MIA
A casa dos Sartori parecia prender a respiração à medida que a noite caía. Cada sombra que se alongava nos corredores era como um sussurro não dito. Um presságio. Não era o silêncio da paz — era o tipo de silêncio que precede uma tormenta. Ou um toque. Ou um crime.
Cecília me avisou do jantar com olhos que não ousavam encontrar os meus. Deixou o vestido sobre a cama como quem deixa uma oferenda a uma criatura selvagem. Era preto. De cetim. Justo, decotado e indecentemente elegante. Aquilo não era um traje — era um aviso. Um convite. Um golpe.
Ele escolhera.
E eu sabia disso. Como também sabia que, naquela casa, nada escapava dos dedos frios e calculados de Tomasio Sartori.
Vesti o vestido como quem veste um pecado. O tecido deslizava pela pele
VITTORIOO diário pesava mais do que parecia. Não em gramas — em memórias. Em tudo que prometia revelar.Fechei a porta do escritório e a tranquei. A lua já espiava pelas frestas da janela, mas eu não tinha tempo para sua beleza. Eu queria verdades. Apenas verdades.Coloquei o diário sobre a mesa e encarei a capa gasta, a lombada frágil. As bordas estavam puídas, algumas páginas coladas pelo tempo. O cheiro era de papel antigo... e de coisas que talvez eu não estivesse pronto para saber.Mas abri mesmo assim.Folheei com cuidado, buscando o ano de nascimento de Mia.A caligrafia era delicada, inclinada, feminina. O tipo de letra que se escreve com o coração escancarado — e as feridas expostas.
MIAEncontrei outra carta de Cecília no criado-mudo. O papel era fino, dobrado com cuidado quase cerimonial. A caligrafia firme, elegante, como se cada letra tivesse sido desenhada com um bisturi."Não lute com força bruta, Mia. Ele se alimenta disso. Use o que ele não espera: sua calma, sua inteligência. Deixe que pense que está vencendo. A fuga exige silêncio, não gritos. A chave já está a caminho. Prepare-se. Mantenha-se inteira."Fechei os olhos por um instante. Ainda tremia por dentro, ainda havia raiva e medo pulsando sob a pele, mas as palavras de Cecília eram uma lâmina fria atravessando a neblina. Eu precisava ser mais fria do que ele. Mais precisa. Fingir que cedi — só o suficiente.Desci até o escritório dele. Sozinha.Tomasio
MIAO carro parou diante do ateliê, uma construção antiga com janelas amplas e portas de madeira entalhada. Cecília deu uma última olhada para os soldados no banco da frente, o olhar afiado como uma ordem disfarçada de gentileza.— Vocês ficam no carro. Protejam o perímetro. Ninguém entra, ninguém sai. Está claro?Eles assentiram em silêncio, como bons cães treinados.Cecília desceu, ajeitou o lenço sobre os cabelos com a delicadeza de quem arruma um véu de noiva, e abriu a porta para mim. O gesto era simples, mas escondia toda a tensão de uma fuga que ainda não tinha nome.— Vamos, senhorita. É hora de prov
MIAO silêncio do quarto foi engolido pelo som da respiração pesada, pelo olhar faminto que ele lançou como um predador diante da presa que também era o seu lar.— Você não faz ideia do que eu passei sem você — Vittorio rosnou contra a minha pele, a voz rouca, carregada de dor, de desejo acumulado, de noites mal dormidas pensando no meu gosto.Antes que eu pudesse responder, a boca dele estava na minha.O beijo veio como uma tempestade. Sem calma, sem permissão. Línguas se buscando como se estivessem com fome. Mãos ávidas mapeando caminhos esquecidos. Uma das mãos dele segurou minha nuca com força, a outra desceu pelas minhas costas até me apertar contra o quadril dele, onde eu senti — duro, quente, desesperado — o quanto ele me queria.E eu queri
MIAVittorio me beijou com calma depois do gozo, como se o gosto da minha rendição fosse a bebida preferida dele. Mas, em vez de se apressar, Vittorio me olhou com aquele sorriso que mesclava ternura e crueldade — como quem sabe exatamente o que está fazendo com você.— Eu senti saudade disso — ele murmurou, traçando beijos pelo meu pescoço, descendo devagar. — Mas não só disso.As mãos dele começaram a vagar novamente, passeando pelo meu corpo como se tivessem todo o tempo do mundo. A ponta dos dedos roçou meus seios, desenhou os contornos da cintura, subiu pelas coxas e parou exatamente onde eu mais o queria. Mas não me deu o que eu implorava — não ainda.— Vittorio, por favor… — minha voz saiu entre um gemido e um soluço de frustração. MIAOs lençóis ainda guardavam o calor dos nossos corpos. A respiração de Vittorio acariciava meu pescoço como uma promessa sussurrada, enquanto seus lábios pousavam beijos lentos, quase reverentes, como se quisessem eternizar cada milímetro da minha pele. Estávamos entrelaçados, nus, envoltos por um silêncio cúmplice que parecia suspender o tempo — como se o mundo lá fora não tivesse mais poder sobre nós.— Eu queria congelar isso aqui — ele murmurou, a voz rouca de amor e cansaço. — Gravar cada segundo com você.Sorri, de olhos ainda fechados, deixando meus dedos passearem pelo peito dele, traçando linhas invisíveis que só nós dois entenderíamos.— Vittorio... — sussurrei, como quem faz uma prece.Mas então ele se afastou, apenas o122: Revelações entre Lençóis
VITTORIOComo capo da Cosa Nostra, minha tarefa era simples: cobrar dívidas de drogas, viciados em jogos e prostitutas. E hoje, eu estava no meu escritório, aguardando que meus homens trouxessem mais um desses fracassados: Charles Foster, o tipo de pessoa que me enojava. Viciado em jogos, sem um pingo de autocontrole. E, claro, devia uma boa quantia para a Cosa Nostra.Na Família, eu era conhecido como o Diabo. Minha regra era clara: ninguém deixava de pagar os italianos. E ninguém ousava desafiar essa regra.Eu não permitia que dívidas ficassem pendentes no meu território. Por isso, sempre fazia questão de resolver isso pessoalmente. Eu me encontrava com os devedores no meu escritório, um lugar aconchegante e bem iluminado, localizado no andar de cima de um prédio que abrigava nossos jogos ilegais. A polícia? Eles sabiam, mas fingiam que não viam. Ainda assim, eu sabia que havia muitos esperando minha queda. Um erro, um deslize, e minha cabeça estaria na mira.Verifiquei o relógio Bu
VITTORIO— Por que a trouxeram? — perguntei, a voz gelada e implacável, interrompendo qualquer provocação que Mia pudesse estar prestes a soltar. Nos seus olhos perturbadores, um brilho de raiva faiscou, refletindo a tensão que pairava no ar.— Vim para convencê-lo a esquecer a dívida do meu pai. Ele é...— Deixei bem claro que era para trazerem apenas o Charles — interrompi, sem a mínima paciência. Vi suas mãos se fecharem em punhos, o rosto tenso, transbordando frustração.Benício coçou a testa, visivelmente desconfortável.— Compreendo, Vittorio, mas ela foi insistente.Neguei com a cabeça, impaciente.— Matasse ambos e o problema estaria resolvido. Vocês sabem que tenho assuntos mais importantes para tratar do que perder tempo com um viciado e sua filhinha.Aquilo foi a gota d'água para Mia.— Olha só, seu canalha! — ela disparou. Me virei lentamente para encará-la. Seu rosto, antes aparentemente calmo, agora estava vermelho de pura irritação. — Você tem assuntos mais importantes