Interligados | Livro da Nina
Interligados | Livro da Nina
Por: Tamara Miller
Capítulo 01

Epígrafe

Pessoas vêm e vão o tempo todo,

mas a verdade é que elas ficam.

Uma parte delas se torna você, e uma

parte de você acaba indo com elas.

No fim, somos todos um só.

***

As batidas atrás da porta me fizeram tirar os óculos e baixá-los sobre a mesa. Ergui o olhar quando a porta foi aberta e fitei Fernanda, cujo sorriso arreganhado se fechou o sorriso assim que me viu no computador.

— Por que você ainda não guardou suas coisas? — questionou, revirando os olhos como se fosse uma pergunta retórica. — Claro... — ela coçou a cabeça, fixando o olhar no notebook. — O pessoal está indo para o Brews agora... — anunciou, com a mão ainda sobre a maçaneta. — Você vem?

Suspirei ruidosamente antes de sacudir a cabeça em recusa.

— Eu não posso. — Aleguei, coçando o couro cabeludo. — Hoje é sexta e a matéria de semana ainda não está pronta.

Fernanda largou a porta e suspirou sem ânimo, arrastando-se até a cadeira do outro lado da mesa.

— Fala sério, Nina! — ela fitou o relógio dourado em seu pulso e ergueu o olhar novamente. — São seis e meia...

Ignorei-a um pouco ao encarar a tela no notebook, pensando no que poderia abordar no artigo. Talvez devesse escrever a respeito do próximo desfile de verão.

— Nina... — Ela estalou os dedos em minha direção, o que me fez erguer os olhos, dando atenção novamente a ela. — Você não está me ouvindo? Não tem ninguém no prédio! A Mari e a Lorena estão no estacionamento esperando pela gente.

Suspirei e apoiei os cotovelos sobre a mesa, esfregando o rosto e cruzando as pernas por debaixo da mesa.

— Não dá pra largar o meu trabalho assim, Fê! — insisti em recusar. — Eu realmente preciso terminar de escrever esse material, você sabe como a Verônica é, e ela vai comer o meu fígado se isso não estiver no e-mail dela até as oito.

Ela ergueu as sobrancelhas e pulou da cadeira em que estava.

— A Verônica é uma ridícula. Ela faz a Najolin ser mandada embora para assumir o cargo de Editora.

— Você sabe que talvez isso não passe de um boato, não sabe? — perguntei.

Fernanda ergueu a sobrancelha e apertou os olhos.

— Como se ela não fosse uma megera.

— Pois é, e eu não quero pagar para ver...

Fernanda deu de ombros com ressentimento

— Isso que ela estava fazendo com você não está certo. — Argumentou. — É o clube de sexta das garotas... — Agora ela me encarou da porta como se fosse um cão sem dono. — Nós não vamos te perdoar. — Ela fez um biquinho e insistiu mais uma vez.

Fê, como sempre insistente e muito dramática.

Eu revirei os olhos e suspirei outra vez abrindo um sorriso culpado.

— Não vai rolar. Desculpa — disse, voltando a minha atenção para o notebook. — Juro que na próxima estarei lá.

Suspirei mais uma vez e pus os meus óculos quando a porta se fechou.

Bem, eu ainda precisava terminar o artigo.

Suspirei outra vez, cansada demais e fitando a primeira linha em negrito na tela do Word. "Adore um corpo livre".

Precisava transmitir a ideia de aceitação do corpo como ele é, e de como as coisas são bonitas por natureza. A última moda é se sentir bem consigo mesma e tentar romper com estereótipos impostos há muitas gerações. Ou seja, ser natural e real estava na moda.

Chegara à Revista às seis horas da manhã. O prédio ainda estava vazio quando irrompi a recepção, mas depois de uma reunião fervorosa com os acionistas, todos os funcionários estavam bastante estressados e apreensivos devido ao quadro financeiro pelo qual a Parilla vinha passando nos últimos meses.

