Desperto mais uma vez com o som da água pingando, um ritmo monótono que ecoa nas paredes frias e úmidas do porão. O cheiro de mofo invade minhas narinas e a escuridão me envolve como um manto pesado, quase palpável. Meus olhos, acostumados à luz, têm dificuldade em focar, mas logo percebo as sombras que se contorcem ao meu redor, revelando o espaço claustrofóbico em que estou presa.
Minhas mãos continuam amarradas a um cano velho e enferrujado, a corda apertando meu pulso e fazendo minha pele arder. A sensação de impotência me gela por dentro. O chão, coberto por um material que prefiro não identificar, adere aos meus pés descalços e expostos. É um poço de desespero, uma sepultura à meia-luz, e não faço ideia de como cheguei aqui.
Cada palavra que chega até mim me machuca mais profundamente. Como se pudessem sentir meu medo, uma risada alta fura o ar pesado. O que eles querem? O que farão comigo? Minha mente corre, buscando uma saída, um motivo para acreditar que posso escapar daquela prisão. Mas a realidade me esmigalha e com ela vem a sensação de que o tempo está se esgotando.
Tento forçar meus músculos a se moverem, a encontrar uma maneira de me libertar, mas a corda continua a apertar, como se quisesse me manter ali, enterrada naquela escuridão e temor. O mais aterrador é a incerteza do que está por vir.
Aparentemente, minhas tentativas de mostrar medo e fragilidade naquele beco, juntamente com minhas lágrimas e súplicas por ajuda, não produziram o efeito que eu esperava. O homem que estava à minha frente permaneceu impassível, sem qualquer sinal de compaixão em seu olhar. Assim, reconheço que preciso adotar uma nova abordagem se quiser encontrar uma saída daqui.
O silêncio é quebrado por um ranger de metal, a porta se abrindo com um estrondo que ecoa em meu peito acelerado. A luz fraca que penetra momentaneamente no porão revela a figura de um homem, com seus cabelos grisalhos que o deixam charmoso e imponente, seu semblante impassível cortando a penumbra como uma lâmina. Ele se move com uma confiança traiçoeira, seus passos ecoando como um aviso de que a morte pode estar mais próxima do que imagino.
Ele é o Capo di Tutti Capi, um homem de presença forte, com traços duros e um olhar capaz de congelar a alma. Seus olhos claros examinam cada palmo do porão, cada sombra que dança sob seu controle. Quando nossos olhares se encontram, um calafrio percorre minha espinha. A frieza na maneira como me observa, como se eu fosse apenas um objeto à sua mercê, faz meu coração acelerar.
— Olha só, quem finalmente acordou — diz ele, sua voz baixa e cheia de veneno. A maneira como pronuncia as palavras transforma cada sílaba em uma ameaça velada, um prelúdio de dor que faz meu estômago revirar. Sinto a urdidura da inquietação pulsando sob a superfície de minha psique, enquanto mantenho os olhos fixos nos dele, desafiando a tática de intimidação que ele emprega.
— Você deve se sentir especial — ele continua, dando um passo à frente, a luz jogando sombras que contornam seu rosto. — Depois de tudo, foi escolhida. Não é todo dia que uma garota como você tem a honra de conhecer a Ndrangheta.
A ironia em suas palavras é palpável, e eu aperto os dentes, controlando o impulso de rebater. A adrenalina corre por minhas veias e, em sua presença, sinto a urgência de manter a cabeça fria. Um erro poderia ser fatal.
— O que você quer de mim? — pergunto, minha voz soando mais firme do que eu realmente me sinto em sua presença. Claustrofóbica e condicionada, uma mentira que revisto como uma armadura. Suas intenções permanecem nebulosas, uma sombra escura que se recusa a se dissipar.
Ele inclina a cabeça, unindo as pontas dos dedos em um gesto calculado.
— Você quer saber o que eu quero? — Ele avança, seu olhar fixo em mim. O cheiro do seu perfume se mistura ao mofo do porão, criando um ambiente sufocante. O ar torna-se mais frio. — Quero respostas. Quem é você e o que estava fazendo naquele maldito beco, a essa hora?
— Estava voltando da escola — digo, a voz firme, mesmo com a tempestade de emoções rugindo dentro de mim. — Minha mãe me esqueceu e peguei um atalho. Acabei no beco.
A expressão dele escurece, e a sombra da ameaça o faz mais próximo.
— Você foi mandada pela Bratva? — A pergunta é um açoite, cortando o ar tenso entre nós.
Sinto o peso da sua presença, como se estivesse sendo cercada. Uma risada maliciosa escapando de seus lábios é a única reação que sinto enquanto ele se aproxima. A frieza em seus olhos me provoca arrepios e um pulso de medo e curiosidade.
— Bratva? Você acha que sou uma mafiosa? Sou só uma garota que se perdeu — afirmo, esforço para não revirar os olhos.
Minhas palavras parecem acirrar algo dentro dele. A raiva brota, palpável. Ele se aproxima e segura meu queixo, o toque firme e ameaçador, uma lembrança crua de quem manda.
— Não minta para mim, garota! — rosna, suas palavras afiadas como lâminas. — Você estava nas ruas muito além do horário da aula.
— Como mencionei anteriormente, minha mãe se comprometeu a me buscar de carro, mas acabou me esquecendo. Como perdi o horário do último ônibus, optei por ir a pé e peguei um atalho que me levou até aquele beco.
Ele solta meu queixo, mas seu domínio ainda pesa sobre mim. O silêncio entre nós é opressor até que risadas e conversas do lado de fora rompem a tensão, reverberando nas paredes frias do porão. O cheiro de fumaça e álcool inunda o ar, intensificando a pressão.
— Então, vamos lá. Qual é a sua rotina? — Sua voz é cortante, penetrando na escuridão do porão.