9. Christofer Me Salvou de Novo

Luciana

Os momentos seguintes foram bem tristes. Ela gritava sobre o que seus pais iam pensar, o que iam fazer quando soubessem, como ela iria criar a criança, etc. Eu a abracei e fui dando saídas para todas as perguntas dela.

Como ela iria criar o bebê? Com apoio da família e da amiga, com suporte médico e tudo mais.

O que os pais iam pensar? Teriam que aceitar.

É claro que eu estava no chão com a novidade, mas eu não podia demonstrar. Não queria deixá-la ainda mais nervosa.

— Amiga, temos que contatar o pai da criança. — Falei. — Ele tem que saber.

— Não posso. — Ela ficou nervosa. Tremia. Eu nunca vi Alessandra desse jeito, ela parecia ser sempre tão forte e tão bem resolvida!

— Por quê? — Perguntei.

Ela suspirou e mordeu o lábio. Era um daqueles momentos em que ela percebeu que não ia conseguir enrolar, e que não adiantaria caso fizesse. Por sorte, ela era objetiva, e já cuspiu a verdade de uma vez:

— Porque o pai da criança é meu primo.

— De segundo grau? — Tentei amenizar.

— Primeiro. — Ela disse.

A história só piorava. Tentei não fazer alarde para não deixá-la mais nervosa. Busquei um refrigerante para ela e jurei que ia ficar tudo bem. Assimilei aquelas informações ao longo das horas seguintes. Mas, a grande questão era:

Por que Diabos essa vaca não me falou que transou com o primo?

Não é como se eu tivesse sumido, eu estive aqui o tempo todo. Vaca. Não há outro nome para chamá-la.

Bem, passada minha raiva interna, refleti sobre a situação dela. Não tem problema, pensei. Não é um laço sanguíneo tão forte. Foi o que falei para Alessandra todo o tempo enquanto ela roía as unhas olhando a TV.

Acabamos assistindo o fantástico. Meu Otávio estava incrível naquele meio minuto que passou falando sobre as dificuldades de desenvolver uma vacina. Desde que eu soube que ele fazia entrevistas frequentemente, virei espectadora assídua do programa.

Alessandra ficou murmurando sobre não poder contar ao seu primo sobre a gravidez, muito menos aos seus pais, e estava super deprimida, pensando alto a todo momento.

— Alessandra Giorgina, já chega! — Falei com autoridade. — Você vai contar a verdade ao infeliz, sim. Você não fez o bebê com o dedo, ele tem responsabilidades!

— E o que vai adiantar? — Ela gritou. — Ele não pode reconhecer esse filho.

— Por quê? O que tem de especial nesse primo? — Coloquei as mãos nas cadeiras, desafiando-a a me surpreender.

— Ele é casado, Lu. — Ela disse.

— Inferno. — Murmurei, depois me lembrei que sou católica. Porém, depois me perdoei porque sou não-praticante. Enfim, mais uma notícia bombástica.

A vida da Alessandra era bem agitada e ela sabia esconder bem. Será que ela não me considerava uma amiga de confiança? Será que eu não transmitia segurança a ela?

Oh, já sei.

Ela tinha medo de julgamentos.

Mas eu nunca julguei nada do que ela fez ou deixou de fazer. Porém, não posso negar que a notícia me impactou completamente.

Na segunda-feira, não fomos à aula. Pela tarde, paramos em um mercado para fazer compras e eu a vi pegando chá de canela para tomar numa prateleira.

— Clássico. — Comentei.

— Ai, amiga, me apoia! — Ela pediu.

— Eu apoio, mas não às escondidas. E se você passar mal fazendo isso, o que eu faço? Eu te adoro, mas eu não sou médica. Se você quer ir a uma clínica, a gente faz uma viagem ao Uruguai. Mas, tente fazer as coisas sem se esconder, amiga. — Falei. Nunca sou madura em relação aos meus assuntos, mas tratando-se dela eu parecia uma mãe preocupada.

— Eu escondo muita coisa de você, não é? — Ela falou. Meu Deus, a sonsa lê pensamentos agora.

Pude ver seus olhos avermelhados, as lágrimas caindo sobre suas sardas, a vergonha explícita. Ela continuou:

 — Eu vou contar a ele. Não é justo eu tentar não prejudicar o casamento dele, já está destruído.

— Exatamente. — Fiquei orgulhosa da conclusão dela. Alessandra já estava evoluindo muito me contando tanta coisa em tão pouco tempo, eu ia aguardar que ela se abrisse aos poucos, se é que tinha mais algum segredo escondido. Ela ligou para o seu primo e disse que precisava conversar urgentemente. Ele não morava tão longe.

Passado isso, ela suspirou e começou a me contar a verdade:

— Minha prima, Nádia, é irmã dele. Eu tinha ido visitá-la porque ela tinha acabado de tirar o apêndice e queria um pouco de companhia. Ele estava lá, também, e a esposa não tinha ido. Gustavo é um daqueles caras que acha que a esposa é só alguém para manter a casa em ordem e que o casamento não traz nenhuma obrigação social. Acabamos bebendo demais, e quando Nádia dormiu, aconteceu.

