Seattle – EUA
Dias atuais...Já era o quinto bastãozinho que eu usava.
O quinto.
E, como os quatro anteriores, exibia aqueles dois tracinhos malditos que pareciam rir da minha cara.Positivo.
Grávida.
Senti o estômago gelar, o ar preso nos pulmões.
Como é que eu tinha deixado isso acontecer?Ok... certo... eu sabia como.
Alguns minutos de um sexo ruim e minha vida inteira mudou.Na escola, costumavam me chamar de garota-problema.
E com razão.Se não fosse o valor absurdo das mensalidades que meu pai pagava pra limpar a própria consciência e fingir que era um bom pai, eu já teria sido expulsa no dia em que ativei os extintores de incêndio no meio da madrugada. Os alarmes disparando, os internos correndo pelos corredores de pijama... e eu rindo, como se fosse o auge da minha rebeldia.
Agora, sentada no chão frio do banheiro do meu minúsculo apartamento, encarei os cinco bastões enfileirados à minha frente — cinco pequenas sentenças me condenando em silêncio.
Meu celular vibrou dentro da bolsa. Peguei com dedos trêmulos.
Era uma mensagem do meu melhor amigo.
Alessandro:
Lembrei de você. Não sei por que...
Logo abaixo, um vídeo: uma garotinha colocando fogo em um sofá.
Mesmo naquele caos, um sorriso escapou.
Típico do Alê — ele sempre tinha o timing perfeito, mesmo sem imaginar o incêndio real que era a minha vida naquele momento.Digitei de volta:
Isabella:
Minha vida atualmente anda bem parecida com esse sofá.
Enviei. Suspirei.
Depois voltei o olhar para os testes, recolhendo-os com mãos pesadas e jogando-os no lixo.Eu precisava contar pra alguém. Mas não estava pronta.
Antes, eu precisava conversar comigo mesma. Organizar o turbilhão que fervia na minha cabeça.E foi inevitável — a lembrança dele voltou.
A conversa. O instante em que tudo desabou....
— Acho que estou grávida... — foi o que eu disse, a voz trêmula, o coração em disparada.
Riccardo riu. Achou que fosse piada.
Mas eu não ri.Quando percebeu isso, a expressão dele congelou.
— Não é possível, Isabella. Você fez algum exame?
— Ainda não. Comprei alguns testes de farmácia e tô criando coragem, mas achei que devia te contar.
Ele respirou fundo, desviando o olhar.
— Então faça os testes. Se der positivo, a gente dá um jeito nisso.
Na minha ingenuidade, achei que “dar um jeito” significasse resolver juntos.
Mas ele completou:— Faça logo hoje, porque precisamos dar um jeito amanhã. Daqui a três dias eu vou embora.
Ele dizia isso enquanto guardava os pertences dele numa caixa — a promoção o levaria pra filial da empresa na Coreia do Sul. Outro lado do mundo.
Outro planeta.E ele falava tudo com a frieza de quem comenta o trânsito.
— O que, exatamente, você quer dizer com “dar um jeito”? — perguntei, já sentindo um frio no estômago.
— Não esquenta com dinheiro, Isabella. Eu pago tudo.
— Você paga o quê?
— O aborto, claro. Vamos encontrar uma boa clínica.
Até amanhã resolvemos tudo.Pisquei.
Duas, três vezes. Tentando entender se eu tinha ouvido direito.— Espera... Então você decidiu, sem sequer conversar comigo, que eu vou me submeter a um aborto?
Ele bufou.
— Isabella, por favor... Eu tenho vinte e oito anos, acabei de receber a promoção dos meus sonhos.
Acha mesmo que vou acabar com a minha vida por causa de uma trepada sem camisinha?Foi como levar um soco no peito.
Meu corpo inteiro congelou.A boca se abriu, mas nada saiu.
Não existiam palavras pra o que eu sentia.A gente tinha saído o quê? Quatro, cinco vezes?
Ele sempre pedia pra manter tudo em segredo, “pro bem de nós dois”, dizia. E eu, idiota, acreditei. Achei que era proteção. Mas era vergonha.E sim, eu gostava dele.
Porque eu achava que ele era um cara legal. Mas naquele instante eu vi quem ele realmente era. Um babaca.Eu adoraria dizer que fui racional, que simplesmente saí da sala e voltei pro trabalho.
Mas eu seria a garota-problema se agisse assim.Então eu explodi.
Gritei, xinguei, comecei a atirar tudo que via pela frente — uma calculadora, um porta-retratos, o celular... o monitor.Quando o monitor acertou o rosto dele e o sangue escorreu, eu não senti culpa.
Nem um pouco.A porta se abriu, um monte de gente entrou pra me conter.
Nos velhos tempos, eu teria ido parar na sala do diretor. Naquele dia, fui parar no RH....
E foi assim que eu, Isabella Romano, vinte e seis anos, formada em Marketing por uma ótima universidade, me tornei oficialmente:
Grávida de um babaca e desempregada.Se fosse só isso, talvez eu lidasse melhor.
Mas a verdade é que eu nunca tinha sido realmente violenta. E, por mais que aquele filho da puta merecesse cada xingamento, talvez eu pudesse ter respirado fundo. Preservado o emprego.Era uma ótima empresa. Três anos lá dentro. Eu estava prestes a ser promovida.
Mas, em vez disso, deixei a raiva me engolir viva.E agora aqui estou.
No chão de um banheiro. Com cinco testes positivos me encarando....
— Bella? Está tudo bem? — ouvi a voz da minha mãe do outro lado da porta.
Eu já devia estar ali há mais de uma hora.— Tudo bem, mãe. Já vou sair.
— Vai acabar se atrasando pro trabalho, filha.
Ah, mãe... se ao menos você soubesse.
Nem do bebê, nem da demissão eu tive coragem de contar. Não agora.— Já tô saindo, mãe — respondi.
Levantei, joguei os testes no lixo e lavei as mãos, observando meu reflexo no espelho.
Cabelos loiros presos num coque bagunçado, pijama amarrotado, olheiras fundas.A imagem perfeita do caos.
Riccardo costumava reclamar que eu devia ser mais “feminina”.
Mais “arrumada”.Como eu não percebi antes o quanto ele era um idiota?
O celular voltou a tocar dentro da bolsa.
Peguei o aparelho, o coração ainda pesado, enquanto o som vibrava nas minhas mãos — como um presságio.Algo me dizia que a vida ainda não tinha terminado de desabar.