Eu à vi nos meus Sonhos – Encontro Inevitável
A galeria de Valentina Moretti estava cheia. Obras de arte cuidadosamente selecionadas adornavam as paredes, atraindo a atenção de empresários, curadores e amantes da arte. Clara estava ali, movendo-se entre os convidados com um misto de nervosismo e serenidade. Embora a exposição fosse dela, sua mente estava longe, presa ao breve encontro com Miguel no café. E então, ela o viu. Miguel entrou pela porta principal da galeria, e ao seu lado estava Cecília Monteiro, rindo e segurando o braço dele de maneira possessiva. Cecília vestia um vestido vermelho marcante, roubando a atenção por onde passava. Clara sentiu o estômago afundar. Ver Miguel novamente já era difícil por si só, mas vê-lo ao lado de outra mulher, em um gesto tão íntimo e familiar, foi como levar um golpe que não esperava. Ela desviou o olhar rapidamente, tentando se recompor, mas o impacto foi profundo. Tudo o que ela havia tentado enterrar, todo o amor e a dor, voltou como uma enxurrada incontrolável. Luna estava ao seu lado, segurando a mão da mãe, sem perceber o turbilhão emocional que Clara tentava esconder. Do outro lado da galeria, Miguel avistou Clara, mas novamente não soube de onde a conhecia. Aquele olhar continuava o assombrando, como uma memória perdida. Cecília, por outro lado, não percebeu nada, ocupada em cumprimentar todos e se exibir ao lado de seu noivo. Enquanto Clara se afastava discretamente, Miguel continuou observando-a de longe, com um incômodo inexplicável crescendo dentro dele. Algo dentro dele dizia que aquela mulher era importante. Ele só não conseguia lembrar como. A galeria estava cheia de convidados, mas Miguel Alencar se sentia deslocado. O déjà vu que o perseguia há meses estava mais forte do que nunca, como se o passado estivesse tentando emergir de um abismo esquecido. Enquanto Cecília Monteiro, sua noiva, se deleitava entre os convidados, Miguel deixou-se levar por um impulso inexplicável. Seus pés o guiaram por entre as obras, até que parou diante de uma fotografia que prendeu sua atenção como um ímã invisível. Era uma imagem em preto e branco, revelada com precisão e melancolia. A fachada de uma escola antiga surgia ao fundo, cercada por um pequeno jardim. No centro da composição, um banco de madeira. E sobre ele, estavam sentadas as silhuetas de um menino e de uma menina, lado a lado. A simplicidade da imagem escondia algo profundo. Miguel sentiu o peito apertar. Aquela foto despertava uma memória distante, algo que ele não conseguia agarrar por completo. Era como se ele conhecesse aquela cena, aquele banco, aquela escola... Sua visão começou a embaçar e, de repente, flashes de uma lembrança incompleta invadiram sua mente: uma sensação de cumplicidade e uma promessa silenciosa. Ele tentou se afastar, mas as pernas falharam. A tontura aumentou, o suor escorria por sua testa. Ele segurou-se na parede ao lado da foto, mas o impacto emocional era esmagador. — Não... — murmurou, o corpo enfraquecendo. Tudo ao seu redor girou. A segunda peça do quebra-cabeça acabava de se encaixar, e a intensidade foi demais para ele suportar. Miguel caiu de joelhos, e antes que alguém pudesse ajudá-lo, ele desmaiou. No sonho, Miguel estava de pé, mais velho, à beira da adolescência, e à sua frente estava Clara Moretti. Ela chorava, a tristeza visível em cada traço de seu rosto. Ele sabia que precisaria partir, que o pai havia decidido tirá-lo da cidade. — Eles vão me levar embora, Clara... — disse ele, frustrado e impotente, segurando as mãos dela com força. Clara soluçava, o desespero transbordando. — E se você for, eu nunca mais vou te ver... — ela sussurrou entre lágrimas. Miguel apertou as mãos dela como se nunca fosse soltá-las. — Não importa onde você esteja, eu vou te encontrar. — ele prometeu, encarando-a com determinação. — Eu juro, Clara. Não importa quanto tempo passe, eu vou voltar pra você. As palavras ecoaram, deixando um peso no ar, como se aquela promessa tivesse sido feita para durar além do tempo e da memória. Miguel abriu os olhos lentamente, ofegante. O cheiro de álcool e o som de monitores preencheram o quarto branco e estéril. Ele piscou algumas vezes, tentando se orientar. — Onde... onde eu estou? — ele perguntou, a voz rouca e fraca. Cecília estava ao lado dele, com uma expressão preocupada. — Você desmaiou na galeria, amor. — disse ela, segurando a mão dele. — Foi horrível! Você caiu de repente e bateu a cabeça. Miguel levou a mão à testa, ainda zonzo. A promessa do sonho ecoava em sua mente, clara e insistente. Era como se o quebra-cabeça começasse, enfim, a se montar. Ele não sabia como ou por quê, mas aquela mulher da galeria estava ligada a ele de uma forma que ele ainda não entendia. Algo muito importante havia sido enterrado em sua memória. Agora, as peças começavam a surgir – primeiro nos sonhos, agora na foto. A sensação de que estava próximo de algo crucial o deixou inquieto. Cecília continuava falando, mas ele mal prestava atenção. O que quer que estivesse escondido em sua mente, ele sabia que não pararia até descobrir toda a verdade. A luz do final de tarde atravessava as janelas do hospital quando o médico entrou no quarto. Miguel estava acordado, sentado na cama, mexendo distraidamente na pulseira do soro. — Você está bem para ir para casa. — disse o médico com um sorriso. — Foi apenas um desmaio, nada sério. Provavelmente um episódio de estresse e cansaço acumulado. Miguel assentiu, sentindo-se um pouco mais leve por saber que não era nada grave. Cecília, sempre espalhafatosa, já estava de pé ao lado da cama, pegando a bolsa e o celular. — Ótimo! Eu vou pra casa agora, tá, amor? Foi um dia super longo. — disse Cecília, estalando um beijo rápido na testa de Miguel. — Descansa bastante, viu? A gente se fala amanhã. Miguel apenas acenou com a cabeça, ainda distante. Sua mente continuava presa na fotografia que havia visto, mas ele não conseguia explicar o que aquilo significava. Cecília se despediu e saiu do quarto, deixando-o sozinho. Pouco depois, o motorista da família chegou para buscá-lo. Miguel se acomodou no banco traseiro do carro e ficou em silêncio durante todo o caminho, olhando a cidade passar pela janela como se estivesse vendo tudo pela primeira vez.