Capítulo 6 – Justiça

A juíza Alessandra uniu forças com a antiga amiga de faculdade para traçar um plano que lançasse abaixo a candidatura da milionária Naomi Velasco. As duas eram inimigas a muitos anos e a discórdia entre elas já teria sido destaque em alguns jornais e revistas de fofocas locais. A antipatia entre elas era recíproca e conhecida por todos, faltavam poucos meses para as eleições.

 E não poderia existir momento mais ideal para espalhar lama no ventilador e manchar por completo o reputado nome da candidata diante de seus eleitores. A principal arma que seria usada para denegrir a imagem da empresária buscava revelar para toda a sociedade a farsa criada. A falsa história em torno da suposta morte de seu filho adotivo, Luís Gustavo.

Declarado morto pela mesma a vinte anos atrás durante um trágico acidente de carro, quando na verdade ele permaneceu vivo e em completo abandono pelas ruas da cidade, dormindo ao relento depois de anos internado num hospital para doentes mentais. Sem contar com qualquer ajuda de sua parte. A ideia principal seria fazer a denúncia através da mídia local e depois levar o caso aos tribunais. Dali Alessandra atuaria como a magistrada responsável em julgar o caso.

Contando, é claro, com o apoio dos partidos da esquerda interessados em impedir a ascensão da adversária juntamente com um grande número de outras autoridades insatisfeitos com a empresária. Isso ocorria devido seu abuso de poder, por causa da alta posição social que ocupava.

Um mês antes da data final das eleições o jornal Clarim Amazónico estampa na primeira página a foto do herdeiro da família Velasco, supostamente morto duas décadas atrás, em perfeito estado de saúde. Este era título da matéria jornalística mais lida. E que causou o maior reboliço na cidade às vésperas da escolha do novo governo, perguntava aos leitores se de fato Luís Gustavo estaria morto.

O artigo escrito pela jornalista Marilda Campos afirmava que tudo não passou de uma vergonhosa armação da milionária e que o jovem, agora vinte anos mais velho, não teria morrido e estava em plena forma. Diante das graves acusações o Tribunal Regional Eleitoral decidiu vetar a candidatura de Naomi. Isso ocorreria de imediato, caso ela não desse esclarecimentos a sociedade sobre o que estaria sendo noticiado pela imprensa. 

Apesar de seus advogados e o próprio partido no qual ela estava filiada tentar de todas as formas provar que tudo não passava de intrigas partidárias. Que era um plano desesperado da oposição para embargar a vitória da candidata que segundo eles já era mais que certa.  Extremamente irada ao ponto de fazer sérias ameaças entre quatro paredes àqueles que tentavam atrapalhar seus maus intentos. A milionária foi forçada a comparecer em público, durante uma coletiva de imprensa, e dá aos eleitores suas explicações:

— Gostaria, primeiramente, de deixar claro a toda a sociedade paraense que estou aqui apenas por respeitar cada um de meus eleitores, para esclarecer suas dúvidas a respeito das terríveis acusações que a oposição está fazendo sobre mim, em um momento de completo desespero por perceber que nossa vitória nas urnas é algo certo. Usam o nome de meu filho, falecido há vários anos atrás, para tentar manchar minha reputação com cada um de vocês, feita sob muita dedicação às comunidades mais carentes deste Estado. Eu, entretanto, lanço aqui publicamente um desafio aos meus acusadores para que provem suas denúncias ou retirem-se de nosso caminho para que possamos continuar avançando rumo a vitória.

A eloquente candidata foi aplaudida por toda a multidão de ouvintes, com exceção de alguns opositores, e teve a certeza de que teria conquistado mais uma vez a confiança de seus eleitores, enquanto isso, noutro lugar era traçado cuidadosamente o próximo passo do ataque político contra a empresária.

 Certificando-se de que Luís já se encontrava mentalmente capaz de testemunha contra ela em juízo, uma audiência com ambos as partes foi marcada e na data escolhida pela justiça acusação e defesa compareceram no tribunal para dar esclarecimento sobre as denúncias feitas contra a milionária.

Durante a reunião aberta ao público ocorreu o interrogatório da acusada pelos defensores do Estado e ela se manteve firme em dizer que era inocente diante de todas as acusações feitas pela jornalista. Naomi sequer imaginava que a ideia principal de manchar sua imagem diante dos eleitores partia da própria magistrada que julgava o caso.

Tão pouco que seu filho estava realmente vivo e presente ali, naquele mesmo momento, para desmascará-la por causa de seus feitos malignos contra ele e várias outras pessoas inocentes. Depois de duas horas sentada no banco dos réus e sob pesada chuva de interrogações.

A acusada parecia ter sido bem orientada por seus muitos advogados. Pois suas respostas eram perfeitas e transmitia aos presentes na reunião que sua inocência seria garantida pelo júri. Visto que ela se mantém firme na convicção de estar sendo vítima de um complô para impedir sua candidatura ao governo do Estado, o que não deixava se ser uma inteira verdade.

