Ele não dormiu naquela noite, após rolar na cama, levantou-se e foi sentar na varanda da mansão, encarando o jardim vazio, onde a discussão com Isabella ainda parecia ecoar entre as flores. Cada palavra dela pesava como uma pedra em seu peito.Ela estava certa, ele nunca teve coragem de vê-la como uma opção aceitável, muito menos de amá-la do jeito que ela merecia. Primeiro porque ela era muito nova e depois porque se tornou um fardo, fardo esse que ele não queria. Mas agora... agora ele precisava fazer alguma coisa. Já tinha trinta e cinco anos, era hora de se estabelecer seriamente. No início da manhã, sem se permitir pensar demais, Romeu atravessou a casa e parou diante da porta do quarto dela. Bateu uma vez, o som seco ecoando no corredor silencioso.— Isabella, podemos conversar?Houve um momento de silêncio, um momento que pareceu durar uma eternidade antes da porta se abrir. Ela estava lá, com o rosto cansado e os olhos ainda inchados pelo sono e o choro da noite anterior. Isab
Os dias seguintes trouxeram uma mudança silenciosa à mansão. Isabella, cansada de esperar atitudes que nunca vinham, resolveu viver.Na manhã de sábado, ela estava no jardim, observando as flores que começavam a desabrochar, quando ouviu passos atrás de si.— Belo dia para admirar a primavera — disse uma voz masculina.Ela se virou, encontrando Lorenzo. O vizinho sorria de maneira calorosa, segurando uma pequena caixa de ferramentas.— Vim ver se precisava de ajuda com o jardim — explicou ele, apontando para as plantas. — Notei que algumas precisam ser podadas. Isabella sorriu, aquecida pela gentileza genuína.— Eu adoraria — respondeu.Eles passaram a manhã juntos, rindo, trocando histórias. Lorenzo era leve, atencioso e, o mais surpreendente, não parecia reparar na forma desajeitada e lenta como ele se movia. Se reparava, não deixava transparecer. Conversava com Isabella como se nada a separasse do resto do mundo. E Romeu, observando da varanda, sentia o sangue ferver nas veias. El
Isabella estava diante do espelho, terminando de ajustar um cachecol fino ao redor do pescoço, quando a campainha soou. Abriu a porta. Lá estava ele, Lorenzo, pontual como sempre. O sorriso que trazia nos lábios era fácil, quase displicente, mas havia algo atento no seu olhar. Como se estivesse sempre observando mais do que deixava transparecer.Nas mãos, um pequeno buquê de flores silvestres.— Para você — disse, estendendo o presente com naturalidade.Isabella piscou, surpresa pelo gesto. Era algo tão simples, tão inesperadamente gentil, que seu coração acelerou sem pedir permissão.— São lindas — agradeceu, sorrindo com sinceridade. Sentiu o rosto corar, uma cor suave nas bochechas. — Pronta para nossa caminhada?Ela assentiu, com um brilho nos olhos que não se via há tempos. Leveza. Era isso que sentia. Como se, enfim, houvesse espaço dentro dela para respirar.Mas ao virar-se para pegar a bolsa, ouviu passos pesados atrás de si. Passos que conhecia bem. Passos que não deveriam es
Romeu olhou para o arranjo de flores sobre a mesa e sentiu um desconforto estranho. Tudo estava organizado para a inauguração da nova ala da galeria da família, seria um evento elegante, cheio de rostos conhecidos e câmeras.E, pela primeira vez, ele queria que Isabella estivesse ao seu lado. Precisava que todos a vissem como a senhora Castellani. Aquilo seria uma mudança e tanto, pois sempre ia sozinho ou acompanhado de alguma amiga especial do momento. A senhora Castellani era apenas um nome e um rosto que aparecia em poucas fotos até então. Sempre achou que seria extremamente desconfortável para Isabella, tanto pelo esforço físico, quanto porque os holofotes estariam inevitavelmente apontados para a sua deficiência.Quando a encontrou no jardim, observando as primeiras flores da estação, aproximou-se com cuidado.— Isabella — chamou, a voz mais baixa que o habitual.Ela virou-se devagar, o rosto sereno, mas os olhos atentos.— Algum problema? — perguntou, sem esconder o ceticismo.R
