Pietro Castellane:O ar no tribunal está pesado, carregado da eletricidade silenciosa que precede uma tempestade. A promotora, com seu terno impecável e postura afiada, desfia as acusações contra mim com a precisão cirúrgica de quem acredita ter a vitória nas mãos. Cada palavra dela é uma faca, cuidadosamente afiada para o golpe final.Mas meus olhos não estão nela.Eles estão fixos em Adélia, sentada do outro lado da sala, aninhada entre seus advogados como uma rainha em seu conselho de guerra. Seu sorriso é fino, quase imperceptível, mas eu o vejo — aquele brilho de triunfo nos olhos, a postura relaxada de quem já conta os troféus antes da batalha. Ela cruza as pernas, ajusta a pulseira de ouro no pulso e me encara, desafiante. "Você já perdeu", seu olhar diz.E então, a promotora termina.O silêncio que se instala é quebrado pelo som de uma cadeira arrastando-se lentamente contra o piso de mármore. Meu advogado — um homem de cabelos grisalhos, pele marcada pelo tempo e olhos que já
Fernanda Castellane:O silêncio do banheiro é tão denso que parece ter peso próprio — um véu sufocante que amplifica cada batida do meu coração, cada tremor das minhas mãos. O ar está parado, impregnado com o cheiro de limpeza.Sento sobre a tampa do vaso sanitário, o plástico gelado chegando a minha pele, atravessando o tecido fino do meu short. Não me importo. O frio é real, concreto — algo que posso sentir além do turbilhão dentro de mim.Na pia, o teste de gravidez repousa como uma sentença.Dois minutos.Dois minutos desde que o tirei da embalagem, desde que segurei sob o fluxo, desde que o coloquei ali, virado para baixo—covardemente escondido, como se isso pudesse adiar o inevitável.Não olho.Não ainda.Cruzo os dedos, meus pensamentos voam para Pietro. Nesse momento, a audiência já está acontecendo. Queria estar lá com ele, demonstrando o meu apoio, mas achamos melhor eu ficar aqui com Gabriel, que neste exato momento está dormindo no bercinho. Mas me acalma o fato de que meu
Fernanda Castellane:— Não entra aí! — grito, sem pensar, correndo pelo quarto como se minha vida dependesse disso.O grito rasga minha garganta antes que eu possa pensar, um reflexo puro de pânico. Meu corpo se lança em direção ao banheiro como se estivesse disputando uma corrida contra a morte — pés descalços batendo no chão frio, quase escorregando no tapete, mas me mantenho de pé.Pietro está quase dentro do banheiro, com a luz acesa. Meu coração bate ainda mais rápido, ele para, seus olhos fixos em mim, aproveito e bloqueio a porta com o meu corpo.Pietro recua um passo, surpreso, me encarando com as sobrancelhas erguidas. O olhar dele se estreita com uma mistura de confusão e algo mais… desconfiança.— Por que não? — ele pergunta, a voz baixa, controlada, mas carregada de alerta.— Eu... eu… — minha voz falha.Minhas mãos se fecham em punhos tão apertados que as unhas cavam sulcos na palma. O ar queima nos pulmões, uma onda de medo adentrando meu corpo. Meu peito sobe e desce
Fernanda Mendonça:Concentre-se Fernanda. Você já passou por várias simulações na faculdade, respire fundo e ajude! — Pressão arterial subindo! — A voz da enfermeira corta o ar, carregada de tensão.— Precisamos acelerar — a obstetra declara, sua postura rígida transparecendo a gravidade da situação. Ela se volta para o anestesista. — Ela está estabilizada o suficiente?— Podemos começar — o anestesista responde com um breve aceno, embora o nervosismo esteja evidente em sua voz.Meu coração parece pular do peito quando o bisturi na mão da doutora reluz sob a luz fria da sala. O ambiente ao meu redor parece diminuir, cada som ampliado como se estivesse dentro de uma bolha prestes a estourar.Droga! A simulação nunca é como a vida real.A obstetra começa a incisão, suas mãos rápidas e precisas. O sangue surge na pele pálida da paciente, e o som dos instrumentos sendo passados de mão em mão enche a sala, um ritmo quase hipnótico.— Chegando na cavidade uterina — informa a Dra.Sinto o s
Pietro Castellane:— Sei que o momento é delicado para o senhor — minha secretaria começa. — Mas os novos estagiários chegaram ontem, você ainda não se apresentou a...A frase dela é interrompida pelo som agudo do meu celular vibrando em meu bolso.— Um momento, Emile — tiro o aparelho do bolso e vejo o nome da médica da minha esposa na tela. Meu coração acelera. — O que aconteceu? — Atendo imediatamente, minha voz soando mais firme do que me sinto por dentro.O silêncio do outro lado dura uma fração de segundo, mas é longo o suficiente para que meu estômago se contraia em um nó.— Senhor Castellane, o estado da sua esposa piorou. A pressão dela está perigosamente alta. Precisamos fazer o parto de emergência agora. Não há tempo, ou perderemos os dois.O peso das palavras atravessa o meu peito como um soco. A sala ao meu redor desaparece em um turbilhão de vozes abafadas e formas indistintas, como se o mundo tivesse perdido o foco. A única coisa que ouço, clara como um trovão, é o som
Pietro Castellane:Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:— E Marina? Ela está bem?Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.As palavras me atingem como um
Pietro CastellaneObservo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.Não sinto sono.Não sinto fome.Não sinto sede.Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.Eu só quero ver o meu filho.O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no mon
Pietro Castellane:Adélia.Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu lu