Porém, minutos antes do corpo de jurados se retirarem para recesso e em seguida voltar com o veredicto, uma nova estratégia é usada pelos advogados de acusação. Eles anunciam à meritíssima juíza um elemento a mais que provaria ser a réu culpada por todas as denúncias apresentadas no processo em andamento.  A renomada advogada criminal Lucinda Brandão. Que fazia parte do grupo que defendia a tese de que a acusada realmente era a autora de todos os crimes pelo qual estaria sendo indiciada.

 Pede permissão a magistrada para apresentar aos jurados um personagem que seria a chave para resolver de vez aquele impasse.  Todos permaneceram em silêncio enquanto aquele homem levantou-se se seu lugar e dirigiu-se para o interrogatório. Sempre acompanhado pela defensora, passou a falar sob juramento. A princípio, respondeu as primeiras indagações, como informar seu nome completo, sua procedência, idade, etc. Em seguida contou aos ouvintes toda a sua triste história. Desde a triste infância às margens do rio Guajará, no baixo amazonas até sua vinda para capital, o tempo que viveu no Ver-o-Peso, a adoção pela milionária e a crise mental.

 Concluindo na sua terrível experiência de vida num hospital psiquiátrico.  Onde mais tarde foi expulso e obrigado a viver por cinco longos anos em completa miséria e ao relento. Ao se apresentar como sendo o herdeiro dos Velasco dado como morto pela acusada, começou um grande tumulto que precisou ser contornado pelas autoridades que guarnecido o ambiente. A defensora, então, inicia o interrogatório para tentar revelar minuciosamente aos jurados o sofrimento vivido por seu cliente:

— Sr. Luís Gustavo, como poderia provar ao júri ser mesmo quem diz ser? Possui, por acaso algum documento de identidade ou outra prova concreta que confirme suas declarações?

 — Sim, meritíssima. Depois de ter sido resgatado das ruas com a ajuda de uma grande amiga fui internado numa das melhores clínicas deste país para tratar de minha deficiência mental, e após um ano e seis meses, totalmente recuperado, tirei novos documentos que identifica claramente como sendo a pessoa que acabei de escrever

— Muito bem, entregue-os ao representante do ministério público. Agora explique a esta corte como foi parar internado em um hospital psiquiátrico e o porquê de não retornar para a casa da acusada após ser expulso do local onde viveu por quinze anos?

—  Bem, desejo antes informar aos presentes neste tribunal que foi bastante difícil para mim recuperar a lucidez e os mais pequenos detalhes de meu passado.  Entretanto, apesar de ainda existirem muitos pontos obscuros na minha memória, estarei citando aquilo que com toda certeza sei ser verdadeiro

Durante quase uma hora ele contou sua trajetória do dia em que perdeu a lucidez até ali, após ter encontrado a cura. Com esse testemunho o júri entrou em recesso e meia hora depois retornaram com a decisão final. A réu no processo foi considerada culpada por todas as acusações e impedida de prosseguir com sua candidatura, concorrendo ao cargo político.

De ser obrigada a devolver ao filho todos os seus direitos garantidos por lei, como herdeiro do imenso patrimônio. Tornou-se o único herdeiro da imensa fortuna da tradicional família Guimarães Velasco. O que deveria ser executado imediatamente. Além disso, foi obrigada a fazer o pagamento de uma vultosa multa ao Estado.

 Essa multa foi para escapar da prisão por falso testemunho. O problema era que a empresária tinha adotado uma outra criança depois de ter abandonado Luís Gustavo e deu a ela os mesmos direitos de herança.  Diante desse impasse foi necessário fazer a partilha dos bens, onde cada um receberiam partes iguais.

Luís tomaria posse de seus bens de imediato, porém, a outra filha de Naomi teria que esperar sua morte. O antigo mendigo curou-se daquela maldita enfermidade mental e voltou a ter consciência da realidade. Pela primeira vez a sociedade paraense pôde ver a justiça sendo feita contra pessoas poderosas.

 Dando direitos merecidos a quem de fato precisava.  Entretanto, ainda precisava julgar Naomi pelo crime cometido contra a médica. A mesma que a denunciou inicialmente pelo abandono do filho num hospital psiquiátrico, sem que depois lhe prestasse a devida assistência. A criminosa a princípio perdeu para seus adversários na acusação de abandono a um incapaz, mas não pretendia ser presa pelo homicídio cometido.

 Assim, pretendia tomar medidas imediatas para impedir seus adversários de provar seu envolvimento no crime.  Novamente contratou os serviços do mesmo grupo de mercenários para executarem a possível ameaça. O plano era eliminar a principal responsável pelas denúncias contra a empresária, no caso a jornalista Marilda Campos. Naomi foi advertida por Matias, que comandava os mercenários.  Sobre o risco de ela ser de imediato a principal mandante do crime da jornalista, visto que ocorreria bem próximo a sentença sofrida pela mesma.

 O maior defeito de Naomi era exatamente o orgulho de jamais querer atender os conselhos de quem quer que fosse. Na sua exaltada maneira de pensar nenhuma ideia vinda de outra pessoa teria qualquer relevância. Somente aquilo que fosse proveniente das suas conclusões teriam acentuado valor.

