Desejando ficar só até recuperar o equilíbrio e o controle de suas emoções, Dafne deu a primeira desculpa que veio à sua mente.
- Costumo comer na cozinha com a dona Carmen. Ela pode achar estranho se eu...
- Sexta-feira não é a folga dela?
Eu sabia que era. De manhã cedo a governanta tinha anunciado sua intenção de passar a noite com sua filha casada.
- Se sente melhor assim, podemos fazer uma refeição na cozinha, Dafne. Mas não vou mudar de opinião sobre ter a sua companhia hoje. Depois de tomar uma ducha e me trocar, eu a encontrarei lá.
Cézar parecia estar de volta a seus modos frios, e disciplinados. Observando-o sair, Dafne se perguntou, trêmula, o que tinha provocado aquela forte demonstração de raiva, aquela necessidade dele de zombar e dominar de alguém insignificante como ela.
Decerto não foi só por ter usado o nome dele em um conto de fadas para crianças...Dafne sentiu um calafrio. Cézar não procurou ocultar o fato de que não gostava dela, mas havia poucos minutos, pareceu quase odiá-la.
No entanto, a beijou como um homem cheio de desejo...
Enquanto Dafne percorria, trôpega, o caminho para a cozinha, a lembrança trouxe perturbadoras e conflitantes emoções. Uma refeição tinha sido deixada pronta no forno amplo da cozinha. Ainda estava aquecido.
Pôs a travessa na mesa, pensando em como continuar agora que Cézar invadiu a linha que os dividia como patrão e empregada.
Começava a arrumar a mesa quando foi assaltada por uma ansiedade diferente. Sobre o que Cézar queria falar com ela? Seu mês de experiência estava quase no fim. Teria ele decidido livrar-se dela?
Não. Isso não era possível. Cézar sabia que Lavínia a aceitou, e ele precisava de alguém que tomasse conta da filha.
Será que ele tinha, de algum modo, descoberto quem ela era? Pouco provável. Se assim fosse, a teria expulsado de lá no mesmo instante. Dafne se lembrava do olhar de repugnância em seu rosto naquela terrível noite quando, com os lábios brancos pela cólera, ele disse, com uma fúria não menos devastadora porque era silenciosa. “Quero você fora de minha casa logo pela manhã. Desejo nunca mais ter de pôr os olhos em você outra vez! Você entendeu, sua maldita vadia de luxo?!
Tremendo, ela tentou afastar a dolorosa lembrança. Aquilo aconteceu fazia muito tempo, e ainda assim relembrar revirava seu estômago. Tinha que esquecer, pensou, era parte do passado sobre o qual não queria pensar.
De certo modo, estar trabalhando ali era loucura, mas não podia lamentar a chance que o destino lhe ofereceu. Entretanto, se arriscava a mais dor de cabeça, e pensou, desesperançada, se sua felicidade estaria para terminar.
O ruído da maçaneta sobressaltou-a.
Embora se julgasse preparada, seu coração agitou-se. Cézar vestiu uma camisa pólo verde-oliva e jeans preto, e parecia atraente demais para um homem que estava cansado de uma longa viagem.
Ele tinha um modo de mover-se, uma inclinação arrogante da cabeça, e uma graça e simetria quase felinas, que, combinadas com seus olhos extraordinários, o faziam para ela, recordar uma pantera negra.
Ela sentiu a boca seca.
Dafne colocou a jarra de água sobre a mesa, e Cézar apanhou uma garrafa de vinho do refrigerador. Abrindo-a, ele observou ela encher o próprio copo de água.
- Por que apenas uma taça para o vinho?
- Não costumo beber. – ela respondeu, sem olhar para ele.
Zangado e impaciente, Cézar foi pegar uma segunda taça e a encheu bem como a sua.
Dafne voltou ao forno e trouxe para a mesa uma terrina de arroz solto e mexeu a salada verde que havia acabado de arrumar no centro. Se sentou na cadeira oposta a ele. Queria evitar o máximo qualquer proximidade.
Ambos se serviram.
Por um momento, comeram sem falar até que, necessitando quebrar o silêncio, Dafne quis saber.
- Você fez uma boa viagem?
- Fala como uma esposa respeitosa.
- Desculpe-me. Estava tentando ser agradável.
- Por quê, se estou me lixando para isso?
Aquelas palavras quase fizeram a salada parar em sua garganta. Então, ele mudou de assunto repentinamente.
- No dia em que conseguiu esse emprego, eu disse que a Lavínia era filha de meu meio-irmão.
Dafne anuiu.
- Você não perguntou o que houve com ele.
Ele disse observando a cor fugir do rosto dela, deixando-a pálida feito os guardanapos impecáveis em seu colo.
- Eu me pergunto por quê.
- Achei que não era de minha conta... – respondeu tentando mais firmeza na voz. Uma firmeza que estava longe de sentir.
-Vou te dizer, de qualquer modo. Faz três anos hoje que meu irmão morreu em um acidente. É por isso que estou neste estado sombrio. Então talvez você me perdoe depois de saber.
- Claro que sim, o luto interfere diretamente no estado de espírito das pessoas. Sinto muito.
Cézar tornou a encher as taças. Dafne engoliu em seco novamente.
- Não teve problemas com a Lavínia enquanto estive ausente?
- Não, ela esteve bem. Sentiu sua falta e perguntou por você todos os dias.
- Ela me chama de pai, não é?
- Sim.
- Eu não a corrigi, porque espero adotá-la legalmente. – Cézar pousou os talheres, e a encarou diretamente. - Fez algum plano especial para amanhã?
-Por que pergunta, Sr. Hoffmann?
- É o aniversário da Lavínia.