PARTE TRÊS - ABISMO CHAMA ABISMO Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você." ― Friedrich Nietzsche✥EU ME SENTIA submersa em um lago escuro e congelado. Incapaz de respirar, como se cada molécula de ar tivesse sido sugada para longe. Era uma sensação esmagadora, como se o peso do mundo estivesse sobre mim. Esperava, quase ansiava, que meu fim estivesse próximo. Que esse buraco no meu peito, aberto pela dor de perder Nate, fosse finalmente preenchido, mesmo que fosse por algo ainda mais insuportável.Meus olhos estavam fixos no corpo dele, caído de forma desajeitada na poça de sangue que só crescia. O líquido vermelho parecia se espalhar com uma calma cruel, enquanto os olhos opacos de Nate encaravam o vazio, sem vida, sem alma. Era como se o mundo inteiro tivesse parado naquele momento, preso em um silêncio aterrador.Eu o chamei até perder o fôlego, até que minha g
EU NÃO CONSEGUIA reagir naquele momento. As palavras simplesmente não vinham, nem os sentimentos. Estava entorpecida, incapaz de processar o que estava acontecendo, como se estivesse em um redemoinho onde a lógica não fazia mais sentido. Cada segundo parecia me afundar ainda mais em um mundo distorcido, onde as pessoas que eu conhecia por toda minha vida agora eram completas estranhas.Descrença, desespero e raiva tornavam-se meus companheiros silenciosos.― A filha da Agnes... ― disse tio Lester, lentamente, como se apreciasse as palavras. Um sorriso discreto ameaçou curvar o canto de seus lábios pela descoberta. ― Então isso quer dizer que você não foi transferida para Londres?― Provavelmente esse seria o meu destino. ― Eve respondeu sombriamente, sua voz quase inaudível. ― Mas houve uma mudança de planos.Minha irmã e tio Lester trocaram olhares significativos, como se um entendimento silencioso passasse entre eles. E eu estava ali, dividida, sem saber se deveria ficar para ouvir a
A PEDRA VERMELHA cintilava através do reflexo no espelho engordurado acima da pia, que há muito deixara de ser branca. Meus olhos estavam presos no pequeno pingente hexagonal pendurado em meu pescoço. O tom rubro e brilhante me lembrava de cada sangue derramado, de cada vida ceifada por minha causa. E foi tudo o que me restou de uma vida que ficou para trás.Uma vida que, no fundo, nunca pertenceu à verdadeira Angeline Collins, destinada a transformar tudo de bom em cinzas e destruição por causa dessa marca em seu braço. Agora, mais do que nunca eu a carregaria como se tivesse gravada em minha própria alma. Em um lembrete cruel de que havia sangue em minhas mãos.Eu os faria pagar.Eu não choraria mais.Não agiria mais como uma garotinha amedrontada, escondida nas sombras da culpa e da fragilidade. Eu me levantaria. Lutaria. Usaria qualquer arma que tivesse em mãos para destruir cada um dos vampiros, para vingar todos aqueles que morreram inocentemente por causa deles. Não importava qu
RECOBREI A CONSCIÊNCIA com uma pontada que disparou no canto da minha testa. Um chiado escapou da minha garganta seca, e eu forcei meus olhos a se abrirem. O primeiro detalhe que meus olhos captaram foi o teto de pedra acima de mim, gelado e áspero. Uma sensação de pavor se espalhou por meu peito, como se algo horrível estivesse prestes a acontecer. O medo se instalou em mim com uma intensidade aterradora, como se uma premonição sombria tivesse se apoderado do meu ser.Eu não sabia onde estava, mas sabia que não era bom.Tentei me apoiar em algo para me levantar, mas meu corpo foi recusado com um grito silencioso de dor, e eu caí de volta, sentindo o chão frio e liso contra a minha pele. Meu corpo protestou em cada movimento, como se cada fibra estivesse atordoada. Minhas mãos tremiam, eu tentava entender o que havia acontecido, mas a dor na testa me impedia de pensar com clareza. Pisquei algumas vezes, tentando focar a visão, e então olhei para o teto de pedra acima de mim. O espaço o