A direção da empresa fora assumida pelos quatro herdeiros Parilla, e pelo que se ouve nos corredores da empresa, parece que três dos quatro irmãos querem vende-la, porque desde que assumiram os negócios, tudo estava indo ladeira abaixo. Cortar o mal pela raiz deveria ser mais simples, pelo menos para eles, que não tinham o menor apreço pelos negócios de gerações da Revista. Mas sobre outras preocupações, acima de tudo, pensava no risco de perder o meu emprego. Uma mudança no quadro de funcionários seria bastante trágico neste momento.

Evitando pensar no assunto e nos inúmeros problemas que me meteria se perdesse o emprego, voltei ao trabalho.

Eram oito e cinquenta e três quando eu fiz o up-load do artigo e fechei a tampa do notebook.

Foi um bom trabalho — pensei com um pouco de satisfação e expectativa pelo retorno que teria, pois era  difícil manter uma linha de pensamento crítico e parcial quando se está escrevendo um artigo de liberdade de expressão dentro de um desfile de moda. Um desafio, mas espero ter contornado bem.

Fechei a porta da sala e deixei a plaquinha prateada escrita "Assistente de Edição" brilhando para trás. Caminhando até o elevador que me levaria para o térreo, puxei o telefone do fundo da bolsa em meu ombro e acedi a tela, visualizando as mensagens do grupo das garotas.

Dei um clique com o intuito de enviar uma nova mensagem.

"Ainda estão no Brews?" escrevi e enviei.

Alguns segundos depois e as mensagens foram subindo na tela de conversa conjunta.

"Estamos!" quem respondeu foi Lorena.

"Vem pra cá, AGORA!" deixei uma risada alta escapar ao ler a mensagem enviada pela Fê.

"VEM antes da Lor fazer a confissão dela, mas se você demorar demais, nós a interrogaremos sem você! ".

Enviesei as sobrancelhas com a última mensagem da Mari e apressei-me em entrar no elevador, pedindo, em seguida, um uber que me levasse até o Brews.

Poucos minutos depois, a música ambiente preencheu os meus ouvidos ao adentrar o barzinho em que as meninas estavam e procurei a mesa delas, seguindo na direção quando as encontrei.

— Oi. — disse Mari e Lorena com empolgação, quase ao mesmo tempo.

— Achei que você tivesse criado raízes na Parilla. — Brincou Fernanda, soltando uma gargalhada e puxando a cadeira ao lado dela, abrindo espaço para eu me sentar.

Coloquei a bolsa do lado da cadeira e me sentei.

— A Verônica tá me matando. — Assumi, depois que sentei, ajeitando-me sobre o assento.

— Você sabe que ela te explorando, não sabe? — disse Mari ao apoiar os braços na mesa.

Dei de ombros.

Eu sabia!

Mas quem se importaria com isso?

— Eu sei, mas eu não posso fazer muita coisa. — Declarei.

— Ela está com medo de acontecer o mesmo que aconteceu com a Najolin. — Fê acrescentou.

— Isso não deve ser verdade, Fê. — Mari contra argumentou.

Realmente, estava trabalhando muito, mas precisava como nunca desse emprego. Começaria a pagar meu financiamento estudantil daqui a um mês. Tinha a despesa do apartamento e outras coisas que somadas levavam todo o meu salário.

— Vocês estão precisando de alguma coisa, meninas? — O garçom perguntou, interrompendo a conversa tensa.

Dei graças a Deus internamente pela interrupção do garçom no assunto e esperava que a Fê esquecesse esse assunto ou pelo menos falasse disso em outra hora. Ergui o meu olhar a fim de pedir-lhe uma bebida, mas antes de me pronunciar, perdi o ar.

O garçom era incrivelmente lindo.

Os olhos eram castanhos e os cabelos eram puxados para um tom de loiro escuro, arrepiados num topete charmoso e bagunçado. Ele era bronzeado como a maioria dos cariocas frequentadores de uma boa praia. Talvez, um metro e oitenta de altura e uns vinte e poucos anos de idade. Eu não saberia dizer, mas evidentemente um gato.

Encarei Mari que apertava os lábios enquanto ele falava. Fê mexia no telefone como se o cara não fosse nada demais, e Lorena ouvia algum áudio com o telefone no ouvido.

— Éé... Pode trazer mais uma rodada pra gente, por favor. — Pedi, abrindo um sorriso constrangedor.