— Mas vocês não usaram camisinha? — Perguntei, mesmo sabendo a resposta.

— É claro que não.

— E por quê? — Insisti.

— Eu estava completamente bêbada, Luci. Não me julgue, por favor. — Ela fez uma cara aborrecida.

— Não estou julgando, eu quero só entender. E te entendo. — Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha dela. Eu não ia falar sobre doenças, ela já devia ter se martirizado sobre isso o bastante. E sei que ela sabia bem sobre isso, pois tirou uma nota excelente em biologia no vestibular.

— A gente não tinha se pegado antes, não sei. Foi doideira. — Disse a ruiva.

— Vai dar tudo certo, amiga. Você vai esclarecer tudo, vai dizer a ele o que quer fazer e depois contaremos aos seus pais. Não é decepção para ninguém.

— Obrigada, Luci. — Ela me abraçou tão forte que senti o coração quente. Algo me dizia que ela já tinha aquela suspeita há algum tempo, pois aceitou rapidamente o destino. Ela não parecia estar naquele dilema de ter ou não ter.

Acho que ela estava falando de intoxicação alimentar para dar uma contornada na mãe. Será?

Bem, Alessandra tinha combinado uma conversa com seu primo e eu fiz questão de estar junto.

Fomos a um bar para que Alessandra e o pai do seu filho conversassem em paz. Era estranho pensar assim, mas eu me acostumei rápido. Queria muito ser tia. Eu amava crianças e tinha um sonho de ser mãe depois de me formar e trabalhar com pedagogia.

Era um sonho bobo, mas era meu.

Eu ficaria olhando de longe para garantir que aquele idiota do primo dela não ia fazer nada errado. Sentei-me à mesa e pedi um Sex on The Beach para fingir que não estava observando o casal. Tentei parecer um daqueles artistas boêmios que só encontram na bebida a solução para seus problemas. Nesse meio tempo, meu celular tocou.

— Alô? — Falei, sem nem ver quem era. Poucas pessoas me ligavam: minha mãe e… Bem, só minha mãe mesmo. Alessandra também, mas, em geral, ela simplesmente brotava na porta da minha casa quando queria. De resto, ninguém mais me ligava.

— Oi, Luci. — Era aquela voz que abala todas as estruturas de uma mulher. Chris. Mesmo naquele clima tenso eu senti meu coração derreter um pouco. — Posso te ver hoje?

— Ah, Chris... — Cocei a cabeça e olhei em volta. — Desculpa. Eu estou realmente passando por um problema. — Comentei, vendo que o tal Gustavo (o pai do filho da Alessandra) havia chegado. Era um cara alto, ruivo (como ela) e usava camisa social. Tinha cara de advogado. Parecia um pouco arrogante e impaciente, como se tivesse pouco tempo para tudo em sua agenda.

— Está tudo bem? — Christofer notou que minha voz ficou tenebrosa. — Precisa de alguma coisa?

— Não. — Comentei, lançando mais um olhar para Alessandra, e notei que a conversa deles não fluía muito bem. Gustavo começou a tremer a perna tão logo minha amiga começou a falar. Ele estava nervoso e se sentindo perseguido. Provavelmente Alessandra já tinha jogado a verdade nua e crua logo de cara.

— Você está estranha. — Christofer comentou. — Bem, estou ligando porque você deixou a carteirinha da faculdade no meu carro. Provavelmente caiu do bolso.

Essa carteirinha era a que liberava nosso acesso ao prédio. Sem ela, eu teria que pedir outra na secretaria.

— Ah, não! — Dei um tapa na minha testa. Eu já tinha algumas faltas e provavelmente teria muitas outras com essa questão da Alessandra, então precisava da carteirinha urgentemente para não ultrapassar o limite do semestre. — Pior que não posso buscar agora.

— Eu sei, é por isso que estou aqui perto da sua casa. — Ele falou. Realmente, pelo chiado ele parecia estar na rua.

— Você está de carro? — Perguntei.

— Sim. — Ele respondeu.

Mandei para ele a minha localização por algumas horas, porque já já eu sairia daquele bar e levaria Alessandra junto. O tal Gustavo estava gritando com ela.

— Eu falei que ia dar merda! — Ele gesticulava.

— Mas eu não te obriguei a nada! — Ela se defendia, e todos no bar ficavam olhando.

— Você é maluca! — Gustavo socou a mesa, provocando um susto em Alessandra.

— Sei. — A ruiva virou o rosto, rindo sarcasticamente e se levantando para ir ao banheiro. — As mulheres sempre são malucas.

Eu estava me tremendo de nervosismo. Gustavo, então, parecia estar tendo uma crise de pânico. Levantei-me e fui ao toalete ver como ela estava. Alessandra lavou as mãos e as secou, tocou as têmporas e a testa e ficou olhando-se no espelho, pensando no que fazer.

— Vamos embora. — Falei, indo de encontro a ela. — Você já disse a verdade, ele já sabe de tudo. Agora vamos contar aos seus pais e vamos fazer isso direito.

