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"Quando o Raul e eu nos conhecemos, numa festa de um amigo em comum, eu não poderia imaginar que iríamos além de um beijo. Quero dizer, o Raul era esquisito demais! Com aquelas roupas surradas, o cabelo emaranhado e a boca volumosa devido ao aparelho...

Pensou? Pois bem! Eu não sei o que vi nele para aceitar um beijo.

Na verdade, talvez eu saiba sim. Por eu estar usando um mini vestido, o qual o meu pai me mataria se me visse usando, acabei por chamar a atenção de moleques idiotas e que só pensavam em sexo. Passei a maior parte da noite sentada, devido ao vexame. Foi então que o Raul se aproximou, na tentativa de conversar.

A princípio, eu me contive.

Eu sabia as palavras que ele usaria:

"Vamos para um lugar mais reservado?"

"E aí, gatinha? Namora?"

"Bem gostosa essa sua bunda neste vestido, hein?"

Contudo, o que o Raul disse, me deixou surpresa:

"Gostaria que soubesse que você é a garota, a qual mais me chamou atenção nesta festa, com o seu sorriso fofo e a delicadeza em seus movimentos."

Esta tática era nova, o que ele estava tentando fazer?

"Posso ficar aqui?" — ele perguntou após o meu silêncio.

Aquelas palavras foram as mais fofas que eu já ouvira, no auge dos meus dezoito anos. Concordei em deixa-lo ficar sentado comigo, a partir daí conversamos por horas. Após a festa, trocamos nossos contatos para nos conhecermos melhor.

A partir dali, tudo aconteceu muito rápido. De um beijo, para um pedido de namoro oficial. Do namoro para um noivado e em menos de dois anos, estávamos nos casando com a jura de:

"Estaremos juntos,

na alegria e na tristeza.

Na saúde e na doença.

Na riqueza e na pobreza.

Até o fim de nossas vidas."

O tempo foi ótimo para o Raul e para mim, mudamos nossos estilos de roupas e vi o meu querido esposo, ir de um jovem desarrumado para um homem de vinte e cinco anos, elegante, bem-arrumado e apto para o perfil de um corretor de imóveis — este é o ramo da empresa do pai dele.

Apesar de eu escutar muito das pessoas alheias, de que me envolvi rápido demais e me "enforquei" no casamento muito cedo, sempre tive a certeza da minha escolha: encontrei o homem ideal, o qual quero passar o resto da minha vida.

O Raul é inteligente, engraçado no seu senso de humor, educado, responsável e obstinado em seus objetivos. Tudo isso só melhorou quando ele começou a malhar e triplicou de massa muscular, eu até teria me sentido enciumada, se não fosse pelo fato de que eu me tornei uma mulher boa para c@ra/ho!

Auto estima é tudo, né? Mas é a verdade, sempre fui uma garota vaidosa e o tempo só tem melhorado, seguindo a risca uma boa dieta e malhando, as roupas de marca caem muito bem em mim.

Neste meio tempo, ainda recém-casados, tive a notícia de que estava grávida. Oh! Sim! Com dois anos morando juntos, agora a família iria aumentar. Nosso filho, Pietro Veiga Lacerda, nasceu saudável e lindo, a alegria de casa.

Tudo estava indo muito bem, até que meu sogro, Laércio Lacerda, faleceu e deixou um vazio em nossos corações. Além disso, deixou os negócios imobiliários da família para o Raul — pois ele é filho único — junto com uma dívida milionária o qual veio a tona em poucos meses. Pelo que entendemos, o meu falecido sogro perdeu o domínio sobre as finanças da imobiliária e começou a se atolar de dívidas, mas por orgulho ocultou isso até a sua morte.

Lembro-me como se fosse hoje, o quanto isso trouxe um abalo para o Raul e eu. Ainda que fosse vendido a empresa, o valor não seria suficiente para saldar as dívidas escondidas de baixo do tapete, então a decisão mais sábia foi salvar a imobiliária. Infelizmente, isso trouxe consequências cruciais para o nosso casamento.

A primeira crise matrimonial, foi na área financeira. De quinze funcionários, o corte de gastos poupou apenas três profissionais, um deles sendo o Raul. Desta forma, é notório o que houve, entramos em falência da empresa e de nossa casa.

