Capítulo quatro

Era uma manhã chuvosa. Giovana estava parada na janela do hotel onde havia se hospedado no dia anterior. Por pior que pudesse estar se sentindo, ela sabia que precisava ser forte e encarar a realidade. Estava sozinha, sem marido e sem a única família que tinha. Gina estava partindo. 

Enquanto se vestia para ir ao funeral da sua irmã, imaginou encontrando-se com Antony no cemitério. Giovana já havia imaginado a cena em sua mente. Ele a surpreenderia diante do caixão, fingiria que não se importava, abraçaria Irma e partiria. Podia até sentir o desprezo correr pelas suas veias. Mas, no fundo, ela não acreditava que ele iria até lá. Antony nunca se importou com nada que envolvesse a vida dela durante aqueles três longos anos de casamento, certamente não se importaria agora. 

Os portões do cemitério estavam abertos. Ela correu os olhos por meia dúzia de veículos estacionados, procurando pelo carro de Antony, e ficou sem fôlego quando não o viu. 

Antony não estava ali. 

Pensou nos anos de sofrimento que havia passado ao lado dele e que isso havia chegado ao fim. Giovana deveria estar feliz, mas não conseguia imaginar uma vida sem Antony. 

À medida que ela se aproximava do funeral, viu pessoas conhecidas. Tentou esconder a sensação incômoda no estômago em se encontrar com a família da sua mãe novamente. 

— Bom reencontrá-la, Giovanna – seu avô parecia ser o único que demonstrava felicidade em vê-la novamente. 

Irma nunca amou Giovanna, mesmo sendo sangue do seu sangue. Desnecessário dizer que depois do nascimento de Giovanna, ela descontava toda a sua raiva na pobre criança, por ser filha de um homem que a abandonou ainda na gestação. Rancor parecia um sentimento comum naquela família. O pai que Giovana nunca conheceu era um homem rico, porém casado, que viu em Irma uma aventura para o tédio do próprio casamento. Mas o que Irma não imaginava era que o golpe da barriga não funcionaria com ele, e o homem a abandonaria. Certamente essa fosse a razão por trás do rancor dela. Giovana podia até imaginar que Irma simplesmente não conseguira lidar com a rejeição. 

— Onde está Antony? – O avô perguntou, lançando um olhar sardônico, ao perceber que não havia mais ninguém com ela. Giovanna até tentou arrumar uma desculpa para tentar justificar a ausência dele, mas não estava com vontade de mentir. 

— Antony perdeu o pai recentemente – ela o lembrou do fato –, ele já tem a própria dor para lidar. 

— O velho Nicolau morreu? – Giovanna até se esquecera de que o avô tinha Alzheimer. 

— Sim, vovô – ela o abraçou e quase chorou por se ver tanto tempo longe de quem a amava de verdade –, direi ao Antony que mandou lembranças. 

Assim que entrou na capela, onde o corpo de Gina era velado, Giovanna avistou Irma debruçada sobre o corpo da filha. Muitas pessoas trouxeram flores para Gina, e havia artigos religiosos para homenagear a falecida. Mas Giovana não teve tempo de se aproximar do caixão. 

— Assassina – Irma não se importou se ali concentrava-se a alta classe média da cidade, o único motivo dela era humilhar Giovanna –, nunca suportou a ideia de Gina ser mais bonita e inteligente do que ela, foi se fingindo de boa irmã, mas a abandonou no leito da morte. 

Giovana olhou ao redor e viu olhares julgadores e horrorizados com aquela história absurda que Irma contava. 

— Você está ficando louca, Irma? – Sussurrou – Me deixe despedir da Gina em paz. 

— O único lugar para o qual você deve ir é para a cadeia. 

Giovanna quis romper na multidão e se aproximar do caixão de Gina, mas sentiu uma mão segurar pelo seu braço e a arrastar para fora, como se ela fosse uma intrusa. 

— Me solte imediatamente – olhou para o homem, mas não o reconhecia. Aliás, havia muitos rostos desconhecidos que Giovanna não tinha ideia de quem eram. 

Giovanna estava chocada e por um momento ficou completamente paralisada, sem conseguir esboçar qualquer reação. 

— Pare com isso, Irma – Giovanna a repreendeu quando viu a mulher se aproximar –, essa história que você está contando é um absurdo. Deixe-me despedir da Gina. 

Ainda que a história realmente parecesse um absurdo, Giovanna sabia que boa parte do que Irma havia falado era verdade, mas ela jamais transformaria o funeral da própria irmã em um palco para Irma se autopromover. 

— Será que está ficando louca, Giovanna? – Irma sempre conseguia inverter toda a situação –, não se lembra do que aconteceu? 

