viagem pra Disney. Também rabisquei um orçamento pessoal… E foi isso que ele viu! Por isso aquelas perguntas ridículas sobre marca de lingerie e salário. Meu Deus, ele deve achar que sou louca!

Queria que o chão se abrisse.

— Cavei minha própria cova! Como vou encarar aquele homem de novo?

Rita ficou em silêncio, deixando a amiga desabafar até a última gota. Depois, com calma, disse:

— Julietta, pense bem. Ele não te demitiu. Não te humilhou na frente de ninguém. Só disse para revisar melhor seus arquivos. Isso é consideração.

Mas as palavras não aliviaram. Pelo contrário, Julietta se sentia ainda mais envergonhada. Sempre fora organizada, dedicada, alguém que trabalhava duro desde a escola. Atenta aos detalhes, focada, meticulosa. Errar daquela forma, ainda mais diante de Heitor Vasconcellos, era um peso insuportável.

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