Decisões ruins, exigem posicionamentos imediatos!

A medida que tomamos?

Bom, o Raul não podia abandonar a empresa naquele momento, sendo assim, me ofereci a trabalhar na empresa dos meus pais. Por nome, Doce Lar, a empresa produz vassouras, rodos e acessórios de limpeza para as casas e fornece para o país todo. Com o diploma de faculdade em administração, vi este momento sendo ideal para pôr em prática os meus saberes.

Oito anos depois, conseguimos sair do fundo do poço. O Raul conseguiu reerguer a empresa e quitar todas as suas dívidas, fazendo com que o capital girasse e novos clientes se achegassem."

— Eu sei da história toda, Laura. É muito lindo a sua trajetória com o Raul, mas é difícil para mim, ter esperança agora. — a minha amiga Karina, interrompe a minha narrativa. Ela usa a mão direita para seca algumas lágrimas teimosas que molham o seu rosto e funga.

Puxo as suas mãos sobre a mesa, segurando-as firmemente, fazendo com que ela me olhe.

A Karina é uma amiga de faculdade, a qual levo para a minha vida desde então. Infelizmente, o esposo dela perdeu o emprego após um acidente de carro e não consegue arrumar um novo trabalho, fazendo com que ela se sobrecarregue com as despesas da casa.

— As circunstâncias difíceis vêm para todos, mas não são para sempre, Karina. — começo a falar, num tom calmo — Esta situação vai mudar e vocês vão ficar bem novamente. Mas para isso, você precisa ser forte.

— O Adriano está tão desanimado com isso, eu nem sei como anima-lo. — ela desabafa.

— Você pode fazer isso, tendo fé. E isso não é algo dito da boca para fora, mas através de seu modo de agir. — explico — Vocês juraram estar juntos nos bons e maus momentos, é hora de pôr em prática.

A mulher concorda com um movimento de cabeça.

— Eu acredito que daqui a um tempo vocês olharam para trás e até irão rir do que aconteceu. Entretanto, para isso acontecer vocês não podem desistir. — acrescento.

— É difícil ter este posicionamento. — Karina diz num suspiro.

— Eu sei, Ká. Mas não é impossível. — lembro.

— Tudo bem, vou procurar manter a cabeça erguida diante deste momento. — a Karina arruma a sua postura na cadeira.

Sorrio com as suas palavras.

— É bom ter uma amiga assim como você. — ela sorri — Você é uma inspiração, Laura.

Sorrio novamente, em agradecimento.

— É o que dizem, não é? Gerar um testemunho dói. — recito a frase que li uns dias atrás em uma publicação na rede social.

— Sim, para todo o propósito, um processo. — Karina acrescenta.

— Exato! — concordo.

.....

— Tchau, Karina! Qualquer coisa, é só me ligar. — digo em despedida, quando deixo a minha amiga em sua casa.

— Pode deixar. — ela acena — Obrigada pelo jantar.

— Não há de quê. — nos despedimos e saio com o carro, em direção a casa dos meus pais para buscar o Pietro.

Não tenho todo o tempo do mundo disponível, mas quando algum familiar ou amigos precisam de mim, eu disponho deste tempo. No final, eu carrego esperança de dias melhores, então gosto de compartilhar isso com aqueles que precisam.

A Karina é uma amiga especial, o Raul e eu fomos padrinhos em seu casamento, enquanto ela com o Adriano, são os padrinhos de batismo do meu filho Pietro. Eu adoraria que o Raul dispusesse de um tempo para conversar com o Adriano, neste momento difícil, mas devido ao trabalho isso não pode acontecer.

A forma como o Raul vive para a empresa traz um incômodo muito grande em mim. O tempo passa cada vez mais rápido e não temos mais momentos em família, muito menos um tempo de qualidade para o casal.

Este é outro obstáculo que comecei a enfrentar nos últimos anos, antes era uma questão de reerguer a empresa e nos estabilizar, mas agora é uma obsessão surreal do Raul que tem nos distanciado.

Tenho fé que este momento irá passar, logo, será um novo testemunho de vida para as demais pessoas. Até lá, preciso respirar e manter a calma!

.....

