Mundo ficciónIniciar sesiónEu estava ansiosa demais para dormir. Levantei da cama antes mesmo do despertador tocar. O céu ainda estava escuro.
Escolhi algo composto. Não queria que meus traços brasileiros chamassem atenção ali dentro. Na Coreia, o padrão de beleza era outro ,e eu sabia bem disso. Aqui, mulheres delicadas, de rosto fino, corpo esguio e movimentos sutis são vistas como ideais. E eu? Eu era o oposto disso. Meus quadris largos e as coxas grossas não passavam despercebidos. O bumbum avantajado, a cintura fina e os lábios naturalmente carnudos faziam com que, no Brasil, eu fosse considerada uma verdadeira musa. Mas ali, tudo isso me colocava fora do padrão. Não que eu me importasse tanto assim com isso… mas também não queria ser o centro das atenções por algo que nunca escolhi. Por isso, optei por um visual mais neutro, mais “comportado” Amarrei o meu cabelo preto e ondulado num rabo de cavalo baixo e desfiei um pouco a franja para suavizar o rosto. Coloquei uma camisa branca, uma saia preta na altura do joelho, um blazer estruturado ,coloquei com meu escarpim nude preferido , fiz uma maquiagem discreta e peguei minha bolsa favorita, respirei fundo e fui. Quando entrei no prédio… meu Deus. Se a sede brasileira da Crystal Joias já era de outro mundo, a de Seul parecia ter saído de um filme futurista. Era imensa, imponente, toda de vidro refletindo o céu cinza da cidade. Um mural enorme com o logo da empresa brilhava logo na entrada. O piso de mármore branco dava uma sensação de pureza e riqueza ao mesmo tempo. A recepção era silenciosa e impecável. Os funcionários pareciam ter saído de um treinamento de elite: todos bem-vestidos, postura ereta, sorriso contido e cordial. Cheguei com quase meia hora de antecedência. Não queria correr nenhum risco de me atrasar. Meu cargo era o mesmo que eu exercia no Brasil, secretária executiva. Mas dessa vez, eu estaria ao lado do presidente da empresa. Sim, o próprio CEO. Meu novo chefe. O nome dele? Lee Yong. Um nome que eu já ouvira em todas as reuniões importantes. Um nome que carregava peso, responsabilidade, respeito… e uma boa dose de mistério. Fui conduzida até o 21º andar por uma funcionária da equipe de RH. A sala dele era no final do corredor, enorme, com vista panorâmica para a cidade. Mas o que me encantou mesmo foi minha sala: ficava logo à frente da dele. Um espaço moderno, bem decorado, com mesa de vidro, cadeiras de couro, um armário embutido e um computador de última geração já me esperando. Mais adiante no corredor, ficava a sala do vice-presidente, Lee Hyun, com quem eu já tinha falado por telefone no dia anterior. Comecei a organizar as coisas. Liguei o computador, separei os papéis da agenda do dia, verifiquei o calendário de reuniões e imprimi algumas pautas importantes. Ainda estava sozinha, então fui até a copa pegar água para deixar sobre a mesa do CEO. Um gesto simples, mas que fazia parte da rotina que eu já conhecia bem. Foi quando voltei que tomei um susto. Uma presença masculina, alta, imponente, estava de costas para mim, olhando pela enorme janela da sala. Ele vestia um terno azul-marinho escuro, perfeitamente alinhado ao corpo largo e atlético. Os cabelos pretos tinham um caimento natural, levemente bagunçados nas pontas, como se ele tivesse acabado de passar a mão. Ombros largos. Postura firme. Eu paralisei. Ele virou devagar. E quando nossos olhos se encontraram, meu coração quase parou. — Bom dia, senhorita Lopes — ele disse, com um tom firme, porém educado. Era ele. Lee Yong. Meu chefe. Aquele homem não era apenas poderoso… ele era bonito de um jeito quase cruel. Tinha um olhar penetrante, difícil de decifrar. Um rosto sério, sem sorrisos gratuitos. Um ar de quem não tolerava erros, nem atrasos. Meu estômago se contorceu, e por um momento, me