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Sua percepção do mundo e sua filosofia o levaram a compreender a humanidade de uma forma complexa e padronizada, trouxe também um conhecimento singular sobre como e porque as pessoas têm seus sonhos, desejos, tabus e medos. Era realmente um mar de contradições e oposições, uma era de pessoas e rótulos, onde nenhum dos dois estavam muito separados um do outro.

Mas como tudo que era bom, incluindo a paz que o Sr. Clark havia trazido para dentro da sala, a aula chegou ao fim e como de costume, o último aluno a assinar a lista de chamada ficava com a responsabilidade de entregá-la ao professor e por sorte, fiquei com o trabalho.

— Senhorita Taylor, — Ele murmurou recebendo a lista que eu encarecidamente queria apenas entregar e correr para casa, mas é claro que era apenas um desejo meu. — Dei uma olhada em seu histórico da graduação e pelo que vi, está no caminho certo para a psicologia. Dará andamento ou usará a pós para outros fins?

— Filosofia. — Eu concluí, ele meneou a cabeça e conferiu a lista.

— Não dou aula extra para os alunos, mas fico à disposição caso queira ajuda em seus projetos. Seu currículo mostra muito mais que uma jovem em busca de um título para o seu nome, dou valor para os que tem um caminho já definido.

Eu agradeci, não era um costume meu puxar o saco dos professores e não seria diferente agora. O que talvez dificultaria a minha estrada em todo esse semestre, mas o que eu poderia fazer? Minha incapacidade de montar nas pessoas me conduzia ao caminho certo da vida.

Então eu corri, minha vida não se resumia apenas em estudar. O trabalho me esperava sedento da minha pobre vida corrida.

— Como estão as coisas Sarah? Emily me disse que você não para mais em casa, não me deixe preocupada, filha. — Eu revirei os olhos, olhando para parte do céu que eu conseguia ver da minha sala, já que o outro lado era também composto por mais apartamentos.

— Nada com que se preocupar, dei início ao novo semestre e estou trabalhando. Deveria estar preocupada com os meninos que agora a senhora precisa cuidar. — Minha mãe havia se casado pouco tempo antes de eu entrar na faculdade, com um homem alguns anos mais novo e com ele, vieram dois meninos de quatorze anos. — Fique tranquila, não estou me matando lentamente com drogas ou álcool.

Ela suspirou inconformada, Erick era um cara legal, mas para mim, ele não passava de um cara que estava apenas procurando o colo que não teve de sua mãe quando era pequeno. Talvez minha percepção da pessoa que ele era fosse culpa da Psicologia que eu estava estudando e praticando com o estágio no hospital, mas eu também tinha minhas certezas sobre o cara.

— Eles estão crescendo, mas você é minha única filha e preciso ter certeza de que não fará o mesmo que seu pai. Se ele tivesse pego um pouco mais leve... — Outro suspiro, minha mãe se culpavam pela morte do meu pai. Na cabeça dela, se ela tivesse obrigado ele a trabalhar menos e estar mais tempo com a família, ele estaria vivo. Mas ele era militar, então não tínhamos muito o que fazer referente ao trabalho dele.

E por isso não consegui ingressar na faculdade cedo como todos os alunos, passei quatro anos cuidando do luto da minha mãe e do meu. Foram anos difíceis. Mas assim que ela se recuperou e encontrou Erick, eu me mudei e comecei a dar estrada para a minha vida percorrer, mesmo com quatro anos de atraso.

— Está tudo bem, não estou me matando no trabalho e nem na faculdade, mãe, agora preciso ir. Se cuida.

Ela suspirou outra vez e desligou o telefone. Eu não a culpava, além de trabalhar incansavelmente como meu pai, minha aparência fazia com que ela se lembrasse dele constantemente e por isso, seu cuidado redobrava.