Quando cheguei na casa dos meus pais, entrei para conversarmos um pouco e logo, avisei que já iria embora. O Pietro dormiu antes de eu chegar, o meu pai faz o favor de ir busca-lo no quarto.

— Da próxima vez, o Pietro irá dormir aqui. — a minha mãe, Sandra, avisa — Você não faz ideia do quanto esta casa imensa dobra de tamanho, quando estamos sozinhos.

— Nem parece que os meninos moram aqui. — afirmo.

Eu cresci num lar repleto de homens — três irmãos para ser exata, e apenas eu de filha. Apesar de eu ser a caçula, o meu irmão primogênito, Leonardo e eu fomos os únicos a sair de casa, pois, os gêmeos Luís e Lorenzo, permanecem na casa dos meus pais.

— Agora, nesta vida de festas, eles passam a noite com mulheres. — a minha mãe faz uma careta de desaprovação.

— O Luís me contou estar namorando sério. — digo.

— Sim. — a minha mãe concorda — A propósito, ele irá trazê-la no domingo para um almoço, assim podemos nos conhecer.

— Adoro almoços em família. — sorrio.

— Eu sei, é uma ocasião perfeita para conhecermos a namorada da vez. — sinto um tom de indiferença na voz dela — Vocês virão?

— É claro que sim, não iremos faltar. — aviso.

.....

22:40

Na volta para casa, vim apressada para não chegar antes do Raul. No entanto, depois de uma hora e meia desde que cheguei, coloquei o Pietro em seu quarto e tomei um relaxante banho, o Raul chega em casa.

— Isso são horas? — questiono, ao descer os últimos degraus da escada, me deparando com o Raul tirando a sua gravata e deixando a pasta de trabalho numa mesa da sala de visitas.

— Boa noite, Laura. — ele me cumprimenta, ignorando a minha fala.

— Boa noite. — respondo contragosto — Isso são horas? — repito a pergunta.

— Eu estava no trabalho, amor. — ele lembra.

— A imobiliária fecha às 18h e hoje é sexta-feira, não acha que extrapolou o horário? — cruzo os braços, parando em sua frente.

— Eu precisava deixar adiantado o trabalho de segunda-feira. — ele responde.

— Pois bem, o trabalho de segunda-feira. Seria mais conveniente você trabalhar o trabalho de hoje e não o da semana que vêm. — digo contrária — E se você não estar vivo na semana que vem?

— Pelo menos deixei adiantado o serviço. — Raul responde, indiferente.

Solto um suspiro de frustração.

— Laura, amor, eu só quero comer algo, tomar um banho e dormir. — ele se aproxima, com uma das mãos segura o meu rosto e une os nossos lábios num beijo rápido.

— Tudo bem. — dou de ombros.

— O Pietro já está dormindo? — ele pergunta, ao se afastar e caminhando em direção a cozinha.

— Sim, já está tarde para ele ficar acordado. — respondo.

— Mal vi ele durante a semana. — Raul murmura.

— Amanhã você pode compensar o tempo de atraso. — falo, vindo logo após ele.

Observo quando o Raul se aproxima da mesa, onde está a caixa de pizza que comprei para ele jantar.

— Se sobrar tempo... — Raul diz, mordendo um pedaço da pizza.

— Amanhã a imobiliária está fechada. — afirmo.

— Sim, mas tenho alguns contratos para revisar. — Raul explica.

— Mais trabalho? — pergunto intrigada.

— Eu trouxe eles em minha maleta, ficarei em casa...

— Enfiado no escritório. — completo a frase, irritada.

— Você não queria que eu ficasse em casa? Pois bem, eu estarei. — Raul levanta o olhar para mim.

— Deixa eu lembrá-lo que você me prometeu que só traria o trabalho para casa, quando estivesse sobrecarregado. — lembro.

— E eu estou. — Raul concorda.

— Mas você ficou até mais tarde na empresa, para adiantar o serviço de segunda-feira. Estas foram as suas palavras. — digo.

O meu esposo pega mais um pedaço de pizza, caminha até mim e então fala:

— Os negócios imobiliários nunca acabam, amor. — ele passa por mim — Vou tomar um banho, te encontro na cama.

Então, fico sozinha na cozinha. Um sentimento de mágoa preenche o meu coração.

O seu trabalho pode até não acabar, Raul, mas a minha paciência sim!

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