O silêncio na limusine era ensurdecedor. A cidade se esvaía pelas janelas escuras, mas ali dentro, tudo parecia em suspenso, como se o tempo segurasse a respiração junto com eles.Romeu não parava de olhar para Isabella. Ela, no canto do banco de couro, com a postura ereta e o olhar fixo na janela, parecia feita de gelo. Mas ele sabia, sabia que por trás daquela frieza havia uma tempestade prestes a romper.— Você foi perfeita hoje — arriscou ele, a voz baixa, tensa.Ela soltou uma risada seca, sem humor.— Ah, que sorte a sua. Ter uma esposa decorativa que cumpre sua função quando é conveniente.Romeu franziu o cenho, inclinando-se um pouco para ela.— Não fale como se eu tivesse te arrastado até lá...— Não? — Ela girou o rosto para ele, o olhar faiscando. — Você me deixou sem escolha, Romeu. Como sempre. Me empurrou naquele evento, ao lado daquela mulher que adora me humilhar. E ficou quieto, até o último segundo.— Eu falei com ela, a coloquei no seu devido lugar!— Quando já tinha
— Bom dia. — Isabella falou com um sorrisinho debochado assim que ele entrou na cozinha, sem sequer levantar os olhos do pão que passava na manteiga.Romeu parou no vão da porta, como se ponderasse se era seguro entrar.— Dormiu bem? — ela completou, lambendo a faca com naturalidade e sem nenhum pudor. Estava de camiseta larga e short de moletom, com uma meia de cada cor. Nenhum traço da esposa recatada e insegura que ele estava acostumado a ver.Ele pigarreou, desconfiado.— Não exatamente.— Hm. Que pena. Eu dormi como uma pedra — respondeu, mordendo o pão com gosto. Depois piscou para ele. — O tapa me aliviou.Romeu arqueou as sobrancelhas, andando devagar até a cafeteira. O maxilar ainda doía. O ego, mais ainda.— Você tem um braço forte — murmurou, sem olhá-la. — Para alguém tão... delicada.— É o que dá passar três anos ignorando o básico da sua esposa. A gente desenvolve talentos ocultos.Ela deu uma risadinha e bebeu seu suco, como se estivesse falando do clima. Romeu a observa
A mansão estava silenciosa naquela tarde nublada, com um clima morno que deixava tudo levemente fora de lugar. Romeu percorria os corredores em busca de algo que nem sabia definir. Havia tido um dia insuportável no escritório do avô e voltara para casa mais cedo, esperando pelo menos algum silêncio.Passou pela porta dupla da ala oeste e, por puro impulso, desceu as escadas até a parte térrea do jardim interno. Ali, atrás de uma porta de vidro fosco que nunca usava, ficava a piscina aquecida, mais um dos luxos da mansão que ele jamais aproveitava.Ia passar reto, mas um som o deteve. Água. Movimentos suaves, ondulações. Ficou curioso e sem motivo aparente, empurrou a porta. O vapor quente o envolveu de imediato, e seus olhos levaram um segundo para se acostumar à névoa que flutuava sobre o ambiente iluminado apenas por luzes suaves, embutidas nas laterais da piscina. E então ele a viu, Isabella.Sozinha, no centro da água, os braços boiando ao lado do corpo, a cabeça levemente inclinad
Era só uma imagem, uma única imagem. Mas ela grudou nele como uma maldição. Romeu apertou os olhos, apoiando as mãos no volante do carro estacionado. Respirou fundo, tentando focar no que estava fazendo ali, precisava buscar documentos na empresa, uma tarefa simples, prática, sem margem para devaneios.Mas lá estava ela, de novo. Emergindo da água como uma ninfa ferida, com a pele úmida e as cicatrizes reveladas como mapas de dor. A forma como a toalha escorregava pelos ombros, revelando a curva delicada da clavícula. O cabelo encharcado, colado ao rosto. O olhar em choque, a raiva, a mágoa.E ele, um idiota paralisado, apenas olhando. Como se nunca tivesse visto uma mulher antes. Romeu bateu a cabeça levemente contra o encosto do banco. Aquilo estava virando obsessão.Passou o dia inteiro tentando evitar o pensamento. No café da manhã, errou a quantidade de açúcar no café. Na reunião com o avô, não ouviu metade do que foi dito. Quando saiu da sala, levou um esporro e nem reagiu.E ago