 E seria exatamente esse seu erro que a levaria ao completo fracasso.  Mesmo sendo advertida ela usou de teimosia e ordenou que a ordem dada fosse executada e novamente um crime deveria ser praticado. No entanto, nem sempre as coisas acontecem como planejado e o atentado deu errado. A jornalista saiu ilesa e denunciou a milionária como a mandante da tentativa de assassinato.

O que foi aceito pela juíza Alessandra que determinou a prisão da acusada. Até que fossem concluídas as investigações. Como era extremamente influente e poderosa, seus advogados recorreram da decisão tomada pela magistrada junto ao Supremo Tribunal em Brasília.

O que foi acatado com a liberação de um habeas corpus que permitia responder as novas acusações em liberdade.  Com a nova agravação no complicado histórico judicial da milionária a opinião pública sobre a inocência da mesma caiu em quase cem por cento. As pessoas passaram a duvidar de sua integridade e voltaram-se inteiramente a favor de seus opositores, apoiando a jornalista Marilda campos. Grupos ligados aos direitos humanos fizeram passeatas.

 Andavam pelas ruas da capital exigindo punição da acusada e sua prisão, caso ficassem provadas as acusações contra ela. A mansão da suposta mandante da tentativa de homicídio, localizada na avenida Braz de Aguiar, no centro da capital paraense, ficou tomada de manifestantes, exigindo justiça. Nem mesmo todo o poder de Naomi impedia a enorme multidão de permanecer parada em frente a sua residência. Protestando pela decisão tomada pelo juiz em Brasília de ter dado prioridades a suposta criminosa.

Devido tantas manifestações a ordem dos advogados do Estado entrou na questão. Ficaram a favor da sociedade que exigia maior empenho das autoridades em esclarecer tais crimes.  O assunto que era local passou a ser visto como um problema a nível nacional. Pois colocava em descrédito a justiça em um todo e que deveria ser resolvido imediatamente.

Com toda essa pressão da sociedade e da ordem dos advogados não teve outra alternativa para o Supremo Tribunal a não ser em revogar a primeira decisão. E determina que ela voltasse a ser mantida em prisão domiciliar até tudo ser devidamente esclarecido. Essa foi mais uma das grandes vitórias para uma sociedade sedenta por justiça.

  Como não poderia deixar de ser, o partido político que antes apoiava a candidata ao governo do Estado voltou-se contra ela numa surpreendente estratégia. Buscavam conquistar o apoio popular, visando ganhar mais votos nas futuras eleições. Ao perceber que a mãe estava afundando e que em breve toda a sua culpa pelos crimes seria revelada.

 Carla Velasco, a criança adotada por Naomi logo que se livrou do filho enlouquecido.  Agora com quase trinta anos de idade. Simplesmente decidiu se desligar da suposta criminosa para evitar qualquer relação com seus erros. A arquiteta que passou a ser dona de todo o império da milionária empresária entrou com o pedido de posse de seus bens com a mãe ainda em vida, visto que não estaria mais em condições psicológicas de administrar seus bens, devido à idade e toda a atual situação na qual se encontrava envolvida.

A decisão foi aceita pela justiça e colocado em vigor o mais breve possível. A senhora da borracha, título herdado de seus antepassados. Que se tornaram os pioneiros na produção da borracha na Amazônia, agora perdia seu império para aquela que escolheu como substituta do primeiro filho, Luís Gustavo, quando esse foi acometido de uma inesperada loucura.

A injustiça cometida contra aquele inocente que precisava imensamente de sua compreensão no pior momento da vida. Agora estava sendo cobrada por Deus ou pelo destino. Carla, diferente de Luís, era igualmente impiedosa e disposta a qualquer coisa para descartar a mãe e assumir por completo o império dos Velasco.

Uma nova audiência foi marcada para julgar o caso e desta vez ocorreu a portas fechadas, foram permitidos apenas os advogados de acusação e defesa. Juntamente com o juiz e seus assessores. Durou quatro horas e no final, quando todos saíram do tribunal. Um vasto número de repórteres e curiosos cercavam o lugar. Tentavam obter esclarecimentos sobre a decisão final do julgamento.

Mas nada foi repassado à imprensa sobre o veredicto. Somente depois, quando a acusada se retirou em segurança, um representante do ministério público deu uma coletiva a imprensa. E esclareceu todas as dúvidas. Naomi Guimarães Velasco foi considerada culpada por seus crimes e deveria ser condenada a vinte e cinco anos de reclusão, em sistema fechado, sem direito a fiança nem a visitas. 

Mas, devido a avançada idade da mesma, a sentença deveria ser aplicada como prisão domiciliar. A réu deveria viver em completo isolamento até o fim de seus dias. Exceto por ter direito a uma profissional para cuidar de sua saúde e aos demais funcionários domésticos da casa. Perdeu a liberdade de participar de qualquer evento ou reuniões sociais. Receber na residência amigos ou familiares, realizar viagens para qualquer região, Estado brasileiro ou ao exterior.  Desde então todo o controle de seus antigos bens passou a ser da inteira responsabilidade de sua filha.

