Capítulo I

Ricardo, a história contada por terceiros.

Tudo começou após o término do seu namoro, em junho de 2009, com a cidadã que ele afirmava ser a mulher de sua vida. Nessa época, trabalhávamos em uma montadora de automóveis, éramos os responsáveis pela área de produção. Nossa rotina semanal era bastante cansativa.

Seu choque após perder Maria Fernanda havia se unido aos seus diferentes problemas, e isso lhe causava reações que, até aquele momento, não sabíamos que existiam, como não sabíamos de que modo aquilo o afetaria emocionalmente. Longe dela, ele vivia fases ora elevadas, ora nocivas; havia dias em que se encontrava educadamente; e outros dias, grosseiramente, sem motivos aparentes para tais oscilações. O cansaço físico e mental lhe havia causado transtornos neuroquímicos.

Penso que, na devida ordem, um ser em tal estado precisa ser zelado primeiramente para, em seguida, receber tratamento psicoterapêutico. Esse tipo de doença gera um estado demasiado de melancolia, e era exatamente isso o que estava acontecendo com ele.

Terminou seu fascínio pelas preciosidades do planeta. Seu gozo mirrou, não continha desejo algum. Era um inaproveitável com uma culpa excessiva pesando em seu dorso. Não conseguia se concentrar, estava entristecido e, para completar o círculo, a insônia se fez algo constante em suas noites. Minha tia o observava a todo o momento, com uma imensa desesperança no olhar. Tentava remediar a situação, mas nada surtia efeito. Sua situação se agravou tanto que, durante cinco dias, ele não conseguiu dormir. Quando se ocupava com alguma atividade, ficava cansado, mas sem um pingo de sono. Às vezes, tirava um cochilo de, no máximo, vinte minutos, geralmente depois de se alimentar. Eu e minha tia permanecemos, por dias, aguardando uma boa ação, mas ele preferiu nos entregar sofrimentos; dizia que, dentro dele, uma ansiedade gritava desesperadamente e o obrigava a cometer atos irresponsáveis. Ausente da obrigação, não conseguia raciocinar.

Absorvido pelo humor dos numerosos colegas de ganha-pão que usavam os fundamentos comuns do dia a dia, quaisquer detalhes o irritavam demasiadamente. As pessoas começaram a notar que alguma coisa de errado estava acontecendo com o rapaz.

No mês de outubro, Pedro deu o primeiro passo e pediu férias para começar o tratamento. Ele sempre havia sido uma pessoa de gênio difícil; não aceitava a ideia de que precisava de ajuda, embora observasse todo hemisfério sem tonalidades, sem satisfação e sem nenhum estímulo. Tudo era motivo para que ele se trancasse em seu quarto. Foi assim, até a minha pessoa entrar em cena. O meu primeiro argumento já estava engasgado em minha garganta havia muito tempo:

— Pedro, tá na hora de parar de frescura e entender que tem chance de estar com depressão ou algo do tipo. Você não é mais criança para ficar dando todo esse espetáculo.

Com numerosos e carinhosos esforços de todos os próximos a ele, finalmente percebeu que precisava de um especialista. Ao ver o sofrimento de sua mãe, Pedro procurou cumprir o que recomendamos. Levamos o complicado rapaz a um psiquiatra da cidade.

Entramos na sala, com o rapaz completamente desorientado, não possuía inteligência para atrelar os reais motivos do quebra-cabeças que circulava em sua mente. Todo o planeta, em sua forma de pensar, parecia inimaginável naquele instante.

— Boa tarde, Pedro Paulo; boa tarde, Ricardo. Sentem-se! — pediu o psiquiatra.

— Boa tarde — respondemos.

— Pedro, sabe os motivos que o trazem aqui? — perguntou o médico.

— Sinceramente, não.

— Vamos começar com um pequeno questionário. Não se importa em responder algumas perguntas, não é?

— Não, senhor.

— Responda-me empregando os termos: nenhuma vez, dois ou três dias, mais da metade dos dias, praticamente todos os dias. Pode decorar?

— Sim.

— Há alguma dificuldade em começar seu sono, ou tem insônia ou está dormindo excessivamente?

— Insônia, praticamente todos os dias.

— Esgotamento ou falta de energia?

— Esgotamento, mais da metade dos dias.

— Apetite reduzido ou demasiado?

— Reduzido, na realidade, todos os dias.

— Julga-se fracassado ou presume que desapontou amigos e familiares?

— Decepcionei uma pessoa que não merecia.

