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Por: Déia
Capítulo 1

Pedro desabou na velha cadeira de couro preto. A cadeira antes giratória, agora está com as rodinhas quebradas. O couro preto está gasto no assento, deixando a espuma exposta o que esquenta ainda mais o quadril de Pedro. Ele apoiou os cotovelos na mesa de madeira abarrotada de papéis, fechou os olhos azuis e massageou as têmporas.

Três horas da tarde. Pedro retornou para a delegacia após ter saído para cumprir um mandado de busca e apreensão. Ele prendeu três traficantes de drogas e com eles maconha, cocaína e armas de fogo. Os criminosos resistiram a prisão e efetuaram uma tentativa de fuga pelas vielas da favela Sol Nascente. 

Isso resultou em uma troca de tiros entre bandidos e polícia. Pedro correu por cerca de oitocentos metros atrás de um dos traficantes, e conseguiu detê-lo com um tiro de raspão na coxa. O Delegado de Polícia Civil resistiu a tentação de balear o traficante na cabeça e por fim a vida daquele desgraçado ali mesmo.

Pedro sabe que está a um passo em falso de ser alvo de uma Sindicância Administrativa. Se isso acontecer, vai passar o resto da sua vida miserável atrás das grades. Está metido em sujeira até o pescoço. Ainda de olhos fechados, Pedro respirou fundo.

A cabeça latejava, a perna esquerda doía e o estômago roncava de fome. Ainda faltavam cinco horas até o fim do seu plantão. Matheus, o Delegado Adjunto, chega às 20:00h para o turno da noite, e em algumas noites tira Pedro da cama quando surge uma emergência que ele mesmo não tem pulso firme para resolver.

Pedro abriu os olhos azuis. Instável, cansado, com sono, com fome e drogado, ele era a imagem da derrota. Porém, há sete anos na polícia, sabe do que precisa para se manter acordado e em estado de alerta.

Após colocarem os traficantes na cela, Rodrigo e Rafael saíram para o corredor. A delegacia com dez celas e capacidade para cinquenta presos, hoje conta com oitenta e cinco detentos. A superlotação, más condições das celas, alimentação e higiene, são uma ameaça iminente de rebelião. E para piorar, Pedro suspendeu as visitas e os banhos de sol até o motim ser controlado. Os familiares dos presos já começaram uma revolta do lado de fora da delegacia. É só uma questão de tempo até a bomba estourar.

Rodrigo e Rafael ouviram Alex gritar de dor.

- Seus desgraçados! Eu levei um tiro! Tá doendo muito! Me levem para o hospital, cretinos!

Os dois Policiais Civis trocaram um sorriso de pura satisfação. Rodrigo gritou de volta:

- Fica quietinho na sua cela, Alex! Você não vai querer que o delegado vá até ai te dar uma "examinada", ou vai?

Nenhum barulho foi mais ouvido nas celas. Nem mesmo o menor ruído foi feito a simples menção do nome Delegado.

A maior parte dos presos sofre maus tratos nas mãos de Pedro. Rindo, Rodrigo e Rafael foram em direção a sala do delegado.

Rodrigo bateu na porta e esperou a ordem.

- Entra.

Rodrigo abriu a porta com cautela. Era um dia ruim, e ele sabe como Pedro fica em dias assim. 

Trabalhando juntos há anos, Rodrigo sabe muito bem do que Pedro é capaz. Ele mesmo já sentiu a fúria do delegado. Há alguns anos atrás, em uma discussão acalorada, Rodrigo teve o nariz quebrado por Pedro. Um soco, um único soco violento e certeiro, e Rodrigo foi ao chão desacordado e envolto em uma poça de sangue.

Pedro terminou de colocar o colírio nos olhos, abaixou a cabeça, tampou o pequeno frasco e o guardou no bolso da calça. Ele encarou Rodrigo e Rafael.

- Contaram a droga?