 Carla Velasco escolheu ir morar numa cobertura localizada no bairro Doca de Souza Franco, uma das mais belas e caras áreas da capital. Deixando a condenada à mercê da solidão e do abandono, exatamente como ela fez ao filho. Quando se tornou inválido. Ela mantinha contato apenas com a funcionária responsável pela mansão para dar as devidas ordens e saber da atual situação da mãe. Que estava reclusa em seu quarto.

 Pouquíssimas vezes trocava uma ou duas palavras com a idosa e quase sempre alegando estar com pressa pelos muitos compromissos. Casada com um senador da república vivia maior parte do tempo em Brasília, não se compadecia do isolamento da mãe. E tão pouco se preocupava com seu bem. Era ambiciosa ao extremo, movida ao poder e a vida regalada em luxuria e a boa mesa. Completamente oposta a Luís Gustavo, que apesar de ter sido jogado ao relento ainda buscava o máximo possível de informações sobre a mãe adotiva. 

Por diversas vezes pagou aos funcionários para lhe deixarem a par de seu estado de saúde. Ao se estabilizar economicamente ele teve como primeira prioridade retornar ao Marajó para tentar reencontrar seus verdadeiros pais e irmãos, bem como toda a família. No objetivo de prestar-lhes a devida ajuda.

Trouxe os irmãos mais novos para a cidade grande e deu a cada um deles a condição necessária para que pudesse viver e criar seus filhos na capital, dando a eles uma boa educação.  Sobre os pais, lhes colocou num amplo e luxuoso apartamento e até o fim de seus dias não tiveram qualquer necessidade.  O seu bom caráter o distinguia de Carla. E o tornava bem mais digno e merecedor das bênçãos divinas.

 Informados sobre a decadência da antiga patroa e que toda a fortuna dela agora estaria com Carla. Martim e seus comparsas decidiram tirar proveito da situação. E prepararam seu sequestro. Sem nada perceber ela continuou em sua rotina normal até que na primeira oportunidade eles a raptaram.  Agora toda a atenção se voltou para a filha de Naomi levada por criminosos.

Luís Gustavo, ao saber do ocorrido foi imediatamente a polícia solicitar providencias quanto ao caso. Contando sempre com o apoio de Marilda e a juíza Alessandra. Os ousados bandidos mantiveram-na em cativeiro por cerca de dez dias. Sempre exigindo do esposo e demais familiares a alta quantia de dez milhões de reais, caso contrário eles a matariam. A sociedade acompanhava pelos noticiários todos os detalhes da negociação e a polícia local se esforçava ao máximo para tentar localiza-los, mas em vão.

E, diante das fortes ameaças feitas pelos criminosos os familiares cediam, planejando pagar o valor exigido, mesmo contra a vontade dos investigadores. Como meio de alavancar as negociações ou finalmente prender os sequestradores. Os federais foram convidados a se envolver no caso. Com técnicas avançadas de investigação e maior experiência em sequestros, os agentes assumiram a situação, no décimo segundo dia de intenso suspense sobre como seria o final da trama.

Envolvendo a milionária herdeira dos Velasco. O que parecia ter se tornado rotina daquela gente viver intensos problemas. Como houve demora na decisão de pagar o valor solicitado aos bandidos eles passaram a agir. De maneira mais agressiva na intenção de mostrar que não estavam de brincadeira. Assim, enviaram a Paulo Ricardo, esposo de Carla, uma pequena caixa, embalada para presente. Imensa foi a surpresa ao ser aberta a embalagem, pois dentro da mesma estava um dos dedos da mulher, exatamente o que ela usava a aliança de casamento. O terror tomou conta de todos, que choravam em pleno desespero, cobrando mais empenho das autoridades em resgatá-la do poder dos criminosos. Paulo conhecia toda a história do relacionamento existente entre Martim e sua sogra Naomi.

Os contratos feitos por ela afim de que ele e seus comparsas executassem crimes por encomenda e de imediato suspeitou serem eles os responsáveis pelo rapto de sua esposa.  Decidiu revelar para os policiais tudo o que sabia e lhes deixou a par de um pequeno sitio localizado a alguns quilômetros da capital, onde eles costumavam se reunir para organizar os planos da antiga patroa, antes de executá-los.

Tanto ele como Carla sabiam de todos os atos sujos de Naomi, mas guardavam segredo para evitar prejudica-la. Entretanto, diante da atual situação não era mais possível se calar.  Então precisou contar tudo a respeito do que tinha conhecimento, de posse das novas informações os policiais foram eficientes na ação.

 De imediato saíram em busca de capturar os criminosos e tentar resgatar a vítima com vida, m poucas horas o local onde supostamente os sequestradores estavam foi cercado.  Eles não esperavam esse tipo de ação da polícia. Isso porque foi acertado de antemão que o esposo pagaria o resgate e Martim já e companhia de mais dois comparsas para pegar o dinheiro. Enquanto o restante do grupo aguardava o retorno dos parceiros de crime. Manteve a refém trancada num quarto escuro e sem nenhum conforto.

