Fera Ferida
Fera Ferida
Por: Josy Meire
Capítulo 01

Taylor Belinari amarrou as rédeas do cavalo ao tronco da árvore e sentou no chão encostado no tronco do velho pé de mangueira.

Era final de tarde e o tom alaranjado enfeitava o céu e trazia calmaria ao ambiente. Uma calma que não se estendia para o interior de Taylor. Ele estava inquieto. Não que aquilo fosse novidade, já que fazia muito tempo que ele não sentia paz interior.

Olhou ao longe e viu as planícies verdejantes tremulando sob os raios do sol poente. Era uma visão linda de encher os olhos. As últimas chuvas tinham revitalizado o capim e ele agora exibia um verde escuro digno de uma boiada. Pena que ali só existiam duas ou três vacas que não dariam conta do farto capim que se descortinava à sua frente.

Ele não lembrava, há quanto tempo não parava para admirar aquelas terras. Nos últimos anos sua vida fora longe dali e as poucas visitas eram rápidas e práticas, apenas para resolver problemas e ajudar a mãe com as decisões de uma fazenda velha e falida. Agora, no entanto, ele teria tempo para se familiarizar de novo com aquelas terras.

Ele fechou os olhos e lembrou-se do pai. Fazia dez anos que ele tinha morrido vítima de um infarto fulminante e desde então o sorriso tinha desaparecido de seu rosto.

O infarto foi apenas o ponto culminante do sofrimento dele. Na verdade, Rodolfo Belinari já vinha morrendo aos poucos fazia muito tempo.

Desde que Taylor começou a entender as coisas, lá pelos cinco anos de idade, que ele começou a acompanhar a ruína de sua família.

Todas as noites o pai saía de casa e chegava de madrugada bêbado e Taylor ouvia sempre sua mãe gritando com ele dizendo que ele estava perdendo todo o dinheiro da família no jogo.

Como ainda era muito pequeno, Taylor apenas ouvia aquelas discussões e ia dormir chorando, mas não perguntava nada aos pais no dia seguinte. Quando foi crescendo, no entanto, Taylor começou a perguntar para o pai porque ele bebia tanto e perdia dinheiro nas mesas de jogo dos bares da cidade e ele então começou a contar que era para esquecer a raiva que ele tinha do homem que tinha tomado suas terras.

E todos os dias ele reforçava aquela tese de que o fazendeiro vizinho, Robert Murat, era o responsável pela sua ruína. Repetia incansavelmente que Robert se aproveitava de momentos em que ele estava bêbado para comprar suas terras por um preço muito abaixo do que elas valiam e quando ele estava sóbrio e tentava desfazer o negócio, Robert não aceitava.

Taylor cresceu ouvindo aquelas histórias e vendo o patrimônio do pai se desfazer lentamente.

A cada dia ele era informado que determinada propriedade não pertencia mais aos Belinari e sim aos Murat e a situação financeira de sua família decaía vertiginosamente, a ponto de não mais poderem manter os empregados da fazenda e nem as funcionárias da casa.

Taylor estava, então, com quinze anos quando em uma manhã chuvosa ele viu o caminhão boiadeiro estacionar atrás do curral e levar as últimas cabeças de gado que ali existiam e uma discussão acalorada entre seu pai e o homem responsável pela retirada dos bois.

- Desgraçado! Aquele miserável do Robert levou meus últimos animais!

 O homem fechou a porta do caminhão sem nenhuma piedade e voltou-se para ele.

- Você tem dívidas com ele e esta é a forma que ele tem de receber, antes que você jogue fora nas mesas de roleta.

E daquele dia em diante ele não mais encontrou forças para viver. Mergulhou numa depressão profunda e dois meses depois teve um infarto fulminante.

Naquele momento, Taylor sentiu o ódio que ele tinha de Robert atingir níveis estratosféricos, sua vontade era ir até lá e dar um tiro no peito do homem que tinha matado seu pai, mas ele só tinha quinze e não tinha uma arma. Talvez se tivesse também não atiraria, pois sua criação não permitia que tirasse a vida de uma pessoa, mas se fosse um pouco mais velho teria enfrentado cara a cara seu inimigo e acharia um jeito de vingar a morte do pai, nem que fosse dando uma corsa naquele sujeito vil e cruel.

Com a morte do pai a situação financeira da família chegou ao fundo do poço e ele se viu obrigado a mudar de escola e sua mãe passou a fazer sozinha o serviço doméstico da enorme casa da fazenda, um dos poucos patrimônios que tinha restado. Foram anos difíceis e ele esteve ao lado da mãe, Izabel, em todos os momentos de dificuldade que eles viveram. Apesar de serem vizinhos, ele e Robert nunca tinham se encontrado. Ele evitava todas as situações que pudessem o colocar frente a frente com seu algoz e assim Taylor viveu os últimos dez anos de sua vida odiando uma pessoa que ele nunca tinha visto. No entanto, a raiva e o ressentimento estavam guardados no fundo do seu coração e um dia ele acertaria as contas com o vizinho.