— Deseja dialogar sobre essa questão? 

— Não, não.

— Considerada a doença do Século XXI, a depressão é caracterizada pelo desânimo constante. Essa indisposição interfere no trabalho e na vida pessoal, com potencial para alterar até a forma como o indivíduo pensa ou age. O abatimento, na maioria das vezes, é uma doença crônica e não deve ser ignorada, nem subestimada.

— O que devo fazer? 

— Psicoterapia e antidepressivos controlam a melancolia. O tratamento exige muita perseverança e disciplina e, por esse motivo, é preciso combinar o medicamento com a psicoterapia.

— Quem são os especialistas que o senhor me indicaria?

— Os tratamentos psicológicos são realizados por psicoterapeutas e psicólogos, te indicarei um excelente profissional no assunto. Recomendarei um antidepressivo. Será indispensável que retorne ao consultório, no mínimo, oito vezes por mês. Semana que vem daremos início ao seu tratamento.

— De acordo — concordou o cabeça-dura, para meu alívio.

Pedro estava conhecendo a dura escola da vida. O absoluto que girava em sua consciência era permanecer trancado a sete chaves. Às vezes, alguma coisa o incomodava com tamanho ardor, que seus olhos lacrimejavam por horas, quase sem controle. Por mais que necessitasse de pessoas dispostas a acudi-lo, ele não falava com ninguém, não procurava pôr para fora o que sentia. Queria atravessar um deserto sem uma gota de água, estava sendo muito difícil lidar com ele. Nem mesmo o acesso de minha tia ao seu quarto rendia bons resultados:

— Pedro, tem várias pessoas lá fora. Todas elas têm algo para fazer, mas estão aqui, dispostas a ajudá-lo, e você continua deitado nessa cama feito uma criança mimada...

— Mãe, não estou com cabeça...

— É raro alguém, nesse mundo, nos estender as mãos e, quando estendem, são esses os modos que devem servir de retribuição? — pesquisou minha tia, com alto tom na voz. 

— Mãe, eu não consigo trazer as pessoas para perto de mim. 

— Deixe-as participarem da tua vida, ouça os conselhos delas. São pessoas experientes e estão dispostas a ajudá-lo. Existe equilíbrio em todas as coisas.

— Ah, mãe! Aquele monte de gente falando me deixa mal humorado, eu não tô bem, melhor ficar aqui no meu quarto mesmo. Semana que vem prometo que vou ao médico.

— Cuidado para não se ferir no seu próprio orgulho. Um dia, pode precisar e, nesse dia, pode não encontrar nenhuma mão estendida.

As horas passavam sem que o rapaz conseguisse definir se era dia ou se era noite. A ausência de luz dominou seu dormitório ao longo de todo esse tempo. Não sabia mais o que era o silêncio, pois sua mente estava dominada por uma bombástica guerra. No momento que conquistou um reduzido cochilo, um pesadelo veio à tona. Nesse instante, Pedro acordou todo suado, sentindo calafrios e com uma dor de cabeça impetuosa, era um tormento dividido entre o virtual e o real, ambos ruins.

— O que houve? Está tudo bem? — perguntei, enquanto Pedro rolava na cama de um lado para outro.

— Tive um pesadelo.

— Quer conversar sobre?

— É tudo muito estranho, um carro em alta velocidade, totalmente desgovernado, quebrou os guard rails da Dutra e caiu dentro do rio. Duas pessoas que eu não consegui ver os rostos pularam dentro do rio e abriram a porta... Adivinha quem estava dentro do carro?

— Quem?

— Eu! Dá para acreditar?

— Realmente, não está bem. Valorize o tratamento. Tudo que está ocorrendo contigo está no começo. E tudo no início tem maiores probabilidades de serem certeiras.

Na semana posterior, Pedro, acompanhado por mim e por minha tia, foi à policlínica determinada para o começo dos tratamentos psicológicos. Depois do procedimento, a administração do hospital enviou um comunicado para a direção da empresa em que trabalhávamos, com informações transferidas pelo psicólogo e pela psiquiatra, dando ao rapaz uma licença de três meses da função, para que ele pudesse se submeter ao tratamento. Desse modo, seu regresso ficou para o término do recesso das férias coletivas, no dia 05 de janeiro de 2010.

No decorrer desse intervalo de três meses em que estava se tratando, pude constatar o retorno de seu entusiasmo, de uma grande parte de suas vontades e desejos e, acima de tudo, retornava a entender a vida como ela realmente é.

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