Os federais cercam e invadem a casa cobrindo-os de tiros, sem dar a eles qualquer chance de resistência, mesmo que com essa atitude quase colocaram em risco a vida de Carla.  Mas, apesar do risco, a operação foi um grande sucesso. De imediato avisaram para os agentes na capital que a refém já se encontrava em liberdade, assim, quando Martim compareceu no local do pagamento do resgate foi detido e preso pelos agentes federais.

 A vítima foi libertada e entregue aos familiares, que elogiaram muito o empenho das autoridades envolvidas no caso. Com a quadrilha desfeita e seu mentor preso, tudo volta ao normal. Todos aqueles momentos de tensão vividos por todos levou os dois irmãos adotivos a se aproximarem e se conhecerem melhor. A arrogante milionária aprendeu que não importa quão grande seja o poder que alguém venha a ter. 

Apesar de seus bens materiais ou riqueza, o pior poderá acontecer na sua vida a qualquer momento. Por isso, é fundamental que saiba dar valor a tudo de bom que se tenha, começando com as coisas consideradas as mais comuns. Desde uma pequena amizade até um grande amor. A família, os verdadeiros amigos, o animal de estimação, a casa onde foi construído o lar. Todos os aspectos da natureza, um simples respigar de chuva no telhado.

 Assim, sua maneira de encarar a vida mudou radicalmente e a mudança pôde ser vista em pouco tempo. Ao invés de viver como uma socialite, esnobando poder e grandeza, passou a dedicar-se mais aos serviços sociais e em praticar a caridade. Unida ao irmão adotivo e a Marilda, levou diversas vezes ajuda financeira aos mendigos espalhados por toda a cidade.

Depois construindo um abrigo para eles, recolhendo-os das ruas.  Devido as várias ações em favor dos mais pobres, os belenenses passaram a desejar que ela ou Luís se candidatassem a um cargo público nas futuras eleições. A proposta foi aceita por Carla com carinho. Mas ele recusou, visto não ter ambições políticas. Seu objetivo era reabrir a antiga matrícula na faculdade de Direito e concluir o curso de seus sonhos.

Recorreu na justiça e recebeu permissão para ingressar no curso de Direito. Formando-se nesta área. Quatro anos depois de ter saído vitorioso na peleja contra aquela que um dia decidiu lançá-lo ao relento.  Durante seus anos na faculdade fez grandes amizades com pessoas importantes, porém, optou em dar maior valor as mais próximas. Iniciou seu namoro com a jornalista Marilda Campos, com a qual veio a se casar tempos mais tarde.

Depois de formado atuou como defensor público e foi aprovado num concurso para promotor de justiça, exercendo pouco tempo a nova profissão. Pois prestou novo exame e ocupou uma importante posição como juiz na comarca de Belém do Pará. Durante todos estes anos de novas conquistas. Luís e sua esposa visitavam regularmente as praças da cidade e os hospitais psiquiátricos, sempre ajudando como podiam na recuperação.

 E sustento dos que como ele perderam a razão na maioria das vezes recolhendo-os ao abrigo construído numa ampla propriedade adquirida com a ajuda de Carla Velasco. Seu ponto de maior frequência era a praça da república, onde viveu tantos anos em completo abandono. Ali, acompanhado da mulher e seus dois filhos.

Relembrava tudo o que passou e se sentia grato pela oportunidade recebida de Deus em conhecer Marilda. Que o ajudou a retomar sua vida perdida, conquistar seus sonhos e os ideais de felicidade. Naquele domingo ele decidiu brincar com os filhos Pedro Henrique e Carlos Eduardo na grama verde da praça, enquanto a esposa filmava a diversão dos três.

 Para guardar no arquivo de lembranças da família.  Tudo parecia ser perfeito, a força do amor os uniu e prometia mantê-los felizes para sempre. Mas o destino tinha outros planos para o casal. E escreveu um final diferente do que eles mereciam. Com a parte da herança recebida de Naomi. Luís comprou cinquenta por cento das ações do Clarim e Marilda tornou-se sócia majoritária do jornal de maior circulação no Estado.

Mas ela era apaixonada pelo jornalismo ao ponto de não querer deixar aos subalternos tarefas importantes.  Como fazer as entrevistas e matérias interessantes, ela sempre estava `frente destes serviços. Naquele período de novas campanhas políticas ela foi convidada pelo partido republicano. O mesmo onde sua cunhada Carla estava concorrendo para ocupar a prefeitura, para se tornar chefe de imprensa do gabinete do atual prefeito, onde teria a chance de apoia-la, fazendo o que mais amava.

Acontece que, faltando apenas um mês para o início das votações, foi necessário ela fazer uma viagem de última hora. Iria à cidade de Manaus para uma importante conferência sobre jornalismo, onde se reuniriam pessoas de todo o país e seria de vital importância para sua carreira. O voo estava marcado para aquela sexta-feira. às oito horas da manhã, numa das mais requisitadas agencias aéreas.