Mari suspirou tensamente assim que ele saiu.

— Que clima estranho — comentei, arqueando as sobrancelhas. — O que foi, Mari? — indaguei quando encarei a Mari novamente.

Ninguém falou nada por um tempo, e eu continuei com a minha cara interrogativa enquanto Shape Of You do Ed Sheeran tocava ao fundo.

— A Mari doida para dar uns pegas nesse carinha... — disse a Fê, finalmente, só que alto demais depois que a música tinha chegado ao fim.

— Eu não estou acreditando, Fernanda. — Mari a repreendeu entre os dentes no momento seguinte, totalmente constrangida, coçando a cabeça. — Aposto que ele te ouviu.

E nós três nos entreolhamos sem saber o que fazer ou dizer.

Droga!

— Eu não estou acreditando que você fez isso comigo! — A Mari resmungou de novo, enterrando o rosto nas palmas das mãos, parecia que escorreria cadeira abaixo nos próximos instantes, tentando se esconder da vergonha.

A Fê deu de ombros como se não tivesse feito nada, e a Lorena e eu a encaramos com repreensão.

— Ah para, o garoto nem deve ter ouvido. — Ela contra argumentou.

A Mari não viu, até porque ainda estava com o rosto enterrado nas mãos. Lorena e a Fê estavam de frente para mim e de costas para o balcão. Ela não parava de falar enquanto eu apertava os lábios e encarava para trás dela.

Será que ela não está percebendo o meu olhar?

Meu Deus!

A Mari vai matar Fê! Com certeza vai!

Sabe essa coisa que vivem dizendo por aí, que melhores amigas entendem tudo com apenas um gesto ou olhar o que a outra quer dizer? Então, está mais do que evidente que a Fê não tem isso. Ela não tem a menor noção do que fala ou faz. Fernanda apenas faz, e não dá a mínima para o que vai acontecer depois.

— Existem vários garotos. Não tem como o garçom saber que eu estava falando dele! — Ela suspirou, tentando suavizar as coisas.

Só tentando mesmo, porque o efeito foi bem mais desastroso do que o esperado.

É sério isso? Cadê a droga da música quando mais precisamos?

Apertei os lábios em resposta ao constrangimento que estava sentindo pela minha amiga, quando o garçom avançou por trás da Lorena e da Fê trazendo as nossas bebidas.

Fernanda coçou a testa em resposta ao nosso embaraço, enquanto o garoto colocava as canecas de cerveja sobre a mesa.

O peito dele remexeu-se em uma risadinha silenciosa.

Nós éramos quatro adultas e estávamos sentadas em uma mesa num pub tentando curtir o final da sexta-feira. A Fernanda era bastante responsável em se tratando do seu lado profissional. No entanto, sua vida pessoal eram catástrofes atrás de catástrofes, e ela conseguia estender isso para as nossas vidas também.

A Mari era tímida e quase não se envolvia com ninguém, mas pelo visto, a Fê tinha acabado de mudar isso, e o melhor, sem querer.

— Aconteceu alguma coisa com o som? — perguntei apreensivamente, tentando desviar a atenção do que estava acontecendo.

— Pois é... — o garçom abriu um sorriso tímido e coçou a cabeça. — Tivemos um pequeno probleminha com as caixas de som.

— Ah, você jura. —Fê não hesitou nem um pouquinho em responder com uma pitada, não, uma colherada bem grande, de ironia. — Se você não tivesse falado nós não teríamos percebido.

— Éé... — Ele parecia meio sem jeito com as palavras — não que eu estivesse prestando atenção na conversa de vocês, acho que todo mundo estava. — Ele deixou soltar uma risada de constrangimento.

A Mari tirou as mãos do rosto e nos permitiu ver as bochechas vermelhas e um semblante mortificado de vergonha. Tadinha!

— Mas... — ele ficou em silêncio. Apenas deixou um papelzinho do lado do celular da Mari.

Está bem... Espera!

Ele se inclinou para frente, entre mim e ela, e se aproximou da orelha dela, falando uma meia dúzia de palavras. Mari sorriu soltando um "Tá legal" como resposta.

A música começou a preencher o recinto novamente.