DESPERTEI LENTAMENTE, AINDA imersa na névoa do sonho. Espreguicei-me, sentindo a suavidade do colchão acolhedor sob meu corpo, mas, ao tentar abrir os olhos, percebi o peso de chumbo sobre minhas pálpebras, como se algo me impedisse de despertar totalmente.Foi então que, instantaneamente, concluí que ainda estava sob o efeito do sonífero.― Senhorita, ela está acordando. ― a voz monótona de Clemence ecoou ao longe, e uma onda de alerta percorreu meu corpo.― Até que fim. ― ouvi uma voz feminina e vagamente familiar comemorar com um tom leve de impaciência. ― Já estava na hora.Nesse instante, senti o colchão afundar ao meu lado.― Angeline, você precisa acordar. ― a voz falou como se estivesse lidando com uma criança.Lentamente, abri os olhos, tentando focar na figura de cabelos loiros que se inclinava sobre mim. Minha visão estava turva e minha mente ainda embaçada. Tentei emitir alguma palavra, mas minha voz se recusava a sair. Meus lábios estavam secos e colados, como se algum tip
DEFINITIVAMENTE, EU NÃO estava ficando louca. Havia alguém ali comigo, na escuridão, e não podia ser uma ilusão. O som daquela voz ecoava na minha mente como um sussurro dissonante, me lembrando de que eu não estava sozinha — e isso estava longe de ser um alívio. Quem mais estaria preso nesse lugar? Outro prisioneiro como eu? Ou, pior, um dos vampiros de Henry, rondando como uma sombra, esperando o momento certo para atacar?O pavor rastejou pela minha espinha como dedos frios e invisíveis. A escuridão absoluta tornava tudo ainda mais aterrorizante. Eu podia sentir minha respiração acelerada, meus sentidos aguçados, cada nervo do meu corpo em alerta máximo. O que quer que estivesse ali, parecia interessado na minha marca. Mas por quê? Qual era o verdadeiro propósito dessa presença oculta?O silêncio ao meu redor era insuportável, como se o próprio ar estivesse suspenso, aguardando um desfecho que eu não queria enfrentar. A qualquer momento, um ataque poderia vir — de qualquer direção.
DEPOIS DE REPASSAR pela terceira vez o que precisava fazer para escapar daquela prisão e despertar o poder selado, a insegurança começou a se arrastar sobre mim como uma sombra sufocante. E se eu falhasse? E se, ao invés de libertação, eu trouxesse apenas ruína? O peso da responsabilidade se transformava em um fardo insuportável, pressionando-me até os ossos. Eu nunca quis uma vida grandiosa, apenas um clichê confortável; uma casa simples cercada por um gramado verdejante, pais admiráveis, um futuro acadêmico repleto de promessas e Nate. Mas essa não era a realidade traçada para mim. Por mais que eu desejasse, tentasse ou fingisse pertencer a esse ideal, ele nunca me pertenceria. Meu destino já estava escrito, e nele, eu não passava de uma peça num tabuleiro de xadrez, onde as regras não eram minhas. O destino movia as peças, guiava os passos, e quando o xeque-mate chegasse, eu teria que estar preparada.Independentemente de quem caísse pelo caminho.Desafiar Henry pela segunda vez não
O DESESPERO RUGIU dentro de mim, ensurdecedor como um alarme disparado diretamente em meus tímpanos. Dor, raiva e frustração se retorciam dentro do meu peito, serpenteando pelos meus nervos, sobrecarregando cada fibra do meu corpo até que o esgotamento físico e mental se tornasse inevitável. Era como lutar contra a correnteza de um mar revolto, nadar com todas as forças apenas para ser arrastada para as profundezas. O esforço era inútil.Eu estava afundando.E olhar para Karyn naquele estado fazia cada gota de resistência se esvair.A dor era lancinante.Uma dor que não vinha de ferimentos visíveis, mas que dilacerava por dentro, uma dor que me desmanchava pouco a pouco. Como se a mulher forte, astuta e inabalável que ela costumava ser tivesse desmoronado, reduzida a nada diante da cena diante de mim. Eu não sabia se a dor que sentia era a minha própria, ou a dela, mas era impossível ignorar.Há quanto tempo estávamos presas? Dois dias? Três? Não havia como saber. Mas, ao ver Karyn naq