Luís tinha pavor em voar e temia pela segurança da esposa. Por isso, sempre escolhia as empresas de maior qualidade, mesmo que isso saísse mais caro, porque para ele a segurança vinha acima de tudo.  Entretanto, nem mesmo o maior cuidado poderá mudar aquilo que o destino traçou previamente para nossas vidas, e após um caloroso abraço no amado esposo e nos filhos Marilda acena.

 Dava ali, sem saber, seu último adeus. Em seguida acomoda-se no voo comercial. Seguia em direção ao Estado do Amazonas. Era de costume ela ligar para casa logo que chegava ao destino. Fazia isso para avisar que estava tudo bem. Mas naquele dia em particular ele não recebeu nenhum telefonema da esposa, mesmo já tendo passado da hora de espera.

 Preocupado ele entra em contato com a agencia de voos aéreos para pedir explicação sobre a chegada do avião ao destino e recebeu dos atendentes repetidas afirmações de que tudo havia transcorrido normalmente, porém, não demorou para os noticiários anunciarem o acidente. Noticiavam que havia acontecido um acidente aéreo num voo com destino a Manaus, naquela manhã.

 Luís e os demais familiares se apressaram em confirmar junto ao aeroporto se o a aeronave era a mesma que levou Marilda, e veio a confirmação da terrível tragédia.  Não era possível descrever a dor sentida por Luís e todos os familiares naquele momento, amigos mais próximos lamentavam sua perda. Carla chorou intensamente a morte da cunhada e amiga, Alessandra, atuando como desembargadora, determinou luto de três dias aos funcionários do Tribunal. E o governador do Estado decretou luto para o funcionalismo público por quarenta e oito horas.

Restaram daquela linda união os dois filhos do casal, eram o tesouro de Luís Gustavo e ele dedicou-se desde então ao presente que a esposa falecida lhe deixou.  Naquele mesmo ano, seis meses depois da tragédia ocorrida na vida dele, morre também Naomi reclusa em sua casa aos setenta e cinco anos. Após formar-se em Direito e ocupar o importante cargo de juiz, Luís apela para o Supremo Tribunal em Brasília.

E consegue amenizar a condenação da mãe adotiva. Lhe foi permitido poder receber visitas e sair da mansão à passeio pelo menos duas vezes ao mês. Apesar de tais regalias ela se negava a fazer uso delas e permaneceu recolhida na mansão. Sua partida, independente de toda a maldade cometida, lhe deixou tristeza no coração. Sua rotina passou a ser o trabalho, a convivência com os filhos e vagar em completa solidão pela praça da república.

 Para relembrar das muitas vezes que esteve ali com a esposa, depois de voltar da loucura que quase o destruiu, andava por todos os lados, observando cada detalhe do lugar. Revivendo os cinco anos em que perambulou por ali com aquele saco imundo sobre os ombros, exato momento em que Marilda surgiu para fazer uma entrevista que o levaria a ter a chance de ser curado.  Iria se recuperar por completo do mal que lhe escravizou na escuridão.

Perder o grande amor de sua vida foi um tremendo choque emocional, mas não havia o risco de voltar a enlouquecer porque o tratamento que fez fortaleceu tremendamente seu cérebro. Se não fosse por isso seria o seu fim. No entanto, uma imensa dor ficou cravada no seu peito, seria difícil superar definitivamente a ferida que ardia dentro dele.

E, consequentemente, jamais seria capaz de amar novamente. Pois ao seu ver, nenhuma mulher possuía os atributos daquela que um dia lhe conquistou de uma maneira inexplicável. A solidão voltou a fazer parte mais uma vez de sua existência.  Mesmo tendo os dois filhos ao seu lado não conseguia parar de pensar na esposa morta.

 Em todos os segundos em que estivesse acordado e até ao dormir tinha sonhos. Onde revivia os bons momentos que viveram juntos. Não adiantava o incentivo dos familiares e amigos para que ele saísse para se divertir. Na esperança de que conhecesse alguém e voltasse a se apaixonar. A mãe e o pai, já bem idosos, preocupavam-se com a tristeza que corroía a alma do filho e faziam muitas preces em seu favor, para acontecesse um milagre e ele voltasse a ser feliz. Mas, pelo que tudo indicava as portas do seu coração se fecharam para o amor.

Seus olhos somente conseguiam ver a imagem daquela por quem ele ainda amava. O mundo ao seu redor ficou limitado ao tempo em que conheceu Marilda, o futuro parecia-lhe não ter a menor importância. Toda essa amargura de espírito, entretanto, não o impedia de permanecer atuando como um excelente juiz. Julgando cada caso com lucidez.

Aliás, era durante seu tempo no trabalho que mais tinha paz interior, mas ao retornar para casa no final do expediente, após dar toda a atenção aos dois filhos ainda adolescentes, que lhe restava era a solidão num quarto que mesmo bem iluminado parecia em completa escuridão. Deitado na cama macia, onde por vários anos dormiu ao lado da mulher amada morria aos poucos de tanta saudade.

Tudo ali trazia recordações dela e dos momentos de intenso prazer que juntos viveram. De olhos fechados voltava no tempo num breve pensamento e conseguia sonhar acordado com a felicidade e o amor que lhes uniu. Parecia que seu mundo tinha acabado no exato instante em que confirmou a morte da esposa.