— O que ele disse? — Fernanda foi a primeira a inquirir, esticando os braços e inclinando-se sobre a mesa quadrada.

Mari apertou os lábios e abriu um sorriso que ia de orelha a orelha, exibindo os dentes perfeitamente alinhados e brancos. Ela puxou o papelzinho da mesa e exibiu um número com umas nove casas.

— Ele me chamou para sair depois daqui. — Ela cantarolou com euforia.

— Uau! — beberiquei um pouco do chope. — Finalmente a Mari vai sair do zero a zero. — Provoquei-a e ela gargalhou.

— Ei! Eu não estou no "zero a zero". — Ela resmungou em resposta ao meu comentário.

Lorena esqueceu-se um pouco do telefone e ergueu o rosto para a conversa.

— Você, pelo menos, perguntou a idade dele? — A Lor perguntou de repente num sussurro, inclinando-se sobre a mesa.

— Não! — Mari respondeu, franzindo o cenho em estranheza. — Por quê?

— Porque pedofilia é crime, amiga. — E todas nós, descaradamente nos viramos em direção ao garoto. — Olha para ele, Mari. Parece um bebê...

— Fala sério! — A Fê foi a primeira a falar. — Deve ter uns 19, nem é tão novo assim...

Todo mundo fez silêncio.

— A Mari tem 24, gente. — A Lor fez questão de pontuar. — E vai fazer 25 no começo do ano.

— E daí? — Fê retrucou, inclinando-se para trás. — Não é como se ela fosse namorar com ele.

A Mari tomou uma postura tensa e deu uma última olhada no rapaz que agora atendia outra mesa.

— Gente, calma. — A Mari pediu antes de tudo. — Primeiro, eu não vou namorar e depois, a gente só vai sair um pouco.

— Não se esquece de contar pra gente. — Pedi, sorrindo para ela.

— Mas então... — A Fê interrompeu o assunto. — A que horas isso vai acontecer? Porque, eu não sei se você percebeu, mas já são — ela fez questão de interromper o que estava dizendo para olhar em seu telefone — nove e meia.

— Ele disse que vai parar às dez. — Ela esclareceu.

Nós nos entre olhamos, e eu beberiquei um gole da minha cerveja.

— A Nina chegou Lor... — notificou Mari, pegando o telefone na mesa, rolando o dedo na tela.

Arqueei a sobrancelha, a ansiedade me tomando por completo novamente.

— Você não tinha algo para nós? — Fê falou antes de nós.

— É verdade! — Concordei assentindo com a cabeça, como se tivesse esquecido.

Lor engoliu um gole bem grande de cerveja e nos encarou antes de falar qualquer coisa, abrindo um sorrisão e erguendo a mão direita em nossa direção a fim de exibir o anel em seu dedo.

— O Davi me pediu em casamento...

E todas nós levamos um tempinho para assimilar a situação, encarando o anel com uma pedra azul em cima.

— Ai meu Deus — Mari deixou escapar um gritinho, passando a mão na da Lorena. — Você vai casar.

— Como assim você vai se casar? — Fê rebateu assim que processou a informação.

Lorena balançou a cabeça e deixou uma risada escapar, tomou um bocado de ar antes de falar algo, mexendo no novo anel em seu dedo.

— As pessoas fazem isso quando se namora por muitos anos. — Mari se pronunciou no lugar da Lor.

Mari franziu as sobrancelhas e disse:

— É Fê! Seis anos namorando o mesmo cara. — Ela evidenciou. — Já passou da hora.

— É verdade. — A Fê concordou. — Me desculpe. — Ela balançou a cabeça parecendo perceber o quanto estava sendo insensível. — Meus parabéns, amiga. — Felicitou abraçando a amiga que a apertou no abraço de volta, deixando escapar uma lagrimazinha no canto do olho.

— Eu também quero! — Resmunguei, vendo a cena, pulando da cadeira e passando os braços em volta delas.

Logo os braços da Mari também estavam ali no nosso abraço grupal.

— Tem mais uma coisa. —Lor acrescentou, amassada no meio da gente. — Vocês gostariam de serem minhas damas?

— Siiiiiiiiiim. — Concordamos em coro.

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