— Grava tudo. — Ela disse.

— Por quê? — Ah, meu Deus. Minha amiga queria brigar. Socorro.

— Vou contar para a esposa dele que estou grávida através de um vídeo. De outra forma ela não vai acreditar. — Concluiu Alessandra.

— Alê, o cara me parece meio surtado. — Suspirei. — Você não tem que provar nada a ninguém, já cumpriu seu dever moral e agora temos que falar com seus pais. É isso.

— Grave tudo. — Ela saiu do banheiro antes que eu pudesse reivindicar. Eu sabia que ia dar merda isso. Alessandra se sentou perto dele de novo, começando a falar alto para que eu capturasse o áudio. — Então, você não vai assumir o nosso filho?

— Merda. — Murmurei, gravando com aquele celular xexelento. O vídeo ficaria uma bosta por natureza, e eu ainda piorava tudo por ficar tremendo.

— Eu sou muito novo para ser pai, Alessandra! Você tinha que ter se cuidado melhor. Isso se for minha essa criança! — Gustavo falou. Eu abominava esse infeliz.

— Aham, sei! — Ela debochou. — Eu não fiz com o dedo! — Essa última frase foi bem alta e o pessoal do bar, que já olhava discretamente, começou a se cutucar entre si, apontando a discussão.

— Eu sabia que você queria me ferrar! Eu não quero criança e pronto e acabou! — Gustavo falava com completa agressividade.

— Eu também não estou procurando marido. Mas a criança existe e você tem que assumir suas responsabilidades! — Alessandra meteu o indicador na mesa.

— Tá maluca? — Ele deu um tapa na mesa uma segunda vez, fazendo com que todos os copos tremessem. Alessandra observou bem aquele gesto brusco e o olhou com ainda mais desprezo. — Não vou ser pai, você é louca!

 Ele se levantou para ir embora, mas Alessandra estava com o demônio no corpo.

— Eu vou ter que m****r o ultrassom para os meus tios?

Gustavo parou e se virou, apontando o dedo no rosto dela. E ninguém fazia nada.

— Fica longe da minha casa e da minha família! — Ele esbravejou agressivamente.

Parei de filmar na hora, enviei o vídeo para ela no w******p antes de qualquer outra coisa e fui até a mesa deles.

— Já chega disso! — Eu me intrometi e fiquei na frente da minha amiga.

— Não se meta! Quem é você? — Gustavo começou a me peitar. Ele estava se sentindo coagido e entendi que o melhor era apaziguar a situação.

— Eu sou amiga dela e vou levá-la para casa, está bem? Vamos, Alê. — Ignorei o peito de pombo dele estufado diante de mim.

Puxei Alessandra pelo braço e a afastei daquele homem grosseiro e ignorante. Eu sou muito medrosa, mas para proteger minha amiga, eu crio forças.

Naquele momento, saímos do bar e senti a brisa marítima atingir meu rosto. Foi bom para aliviar o clima tenso.

Oh, é verdade. O Christofer ia me encontrar. Meu celular vibrava, mas eu ignorei completamente, só queria ir para algum lugar distante e chamar o chofer.

Quando olhei para a rua, vi meu lindo professor de beijos se aproximando. Ele acenou, atravessando na faixa. Provavelmente tinha acabado de estacionar e vinha nos encontrar para me entregar a carteirinha. Acenei de volta para ele, quase pedindo socorro com o olhar para que ele me ajudasse a arrancar Alessandra dali antes que acontecesse alguma desgraça.

Enquanto observava Christofer, eu me descuidei de Alessandra. Orgulhosa, ela virou de costas e bradou a Gustavo:

— Ela gravou o que você fez, seu babaca! Isso não vai ficar assim!

— Alessandra! — Gritei, imaginando a merda que isso ia causar.

A ira inflou os pulmões daquele homem. Como um astro do futebol americano, Gustavo avançou sobre mim com a delicadeza de um touro e me impeliu com seu antebraço. Eu caí para trás e bati o cotovelo e os quadris na calçada portuguesa. Doeu muito.

Gustavo pegou minha bolsa e arrancou o celular de lá, quebrando-o completamente ao arremessá-lo no chão. Depois o pisoteou.

As pessoas no bar não fizeram nada, só ficaram olhando.

Eu fiquei caída no chão, observando o quanto era inútil aquele show, já que eu já tinha mandado o vídeo para Alessandra.

Enquanto Gustavo pisava no meu telefone, gastando toda a sua fúria no objeto até torná-lo um amontoado de componentes eletrônicos, alguém tocou no ombro daquele monstro asqueroso. Quando Gustavo se virou para olhar, tomou um soco tão forte que sua saliva voou na mesa ao lado. Gustavo caiu e atingiu o chão batendo a costela num banquinho que ele mesmo derrubou. Ficou sem ar. Aí, sim, as pessoas foram agir.

— Você é muito valente com mulheres. — Disse Christofer, parado, massageando os ossos da mão após quebrar o nariz de Gustavo.

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