 O chão sob seus pés se abriu e teria sido tragado pelas trevas causadora da dor e do sofrimento que dilacerou seu dilacerou seu coração. Uma maldição ou karma o conduzia ao mesmo fim, sozinho e sem ninguém para o amar. A convivência com a família e amigos contribui bem pouco para preencher o vazio que passou a existir na alma atribulada daquele homem cansado de sofrer tantas decepções.  Queria finalmente encontrar paz e sossego, amar e ser amado.

Poder chegar em casa e se atirar novamente nos braços de sua amada e com ela ser alguém plenamente realizado.  Mas o maldito destino, que o odiava, escreveu um final terrível para os dois. Para Marilda, uma morte repentina, para ele, a condenação à uma contínua busca. Pela chance de ser feliz, de recomeçar. Aos poucos foi se isolando completamente da realidade, não era loucura. apenas uma forte necessidade de ter privacidade. Queria espaço, evitar que o perturbasse. Pelo menos era o que costumava dizer a si mesmo.

 Nessa ideia de manter distância dos que o cercavam, acabou se ausentando tanto do trabalho que decidiram afastá-lo. Recebeu desligamento em definitivo de suas funções na alegação de que precisaria se recuperar do forte trauma que sofreu com a tragédia que resultou na morte da esposa. Para ele, que já ansiava por isolamento, foi a melhor coisa que poderia lhe acontecer.

Agora poderia se fechar em definitivo dentro da concha e nunca mais ter que sair. Os avós maternos assumiram a custódia dos netos. Alegavam não ter o pai as mínimas condições de continuar cuidando deles. E isso era fato. Sozinho na enorme mansão, cercada do verde das muitas árvores plantadas ao redor, um jardim florido, onde ficavam as rosas vermelhas e os lírios que Marilda tanto amava, para o depressivo proprietário daquela imensidão de casa nada existia.

Para ele, o único local que restou foi aquele de onde podia observar o cair das chuvas escondido por detrás do vidro com películas escuras sem que ninguém o visse. Do lado de fora a costumeira chuva cai suavemente, escorrendo suas gotas de água pela vidraça embaçada impedida de chegar até ao seu observador. Tudo parecia parado, principalmente o tempo.

 Somente o vento soprava sereno dos quatro cantos da chácara, desfilando pela varanda da espaçosa casa pintada em branco e azul. Não se ouvia mais o cantar dos pássaros porque recolheram-se. Foram todos entristecidos para seus ninhos, tentando fugir do frio e proteger seus filhotes do perigo da noite que logo chegaria.

O solitário homem permaneceu recostado Por detrás da ampla janela a observar o vazio diante de seus olhos por horas, mas na verdade não estava ali.  Voava nos seus pensamentos, nas recordações onde se prendeu desde que perdeu seu grande amor. Como um morto vivo simplesmente vegetava, não via razões para seguir em frente, tão pouco acreditar que algo de bom poderia lhe acontecer ao ponto de ajudá-lo a superar toda aquela dor que ardia no peito. Finda mais um dia e o que lhe resta é perceber que permanece entre quatro paredes.

Isolado de tudo e de todos como animal assustado, acordo pela imensa solidão que insiste em lhe acompanhar.  A insónia lhe impedia de dormir, suas pálpebras escurecidas pelas madrugadas sem descanso acusavam o tremendo desgaste físico. Devido a situação angustiante na qual se encontrava. Sem se alimentar corretamente por dias seguidos definhará aos poucos. E nada nem ninguém mudaria isso, pois foi sua decisão.  Sua escolha castigar a si mesmo por se considerar um desafortunado.

Sem nenhuma sorte, um pobre diabo imerecido de ter um final feliz. Já fazia semanas ele trancado naquela mansão, sem dar qualquer notícia aos amigos e familiares, nem atendia o telefone, ninguém sabia ao certo como ele poderia estar. Havia dispensado todos os empregados, optou pelo direito de não ser incomodado, a propriedade que antes era bastante frequentada se tornou deserta, a grama crescida e começou a encher-se de ervas daninhas.

 Que se alastraram rapidamente por toda a extensão do terreno. As luzes foram desligadas e no lugar delas só tinha escuridão. Tudo eram trevas ao pôr do sol.   Preocupados, alguns dos amigos mais chegados e irmãos foram vê-lo, porém sem êxito. Os portões permanecerão cerrados, inacessíveis, nem os cães latiram anunciando a chegada dos visitantes.

Pois eles não estavam mais ali, foram mandados embora juntamente com quem os tratavam. Sozinho, sem qualquer outra companhia, essa foi sua opção. O menino pobre que viveu toda a infância como ribeirinha, tomando banho às margens do rio Guajará, no baixo amazonas.

 De onde antes de alcançar a adolescência corajosamente fugiu para tentar a sorte na cidade grande. Que foi agraciado em se tornar herdeiro de uma das mais tradicionais famílias da região. Ele que, por uma maldita trama do destino terminou acometido de uma terrível loucura que desfez seus planos de chegar ao cume de seus sonhos.