- Sim, senhor. - respondeu Rafael. - São cinco quilos de maconha, e vinte e oito pinos de cocaína.

Pedro assentiu.

O processo é simples. Quando ocorre uma apreensão de drogas, as substâncias vão para o Instituto de Criminalística (IC), onde são realizados exames para constatar se o material é mesmo entorpecente. 

Caso a análise dê positivo, um juiz determina a destruição do material. Enquanto isso, tudo fica guardado em um cofre, sob supervisão da Polícia Civil. 

A empresa responsável pela incineração é contratada por meio de licitação e deve ter um forno de grandes proporções e que alcance temperatura superior a 800 °C. 

A queima é acompanhada por policiais (entre eles, um ou mais delegados), representantes do Ministério Público, autoridades sanitárias e peritos. Após o procedimento, as cinzas são descartadas e levadas para aterros.

- E as armas?

- Três pistolas .40 - Rafael concluiu.

Pedro assentiu mais uma vez.

- Me traga um café quente, forte e amargo, Rafael.

- Sim, senhor.

Rafael quase voou para fora da sala. Sente calafrios perto de Pedro. Só do homem gostar de café forte e amargo já dá para se ter uma vaga ideia do seu desequilíbrio emocional. 

Rodrigo virou as costas para sair da sala.

- Eu ainda não te dispensei Rodrigo.

Rodrigo engoliu em seco, se virou e encarou Pedro.

- Sim?

Pedro arqueou a sobrancelha.

- Desculpa. Sim, senhor? - Rodrigo se corrigiu. Acha humilhante ter que se dirigir a Pedro como "Senhor". Mas antes isso, do que uma bala de .40 entre os olhos.

Devagar, Pedro andou até Rodrigo. Sempre faz isso quando quer intimidar uma pessoa. Ele deu um pequeno sorriso ao ver o pânico se instalar nos olhos azuis do policial.

- Antes que você se borre todo Rodrigo, eu quero dizer que não gostei do seu posicionamento hoje durante a abordagem policial. Por que não estava na porta dos fundos com os outros policiais?

- Eu... eu...

- Não gagueje.

- Você deu a voz de prisão antes de estarmos posicionados.

- Você está dizendo que eu cometi um erro?

Pedro perguntou tranquilamente enquanto ajeitava a gola do uniforme de Rodrigo, e olhava perigosamente para o seu pescoço. Os olhos azuis brilhavam.

Rodrigo não estava gostando daquilo. Pedro quando grita mete medo, mas ele calmo, assusta o próprio diabo.

- Não, senhor.

- Então, me explique porque você não estava aonde deveria estar.

Rodrigo estava a beira das lágrimas.

Ele atropelou as palavras ao tentar se explicar.

- Eu não sei, Pedro. Foi muita pressão. Foi tudo muito rápido. Eu não soube como agir.

Pedro ficou olhando para Rodrigo por alguns segundos com uma expressão dura no rosto abatido.

- A sua falha hoje poderia ter custado a vida de alguém. E você sabe que o Secretário de Segurança Pública está de olho em nós desde aquele "incidente" com aquela apreensão de cocaína. Netto está apenas esperando que um de nós mije no lugar errado para instaurar uma Sindicância Administrativa. Você quer isso?

Rodrigo abriu a boca para falar, mas sua voz não saiu. Sem forças, ele balançou a cabeça negativamente. Mal se sustentava nas próprias pernas. 

Pedro se afastou. Tinha acertado o alvo. 

- Isso aqui está prestes a virar um inferno, Rodrigo. Eu te aconselho a pensar duas vezes antes de tentar me foder como fez hoje. É nas escolhas que os homens se separam dos meninos. 

Pedro encostou o quadril na mesa, cruzou os braços e olhou com desprezo para Rodrigo. 

- Dispensado.

Rodrigo saiu e fechou a porta. O seu corpo inteiro tremia.

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