A chuva agora estava mais constante, fazendo Giovanna ficar completamente ensopada. Tentou se aproximar novamente, em um ato desesperado, para se despedir da irmã, mas foi empurrada pelo homem, perdendo o equilíbrio e caindo em uma poça de lama. Giovanna sentia-se humilhada. Todos a olhavam com reprovação. 

Giovanna já estava pronta para se levantar e enfrentar todos ali para despedir-se a Gina, mas ao se virar foi pega de surpresa. 

Quando Antony havia chegado? 

Ele estava parado bem perto dela, vestido de preto, com o rosto sombrio e frio. Seus olhos pousaram nos dela, porém sua expressão era profunda demais para que ela conseguisse distinguir qualquer emoção no momento. 

— Vamos embora – ordenou em voz baixa e profunda. 

— Eu tenho o direito de me despedir da minha irmã – uma lágrima se misturou com os pingos que ensopavam o seu rosto. 

— Concordo com você – Antony concordava com ela? –, mas deveria conhecer a sua mãe o suficiente para saber que quando o assunto envolve você, não há limites para a maldade. 

Antony estava ali defendendo ela? 

— Temos assuntos para tratar – ele a encarou com o olhar frio e Giovanna ficou sem palavras. 

— Não tenho assunto nenhum com você. Estamos divorciados? 

— Eu vim te salvar da humilhação. 

Então Antony a segurou pela mão e saiu puxando Giovanna, mesmo contra a vontade dela, para longe do funeral. 

— Eu não preciso ser salva – se soltou, caminhou para longe dele –, não mais por você. 

Antony considerou detê-la, mas antes que conseguisse, um carro parou ao lado de Giovana a levando para longe dali. 

No carro estava Xavier, o advogado de Nicolau. O único som que se ouvia era o tamborilar da chuva batendo contra as janelas, enquanto a atmosfera ficava fria e misteriosa. 

O carro parou em frente a uma casa e o silêncio foi rompido. 

— Eu sinto muito por tudo o que vem acontecendo, Giovana. 

— Onde estamos? – Indagou ela, olhando para o imóvel, aparentemente abandonado. 

— Nicolau previu que assim que morresse, Antony pediria o divórcio – Xavier tirou alguns documentos da maleta que estava no banco de trás –, então ele garantiu que você não ficasse desamparada. 

Deu a ela um envelope. 

— Essa casa é sua a partir de agora, e cinquenta por cento das ações da empresa do Antony também. 

— Antony me disse que eu não ficaria com nada – ela se lembrou das palavras do ex-marido, repetidas tantas vezes. 

— Leia a carta que o Nicolau deixou para você e entenderá tudo. 

Sem ideia sobre o que se passava, Giovanna apenas assentiu com a cabeça e concordou com ela. Desceu do carro e se direcionou até a casa. Apesar do cheiro de desinfetante a deixar bastante incomodada, ela percebeu que a casa estava mobiliada e limpa. 

Uma ruga se formou na testa dela. Giovanna olhou para o envelope completamente, confusa. O que poderia estar escrito ali que Xavier não pudesse lhe dizer pessoalmente? Demorou para pegar o papel e abri-lo. Ela sempre se admirava com a boa grafia que o Nicolau tinha. Uma carta escrita à mão. 

Querida Giovanna, 

Quando lhe fiz o pedido para se casar com um desconhecido, mesmo ele sendo o meu filho, eu não imaginei o quanto seria difícil e doloroso esse casamento para você. Eu não sabia que você viveria em um inferno, mas eu sabia que só você teria as habilidades e as qualidades para mudar o coração de gelo do meu querido Antony. Você sempre foi a mulher perfeita para ele. Mas ele nunca mereceu o seu amor e eu descobri isso tarde demais. Eu conheço o Antony tão bem para saber que ele jamais lhe confessaria amor, e a trataria com arrogância e frieza até o último dia da minha vida. Que você possa me perdoar pelo horrível erro que culminou em tanto sofrimento. Sabendo da possibilidade do divórcio depois da minha morte, te darei parte da minha herança e direitos que qualquer filho meu teria. Essa casa, e tudo o que há nela é seu. A empresa também será sua. Que um dia você possa encontrar o amor e que esse homem a respeite e a trate com a dignidade que você merece. Que você seja feliz, querida Giovana e jamais se esqueça o quanto eu a amei. 

Com amor, Nicolau 

Giovanna segurava o papel, sentindo uma súbita rajada de dor no coração, como se tivesse sido perfurada um milhão de vezes. As lágrimas brotaram do canto do seu rosto, mas ela logo as controlou. Voltou a dobrar o papel e o enfiou de volta ao envelope. 

Se levantou. Pegou o envelope, tirou o anel do dedo, pousou em cima da mesa e partiu. Não importava mais, e Giovanna levaria aquele fim como a mais dolorosa lição. 

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