 E o lançou ribanceira abaixo, transformando-o em um trapo imundo, o mesmo destino que colocou um anjo no seu caminho e o ajudou a erguer-se novamente. Que lhe restituiu tudo o que havia perdido durante os vinte anos de obscuridade, sim. Ele mesmo o trouxe de volta à razão e lhe permitiu ser feliz. E agora outra vez tirou-lhe tudo e lançou numa droga desalento quase insuportável.  E agora, como sobreviver a tantas privações?

Ainda teriam lhe sobrado forças? Eram suficientes para ir mais além de onde conseguiu chegar com tanta dificuldade? Somente o tempo seria capaz de responder a tais perguntas. Ele mesmo não tinha como saber, pois, perdeu a vontade de lutar. A morte alcançou e matou a alma que se movia dentro de seu corpo inerte. Paralisado pela tristeza que lhe enchia de tormento e dor.

Enquanto Luís Gustavo saboreava novamente o gosto amargo da derrota, seus filhos viviam plenamente a abastada infância cercada de mimos por parte dos avós que se esforçava m para apagar de suas memórias o pai que sempre viram como um lunático. Para os sogros, apesar de tudo o que ele conquistou depois da cura. Até mesmo a alta posição como um renomado juiz de Direito, não conseguiam vê-lo nem o aceitar como digno de fazer parte da família.

Odiaram saber que a filha, em quem apostavam alcançar grande realização, escolheu casar-se com um morador de rua. Largado pelos bancos e coretos das praças em companhia de outros sem tetos. Não importaram seus esforços para apagar o passado vergonhoso que teve, os muitos anos vividos como um miserável, perambulando pelas ruas em um estado deplorável.

Nada apagaria a mancha de pobreza que ele trouxe de berço. Sempre seria visto pelo que significavam suas raízes e não por aquilo que construiu no decorrer de sua vida.  Esse preconceito medíocre daqueles que por se encontrarem nos mais altos padrões sociais é o que impede, muitas vezes, de alguém subir a pirâmide e se igualar a eles. Na opinião destes insensíveis, cada um já nasce na classe certa, uns em cima, outros no meio e a base formada pelos que Deus reservou para servir de estrado aos seus pés.

Teria mesmo Deus tal visão para tratar com suas criaturas? Faria, ele, tal acepção de pessoas ao ponto de separar um povo miserável para servir exclusivamente outros superiores em cor, raça ou credo?  Se isso for possível, então por qual razão escolheu enviar seu Filho a este mundo como um carpinteiro, sendo o dono de todo o universo? Estaria caindo em contradição e afirmando ser uma honra nascer pobre? Sabe-se lá!

A verdade era que os arrogantes não se deram ao trabalho de aceitá-lo como quem mereceu o lugar que ocupou por direito e ensinaram seus frutos a vê-lo como uma árvore indigna de permanecer plantada na mesma terra que eles. Alguns meses se passaram e durante todo esse tempo ele não teve mais o menor contato com os dois adolescentes.  Viveu recluso naquela casa preso às recordações.

 Marilda, antes de sua partida para o além, deixou concluído uma obra escrita em dois volumes, onde contava a história de superação vivida pelo esposo. Depois de ler e reler diversas vezes o texto decidiu enviar a um editor para publicação. Saiu do casulo após tanta ausência, mas apenas por um curto espaço de tempo. O livro, intitulado "Ruas Desertas" foi muito bem aceito pelos leitores e não demorou para virar um best-seller. Isso despertou nele o desejo de publicar outras obras, transformando sua solidão em arte.

  Sentia falta dos filhos, mas não tinha o porquê de se preocupar, estavam em ótimas mãos. Esteve presente na maior parte de suas infâncias, foi um pai presente, carinhoso, um bom ouvinte. Havia feito bem o seu papel. Até mais do que um dia recebeu de seus pais. Agora eles que seguissem em frente sem sua sombra paterna e aprendessem a sobreviver sozinhos, como ele mesmo aprendeu a fazer. Raras ocasiões o viram aparecer na frente do imóvel recolhendo as correspondências ou atendendo entregadores. Na maior parte do tempo permanecia distante da visão dos curiosos.

Poucas vezes era possível vê-lo próximo a janela na parte lateral do imóvel. Alguns paparazzi rodeiam a propriedade em busca de novidades para estampar na primeira página das revistas de fofocas e jornais. Mas para ele todo aquele assédio publicitário não o incomodava, ao seu ver eles sequer existiam, não somavam nada. Trocou as horas fitando o exterior da casa, através do vidro fumê, pela tela colorida de um computador. Onde transformava seus pensamentos criativos em textos literários.

 Depois da publicação de "Ruas Desertas" escreveu várias novas obras. Permanecer naquela casa imensa foi uma escolha que ele fez para estar sempre próximo das lembranças da esposa falecida, mas naquela altura do campeonato já não fazia mais sentido algum, era hora de deixar o passado e caminhar rumo ao futuro. Entretanto, continuou na intenção de se manter distante das pessoas e da realidade que porventura quisesse lhe fazer olhar para trás.  

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