Mundo ficciónIniciar sesión
POV Eva Monteiro
Naquele dia, eu deveria estar me casando. Mas estava prestes a descobrir que eu era só parte do enredo de uma traição bem ensaiada. O vestido era tudo o que eu imaginei e mais um pouco. O pincel de iluminador deslizava pela minha bochecha como se eu fosse uma artista pintando a última obra de uma vida inteira. Vestido branco, com renda delicada no corpete e brilhos bordados como pequenas estrelas guardando segredos. Um decote em V ousado na medida certa, a cauda leve. Na frente do espelho, ajeitei uma mecha dos meus cachos marsala, e pela primeira vez me vi bonita de verdade. Não "bonitinha", não "pra alguém como você", mas bonita. Inteira. Hoje eu ia casar com Gustavo. O cara por quem eu abri mão de muito mais do que deveria. Respirei fundo. O quarto da pousada cheirava a flores, spray fixador e promessas frágeis. Sorri. E falei comigo mesma como quem segura a própria mão: "Você tá fazendo a coisa certa, Eva." Era o que eu dizia pra mim mesma desde o dia em que aceitei o pedido de casamento. O dote que os pais dele ofereceram ia ajudar os meus. Ia tirar minha mãe da dívida com o hospital, dar um teto novo pro meu pai reformar o mercadinho. Eu podia abrir mão dos meus sonhos… Eu poderia parar de tocar nas madrugadas como DJ. Poderia finalmente largar o turno duplo na lanchonete. Eu tinha um diploma que mal saiu da moldura. Uma proposta de estágio recusada, um projeto de pesquisa que deixei de lado. Eu era boa com números, com dados, mas deixei os gráficos de lado pra aprender a fazer feijão com o tempero da sogra. E por quê? Porque acreditava que era isso que se fazia quando se ama. Porque achei que dava tempo pra correr atrás de mim depois. Mas a verdade? A verdade é que eu me apaguei devagar. Apaguei meus planos, um a um, como quem risca a lista de mercado. E talvez… eu fosse feliz. Uma nova versão de mim mesma: a esposa dedicada, delicada, recatada, como uma família tradicional brasileira. Parecia até piada, a mulher que finalmente encontrou paz. Mesmo sem querer isso, eu precisava. Por eles. Meus pais estavam na casa de trás. O salão já está pronto. Tudo custeado pela família de Gustavo, mas... isso não me diminuía. Trabalhei, estudei, cuidei de tudo enquanto podia. Eu não tinha grana, mas tinha garra. E amor. Isso valia. — É cedo — murmurei, ainda encarando meu reflexo. — Mas talvez... seja a hora de construir minha própria família. Por eles também. Antes que seja tarde. Gustavo não era perfeito. Tinha um quê de arrogância quando bebia demais, às vezes me diminuía quando eu falava de carreira, mas... não era um cara ruim. Só… difícil de ler. Distraído. Dava a sensação de que queria estar em outro lugar, de vez em quando. Ainda assim, eu acreditava nele. No “nós” que construímos. Quatro anos. Eu não jogaria isso fora. Suspirei fundo, senti o perfume do buquê do meu lado e fechei os olhos por um segundo. Foi aí que ouvi. Uma risada. Passos. A voz de Gustavo, abafada seguindo pelo corredor. — “Você tá linda assim, mas eu vou bagunçar tudo isso.” Meu coração disparou. Ele estava vindo me ver? Quebrou a tradição? Sorrindo, me escondi no banheiro. — Seu bobo — sussurrei, achando que ia surpreendê-lo. Imaginando ele abrindo a porta. Mas aí… ele não estava sozinho. Eu ouvi outra voz. Feminina. Alta. Risonha. — "Gustavo, para... a Eva vai escutar..." Sabrina. Silêncio. Meu peito se fechou. Não pode ser. Meu corpo congelou. A maçaneta girou. Eles entraram. No meu quarto. Rindo. Sussurrando. — Relaxa. A Eva deve estar chorando com a mãe dela, sei lá... Você sabe que é você, né, Sab? Ela é só conveniência. — Para, Gustavo... a gente tem dez minutos, no máximo — a voz dela soava entre sorrisos abafados. — É tempo suficiente pra eu provar que você é mais gostosa que no meu sonho de ontem. — Gustavo! — Shh... Vai ficar gemendo alto igual ontem? Risos abafados. Um baque contra a parede. O som de beijos. Meus joelhos quase cederam. A voz dele. Rindo. Sedutor. Como se já tivesse feito aquilo mil vezes. Tive que tapar a boca com a mão pra não gritar. E foi ali, com meu vestido de noiva impecável e minha fé inteira no chão, que o mundo desabou.