Aos poucos, Izabel conseguiu recuperar parte dos animais vendidos e a fazenda lentamente voltou a dar um pouco de lucro, mas não o suficiente para terem uma vida tranquila. Estavam sempre no vermelho e os poucos funcionários que recontrataram não recebiam de forma integral o seu salário.

Aos dezoito anos, Taylor ingressou na faculdade de Direito de Goiás e passou quatro anos entre idas e vindas da fazenda para Goiânia até concluir o curso.

Foram anos difíceis de grana curta, mas sua mãe tinha guardado um pouco de dinheiro em uma poupança em seu nome e aquilo lhe permitiu comprar um apartamento e custear de forma humilde os estudos e os gastos decorrentes dele. Ele era um aluno exemplar, não podia se dar ao luxo de perder tempo ou repetir matérias. Precisava se formar e arrumar uma forma de ganhar dinheiro para ajudar a mãe. Tudo correu como ele planejou. Terminou a faculdade dentro do tempo regulamentar e montou um escritório de advocacia com alguns colegas da faculdade. Durante dois anos, ele ganhou dinheiro suficiente para investir em algumas áreas da fazenda e contratar funcionárias para ajudar sua mãe na casa.

Embora gostasse da profissão que escolhera, a fazenda era sua paixão e depois de muito pensar ele resolveu vender sua parte na sociedade no escritório, voltar para a fazenda e fazer aquilo que aprendera desde criança.

E agora ele estava de volta aos vinte e cinco anos de idade e disposto a recuperar tudo que tinham tirado de sua família. Trabalharia incansavelmente até ver aquela fazenda no auge e ganharia de volta todo o dinheiro que ele vira escorrer pelo ralo durante anos da sua vida.

Essa era apenas uma parte do que ele pretendia fazer, a outra era acertar as contas com o responsável pela ruína da sua família. Antes de tudo ele arrumaria um jeito de se vingar de Robert Murat.

Foram anos da sua vida pensando em uma forma eficaz de fazê-lo pagar pelo mal que tinha feito a seu pai levando-o ao desespero e a morte.

Por mais que tentasse, não conseguia pensar em uma vingança a altura do seu ódio, mas na noite passada o destino o apresentou ao meio mais fácil e mais rápido de destruir a família daquele homem odioso. Através de sua única filha, Angel Murat.

Ele tinha ido ao bar Posto 15, lugar onde todos os jovens daquela região se encontravam nos fins de semana para dançar, beber e namorar.

Ele sempre saía com os amigos Rodrigo e Rafael e eles estavam sempre rodeados de mulheres. Taylor era considerado o sonho das garotas e uma ameaça aos pais de família daquela região marcada por tradições familiares e que viam qualquer namoro como um possível casamento.  Todas elas de alguma forma queriam namorá-lo e ele não recusava quase nenhuma. Tinha fama de mulherengo, mas na verdade era um estereótipo que não condizia muito com a verdade. Já pegara muitas garotas sim, mas quase sempre eram romances supérfluos, beijos em festas e saidinhas para shows e cinemas. Namorada séria mesmo, Taylor nunca tivera nenhuma.

Ele nunca tinha encontrado Angel Murat em nenhuma das baladas que frequentava. Ela aparentava ser bem mais nova que ele e talvez por isso não frequentasse muito a noite em Goiânia. Naquela noite, porém, ela estava com algumas amigas dançando e bebendo e ele indagou Rodrigo a respeito da garota morena de longos cabelos pretos.

- Sabe quem é aquela moça ali de calça branca e blusa vermelha?

Rodrigo tentou localizar a garota a quem ele se referia.

- Aquela ali quase pendurada no pescoço do chato do Murilo? É a filha de Robert Murat, seu vizinho.

O estômago de Taylor se contraiu e ele engoliu em seco.

Aquela garota era filha do seu maior inimigo?

- Dizem que é a queridinha do papai. É filha única e acabou de completar dezoito anos. Já está querendo pegar a menina é, cowboy?

Filha única? Queridinha do papai?

- Nunca a vi antes.

- Ela era menor até outro dia, talvez o pai não a deixasse sair, sei lá.

Taylor observou bem a garota que dançava animada e virava um copo atrás do outro. Ela era bonita. Era morena e tinha longos cabelos pretos lisos e eles estavam presos pela metade no alto da cabeça. Ela usava uma calça branca super colada no corpo e uma blusa que deixava à mostra metade da barriga. Taylor deu uma risada irônica. Se alguém não tomasse conta daquela garota ela ia causar um estrago naquela noite. Mas ela não era problema dele, ao contrário, poderia ser a solução. Ali estava um dos melhores caminhos para destruir Robert Murat. Não era a queridinha do papai? Então era por ali que ele começaria. Não seria tão difícil se aproximar dela e se tivesse que dar uns beijinhos para conseguir o que ele queria, até que não seria um castigo tão grande.

Pensando nisso, ele passou a olhar insistentemente para ela com a intenção de chamar sua atenção. Não demorou muito e ela capturou seu olhar e então Taylor teve certeza que seu plano daria certo. A forma como ela sustentou seu olhar não deixava dúvidas que ele poderia avançar o sinal, pois ela cairia facilmente em seus braços.

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