POV Eva Monteiro
Eu não podia acreditar no que meus olhos estavam vendo.
Com uma frieza que eu nem sabia que tinha. Ou talvez fosse só o instinto. Minha mão foi automática até o celular, que ainda estava no bolso da minha bolsa de emergência. Tremendo, eu abri a câmera, coloquei no modo vídeo e encostei a porta do banheiro com o mínimo de ruído possível. Comecei a gravar.
Se tudo fosse acabar, que acabasse com provas. Eu não deixaria que me pintassem de louca, ingrata, exagerada. Não dessa vez.
O celular registrou tudo. Meu testemunha.
Ele encostado na parede, ela com o vestido de madrinha levantado até a cintura, o sussurrar de promessas nojentas.A boca dele colada no pescoço dela.
Os dedos dela puxando o cabelo dele
Gravou cada mão boba, cada risada, cada gemido nojento que saía da boca dos dois.
Minha penteadeira virou motel.
Minha ex-melhor amiga virou amante de rodapé.
E meu noivo? Um canalha sem vergonha nem cérebro.
Eles saíram do quarto arrumando as roupas, rindo, como se tivessem acabado de fazer uma travessura.— "A idiota nem desconfia..."Ela riu.
Ele riu. E eu gravei. Tudo.Meu coração quebrou em câmera lenta, como vidro de pára-brisa sendo atingido por uma pedra.
Mas eu segurei.
Aquela cena ainda martelava na minha cabeça como um pesadelo em loop.Ainda no banheiro, meu corpo tremia. Mas meu rosto? Parado.
Como se a alma tivesse saído e deixado só a casca com o vestido caro.
Abri a porta devagar.
O quarto estava vazio. Mas não do jeito certo...
Penteadeira bagunçada. Lenço com batom jogado.
Silêncio de crime recém-cometido.
Olhei para o espelho.
A mesma maquiagem. O mesmo penteado. O mesmo vestido.
Mas não era mais a mesma Eva.
Peguei o celular, entrei no site da agência de viagem.
Lua de mel em Gramado: cancelada.
Hotéis: cancelados.
Aluguel do carro conversível: cancelado.
Usamos uma parte do dote para programar todas essas coisas. Mas agora eu tinha outros planos pra ele.
Com os dedos duros, gelados, como se fossem de outra pessoa., comprei uma passagem só de ida para Avermoor
Saída: amanhã cedo.
Destino: Avermoor. Nome esnobe, clima gelado, e tudo o que eu precisava pra sumir.
Respirei fundo.
O choro ameaçou. Mas não. Ele ia ter que esperar. Eu poderia fazer um escândalo, chorar e ficar mal, mas algo em mim dizia para ver aquela situação como uma oportunidade de finalmente seguir sonho.
Eu fui feita de idiota por quatro anos. Mas juro por tudo que esse foi o último papel que eu aceitei sem ser pagaEu sou formada em TI em uma faculdade ótima da minha cidade, tenho certificado em gestão e análise de dados. Eu tenho o que é preciso para recomeçar em uma cidade nova.Os pais do Gustavo farão de tudo para compensar meus pais pelo mau caráter do filho, e eu vou poder ficar tranquila até encontrar um emprego e poder cuidar deles de longe.Eu já sabia o que fazer!
E nada iria me impedir dessa vez.Batidas na porta.
— Filha? Podemos entrar?
Endireitei a postura. Limpei a expressão.
Eu não seria lembrada como a noiva abandonada. Eu ia sair dali como mulher que estava pronta para dar a volta por cima.
— Claro! — Minha voz quase falhou.
Minha mãe entrou primeiro.
— Eva… você tá tão linda… Eu trouxe algo para você.
Ela trazia uma caixinha de presente nas mãos, tremendo de emoção. Meu pai veio atrás, com os olhos marejados e o rosto duro.
— Eram da sua avó… Ela deixou para você antes de morrer, e eu esperei o momento certo para te entregar.Era um colar com um pingente de rosa prateado, a joia do centro brilhava e parecia ser uma pedra valiosa. Uma lágrima vacilou. Minha avó era a mulher que me ensinou a luta quando minha mãe ficou doente. Ela me ensinou a ganhar dinheiro sozinha e me ajudou a custear minha faculdade enquanto viva. Depois que ela faleceu eu ingressei num curso rápido de DJ e comecei a trabalhar a noite também.Meu pai tinha um pequeno negócio que já não andava bem, mas ele nunca abandonou o sonho dele. Era a vida dele. E eu fiz de tudo para ele não precisar acabar com tudo.
Enxuguei a lágrima que escorria do meu rosto enquanto meu pai me ajudava a colocar o colar. Aquele gesto me deu ainda mais coragem para seguir com meu plano.— Vocês podem sentar aqui rapidinho? Preciso falar uma coisa.
Eles sentaram na ponta da cama, com olhares atenciosos. Eu fiquei de pé.
— Eu não vou me casar! — Afirmei sem rodeios
Silêncio. Meu pai engoliu em seco. Minha mãe não entendeu de primeira.
— O quê?
— Eu acabei de presenciar o Gustavo com outra mulher. Com a Sabrina. Eu gravei tudo…
Minha mãe levou a mão à boca. Meu pai se levantou, a mandíbula travada como se quisesse matar alguém. Mas eu continuei.
— Onde está aquele desgraçado? Eu vou… Um silêncio tão pesado caiu sobre a gente que eu podia ouvir meu coração gritando dentro do peito. Minha mãe chorava sem fazer som. O tipo de choro que a gente só vê em velório. E, no fundo, era isso que aquilo parecia: um enterro da filha que eles imaginaram que eu fosse ser.— Mas também não vou sair daqui de cabeça baixa.
Interrompi encostando levemente minha mão em seu peito. Seu olhar para mim mudou, ele me olhou de forma empática, mas eu sabia que por dentro ele estava fervendo de raiva tanto quanto eu.— Eu não quero que vocês façam um escândalo, deixem eu resolver isso sozinha.... Só quero o apoio de vocês. Porque amanhã, eu vou embora de Água Serena
E vou recomeçar. Está na hora de eu seguir meu sonho…
— O que você vai fazer, filha?Respirei fundo. Segurei o choro com os dentes.
— Mostrar pra todo mundo quem ele realmente é— Você tem nosso apoio, sempre — meu pai disse, sem hesitar.
Minha mãe se levantou, me abraçou com força.
Não houve grito. Nem histeria. Só dor.
E força.
Ficamos ali. Os três.
Apenas nós. A verdadeira família.
Eu ainda sentia o gosto amargo da decepção, mas algo em mim já ardia diferente.
Eu daria o meu ponto final naquela farsa. E iria começar a minha nova história.