Mundo de ficçãoIniciar sessãoA madrugada caía silenciosa, mas Camille não conseguia dormir. Virava de um lado para o outro, o lençol preso nas pernas, o quarto mergulhado naquela escuridão que parece ampliar tudo que a gente tenta esquecer. O nome que ouvira no café, Adam Bennett, ainda ecoava na mente. E, como sempre, onde o passado abria uma porta, outra voltava a se abrir junto. Era impressionante como alguns fantasmas escolhem as piores horas para aparecer. Ela fechou os olhos com força, tentando afastar a memória. Mas, como sempre, ela veio mesmo assim.
A Ruína
O fim com Lucas não foi um simples término. Foi público, humilhante, destrutivo. Naquela época, Camille o amava com uma intensidade quase tola, daquela que faz a gente acreditar que encontrou a pessoa certa cedo demais. Ele era encantador, bonito, inteligente, de uma família influente, promissor e muito popular na faculdade de Medicina. E ela… ela era uma garota linda, esperta, esforçada, apaixonada demais por alguém que nunca soube cuidar dela.
A traição aconteceu rápido. Tão rápido quanto um sussurro vira rumor, e rumor vira vídeo, foto, print, risadas pelos corredores. Ela nunca esqueceria a sensação de chegar na aula e perceber os olhares. Os cochichos. O constrangimento pegajoso que grudou nela por semanas. A colega com quem Lucas a traiu poderia ter sido qualquer pessoa. O que marcou Camille não foi quem era a outra, mas como tudo aconteceu: rápido demais, público demais, cruel demais. Não houve conversa, explicação, arrependimento imediato, houve indiferença. Indiferença dói mais do que a traição.
Camille pensou que Lucas negaria. Pensou que ele lutaria. Que ele teria vergonha do que fez. Mas, no fim da semana, eles apareceram juntos. De mãos dadas. Ali, no mesmo corredor onde todos sabiam que Camille tinha chorado. Algo dentro dela desmoronou de vez. A confiança. A inocência. A possibilidade de acreditar no amor como antes. Lucas não apenas a traiu. Ele a expôs, a destruiu, e ainda seguiu a vida como se nada tivesse acontecido.
Ela terminou o curso sozinha. Séria. Silenciosa. Com uma objetividade dura que ninguém reconhecia, mas que todos passaram a respeitar. Quando se formou, tomou a decisão que mudaria tudo: ia embora. Queria começar de novo. Queria desaparecer do lugar onde virou história triste de corredores. Foi assim que encontrou uma vaga em Pineville, uma cidade pequena, afastada, quase esquecida no mapa. Uma clínica precisava de uma enfermeira, e ela precisava de um lugar onde ninguém soubesse seu nome. Parecia perfeito. E talvez fosse mesmo. Porque foi ali que tudo começou.
O Primeiro Dia em Pineville
Camille respirou fundo, voltando a lembrança com nitidez tão viva que quase podia sentir o cheiro de café novamente. Chegara dois dias antes, com uma mala e uma vontade imensa de não sentir mais nada. O céu de Pineville era mais azul do que ela lembrava que o céu podia ser. O ar era leve, a cidade silenciosa e a solidão, por incrível que parecesse, não doía ali. Naquela manhã, decidiu sair para conhecer os arredores antes de começar na clínica. Lembrava-se de entrar no pequeno café da praça, o único de verdade que havia na cidade. Lembrava-se de sentar, abrir o caderno, tentar escrever qualquer coisa. E então, o sino da porta tocou. Ela virou o rosto sem querer e o viu.
Um rapaz alto, pele morena dourada pelo sol, cabelo bagunçado de forma natural, passos largos de quem estava acostumado a andar por trechos de terra e estrada. Roupas simples, mas que não diminuíam em nada a presença dele. Ele entrou como quem não tem ideia de que é bonito. O tipo de homem que chama atenção justamente porque não tenta. Ele não era o tipo de beleza treinada, polida, moldada em academia. Era um tipo de beleza crua, real, honesta.
Camille desviou rápido, como se tivesse sido pega olhando demais. Mas o coração deu um pequeno salto, desses involuntários, que ela não sentia há muito tempo. O rapaz foi até o balcão, conversou com a atendente, deu um sorriso curto e tímido. Um sorriso bonito. Bonito demais para o próprio bem. Ou para o bem dela. Camille lembrava do impacto. Não foi paixão nem nada parecido. Foi… presença. Um reconhecimento estranho no peito, como se aquela figura tivesse importância antes mesmo de existir na vida dela.
Quando ele passou, o ar pareceu mudar. Não havia perfume importado, só cheiro de banho fresco e ainda assim era uma fragrância que ela nunca esqueceu. Ele então sentou na mesa ao lado. Camille tentou fingir que não estava curiosa. Tentou escrever, olhar pela janela, qualquer coisa que mantivesse o coração no lugar. Mas, pela primeira vez em meses, sentiu algo acordar dentro dela. Um interesse suave. Um despertar involuntário. Como se a vida estivesse dizendo: calma, ainda existe mais.
Ele foi quem falou primeiro:
— Você é nova por aqui.
A lembrança do tom de voz dele, grave, rouco, natural, fez a pele dela arrepiar até agora. A conversa foi curta, simples, sem intenção. Mas carregada de algo que ela, na época, não soube nomear. Ele se apresentou:
— Sou o Adam.
E ela respondeu:
— Camille.
Quando disse o nome, ele a olhou com uma intensidade que fez o chão desaparecer por um instante. Era um olhar curioso, direto, sincero. Um olhar que enxergava mais do que deveria. Camille respirou fundo, de volta à cama escura do presente. Não adiantava negar. Aquele momento simples, leve, inocente mudou a vida dela. Porque foi ali, na mesa ao lado, que Adam Bennett entrou em sua história. E, agora, parecia que o destino queria que ele entrasse de novo.