E tudo isso piorava quando nos víamos pessoalmente, eu era tão ruiva quanto ele, o que sempre a deixou impressionada. Mas os olhos verdes e as curvas do corpo eram presentes dela, o que me deixava impressionada. Eu poderia ser confundida a qualquer momento com um morango silvestre, de curvatura e cor, éramos como gêmeos.

Joguei a bolsa nas costas e corri para o hospital, o estágio não pagava muito, mas era o suficiente para que eu conseguisse pagar o aluguel do meu apartamento e viver como uma andarilha entre o trabalho e a faculdade. Minha casa quase não me via.

Mergulhei no trabalho como eu mergulhava nos estudos, meus pacientes eram como pequenos potes enfeitados com diversos tipos de cores, cada um com sua particularidade e seus desafios e isso me ajudava a esquecer do mundo exterior.

Conferi a papelada que amontoou no balcão da recepção e corri pelos corredores em busca dos pacientes que a maioria dos profissionais se recusavam a tratar. Era difícil, sim, mas todos eles eram pessoas comuns vivendo suas vidas antes que fossem pegos desprevenidos pelo próprio cérebro.

— Casa, conhece essa palavra, Sarah? — Eu ignorei, não importava quantas horas eu passasse dentro da ala psiquiátrica, nunca parecia ser tempo suficiente. — Se eu te der uma advertência, ficará em casa?

— Definitivamente não. — Respondi continuando minha ronda enquanto Michael me perseguia pelo corredor.

— Então vou precisar te dar uma suspensão? Qual é, você é estagiária e não pode passar de seis horas diárias, Sarah, quer que eu perca meu emprego?

— Eu bato o ponto na hora certa de sair e você me paga por fora, como sempre fez. — Não olhei para ele, sabia que estaria com aquela cara de cachorro sem dono para mim, era como se ele não tivesse peito para estar na supervisão se não fosse pelo seu trabalho impecável. — Bom dia, Jack! Como passou essa noite? Tomou o medicamento que a Sra. Jones trouxe para você? 

— Como se fossem balas. — Jack riu, era um senhor com idade avançada e que me ajudava a driblar Michael quando ele teimava em me mandar para casa no início do turno.

— Diga para ela ir embora e descansar Jack, eu ainda vou perder meu emprego por causa disso e quem iria supervisionar essa louca? — Eu respirei fundo antes de fuzilar Mike com os olhos, Jack tossiu após rir um pouco mais.

— Sem essa ruiva, você já teria sido demitido, Dr. Michael.

— Viu só, Jack sabe das coisas e o que prova que seu Alzheimer está um pouco mais controlado! Nem mesmo ele pode contra o senhor, Jack.

— Ok, vocês dois causarão minha demissão. — Mike suspirou derrotado e eu pisquei para Jack. — Mas me sinto no dever de parabenizá-lo, Jack, tem tomado a medicação sem reclamar, um orgulho para a minha psiquiatria.

— Pendure uma placa para mim, Dr. — Ah, eu adorava meu precioso, Jack. — Ruiva, me mande aquele pudim, estou sofrendo de abstinência aqui.

— Pode deixar. — Pisquei outra vez e o deixamos com sua televisão no último volume.

Jack estava em seu último estágio, sabíamos que ele partiria em breve e como sua família havia abandonado ele na porta do hospital, convenci Mike a interná-lo mesmo não tendo como tratá-lo, seus remédios era cápsulas de amido ou algum aglutinado para que não interferisse em seu sistema. E com isso, ele teria um lugar para ficar. Ele não precisaria morrer abandonado em alguma calçada, poderíamos dar a ele um lugar digno e muitos cuidados antes que partisse. Sua melhora repentina apenas indicava o óbvio, logo o perderíamos.

— Me mate, Sarah. — Mike passou as mãos pelos cabelos castanhos antes de voltar a me encarar preocupado. — Você precisa ir para casa e eu preciso ter paz.

Eu ri e continuei meu passeio pela ala, não seria hoje que ele me tiraria daqui a gritos.

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