esqueci até de como se respirava. Antes que eu pudesse responder, ouvi outra voz às minhas costas: — Anne! Bom dia. Virei rápido e reconheci o vice-diretor, Lee Hyun, vindo em minha direção. — Bom dia — respondi, um pouco aliviada. — Me desculpe… achei que havíamos marcado às sete e meia — falei, com um leve tom de confusão. —E marcamos. Você não está atrasada. Só errou a sala. Deveria ter ido para a minha. A forma como ele disse aquilo me fez engolir em seco. Não foi gentil. Nem um pouco. Fiquei paralisada por um segundo, com vontade de sumir no ar. — Ah… me desculpe. É que no Brasil, a gente costuma passar primeiro na sala do CEO — tentei justificar, meio nervosa. Foi aí que os dois se entreolharam. Ele e o CEO. E, pela primeira vez, vi um esboço de sorriso nos lábios do presidente. Ambos assentiram com a cabeça. — Bom, vemos que ela foi bem treinada Eu tentei rir junto, mas só consegui fazer um som esquisito. Dei um passo para sair… e tropecei no pé da cadeira giratória. A garrafa de água quase escapou da minha mão. Me apoiei no encosto da cadeira para não cair. Consegui me equilibrar, mas minhas bochechas queimavam. — Me desculpe… — sussurrei, sem coragem de olhar pra ninguém. — Venha comigo — disse o vice-presidente, num tom seco Acenei para Yong, ainda tentando recuperar a dignidade. — Com licença. Fechei a porta atrás de mim com cuidado, torcendo para que ninguém tivesse notado o barulho do meu coração disparado. Claro que notaram. Quando menos esperava, a porta se abriu de repente. Lee Hyun entrou na sala bruscamente, com passos decididos e o semblante visivelmente irritado. Eu vinha logo atrás, tentando acompanhar, quase tropeçando no salto. Ele bateu a porta com força, fazendo com que eu levasse um pequeno susto. Em seguida, passou a mão pela testa com uma expressão carregada de frustração e disse, com a voz firme e cortante: — Primeira regra, senhorita Anne: nunca, jamais, em hipótese alguma, entre na sala do CEO sem ser solicitada. Engoli seco. Ele não gritava, mas suas palavras tinham peso. — Mas no Brasil… — Você ligou o computador dele? Ficou maluca? — ele cortou, ríspido. — Esqueça o seu treinamento no Brasil. Você vai começar o seu treinamento aqui, agora. Sem tempo para respirar ou rebater, ele puxou uma cadeira, apontou para que eu me sentasse e começou a explicar tudo de forma acelerada. — Aqui, cada passo precisa de autorização. Você não toca em absolutamente nada sem que o CEO solicite. Isso inclui o computador dele, a mesa dele, a xícara de café dele. Tudo o que é dele, permanece dele, até segunda ordem. Eu apenas assentia, com o coração batendo acelerado. Abri meu caderno, peguei a caneta e tentei anotar tudo o mais rápido possível. Ele falava uma coisa atrás da outra, como se estivesse lendo um manual interno que só ele conhecia. Nada de sorrisos, nada de empatia. Só ordens secas e diretas. Minha mente tentava acompanhar cada instrução, mas o nervosismo me fazia tremer levemente. As mãos suavam. E o pior: eu me sentia uma estagiária no primeiro dia de aula. Lee Hyun deu uma volta na sala, falando sem parar. Quando percebi, já estava de pé novamente, gesticulando com firmeza, apontando cada canto da sala do CEO e me dizendo o que poderia e o que jamais deveria ser tocado. — Não mexa nos papéis da mesa dele. Não organize nada sem saber se é urgente. Não atenda o telefone pessoal. E, pelo amor dos deuses, nunca mais chegue antes dele e ligue o computador — repetiu, com ênfase, como se aquilo fosse um crime gravíssimo. Eu queria sumir. E, no fundo, sabia que ele tinha razão. Eu só queria mostrar serviço. Só que, naquele lugar, mostrar serviço era não fazer nada sem permissão. Tentei sorrir, mesmo que timidamente, mas ele nem me olhou. Aquela primeira manhã seria mais difícil do que eu imaginava.






