A manhã começou com o sol brilhando intensamente sobre o vilarejo. O calor, embora sufocante, parecia ser menor que o peso no meu peito desde que Isaías reapareceu na minha vida. Durante os primeiros minutos da conversa, enquanto ele me contava como chegou aos Médicos Sem Fronteiras, percebi que havia algo genuíno em suas palavras. O entusiasmo com que falava das experiências que viveu, das pessoas que conheceu e do impacto que o trabalho humanitário causava nele, era algo que eu jamais esperava ver. Ele havia mudado – ou pelo menos parecia ter mudado. — Nunca imaginei que você fosse o tipo de pessoa que largaria o conforto para estar em um lugar como este — comentei, tentando esconder a ponta de sarcasmo na minha voz. Isaías riu, mas havia um toque de ironia em sua expressão. — Nem eu, para ser honesto — ele disse, cruzando os braços — Não foi exatamente algo planejado. — Como assim? — perguntei, curiosa, mas mantendo a voz firme.
A manhã parecia interminável, marcada pelo calor sufocante e pela constante tensão que pairava no ar. O vilarejo, com suas casas improvisadas e crianças correndo descalças, contrastava com a urgência desesperada que Isaías e eu sentíamos dentro da tenda médica. A pequena menina, deitada na maca improvisada, parecia cada vez mais frágil, a vida se esvaindo lentamente diante de nossos olhos. — E se organizarmos uma transferência? — sugeri, a voz mais alta do que pretendia — Conseguimos alguém para levá-las. Não podemos simplesmente aceitar que ela não tenha chance. Isaías me olhou, surpreso por minha determinação. Por um momento, pensei que ele fosse questionar minha ideia, mas, em vez disso, assentiu. — Vou ver o que posso fazer. Ele saiu apressado, deixando-me sozinha com a mãe da criança, que segurava a pequena mão da filha como se isso pudesse impedir que ela se perdesse. Sentei ao lado delas, e a menina abriu os olhos apenas p
O calor daquela manhã parecia sufocante, queimando a pele como se quisesse gravar na memória a intensidade daquele momento. Mas, no fundo, não era só o clima que pesava. Era a tensão no ar, quase palpável, como um manto invisível que apertava o peito e tornava cada respiração um esforço doloroso. Aquele calor parecia carregar todos os sentimentos não ditos, transformando a atmosfera em um reflexo exato do turbilhão dentro de mim.Passei os últimos dias mergulhada no trabalho com Isaías, ajudando onde era necessário. Cada vez que resolvíamos uma emergência, outras surgiam como se a dor ali fosse uma entidade insaciável. Mesmo assim, eu me mantinha firme, lembrando que Alice estava segura na companhia de Sophi, Luana e tio Charles. E isso já era o suficiente para agradecer a Deus.O vilarejo, que parecia em frangalhos mesmo em tempos de paz, agora estava à beira de um colapso. Os rumores sobre os rebeldes se aproximando não demoraram a se co
Isaías apertava minha mão com força enquanto nos guiava pela floresta escura. A cada explosão ou grito que ecoava ao longe, meu coração disparava, mas ele continuava avançando com determinação. Era como se ele fosse incapaz de sentir medo, ou talvez estivesse apenas usando todo o seu foco para nos manter vivos. Atravessamos um campo aberto assim que uma cortina de poeira subiu, Isaías aproveitando aquele momento para nos levar até a segurança da floresta. Minhas pernas doíam e o ar pesado parecia encher meus pulmões de pedra, mas ele não parava, e eu também não podia. Quando finalmente encontrou um local que parecia seguro, Isaías soltou minha mão e me fez sentar sob uma moita que, de tão grande, formava um domo natural. Ele começou a abrir sua mochila, tirando o que me parecia uma coleção improvável de itens: um saco de dormir, uma garrafa de água, antisséptico, analgésicos e algumas barras de cereal. Ele então pegou minha mochila.
O som das vozes me arrancou do torpor do sono como uma bofetada. Por um segundo, pensei que ainda estava sonhando, mas quando olhei para Isaías, seu olhar atento e o gesto de dedo nos lábios me fizeram entender imediatamente. Não era um sonho. As vozes vinham de algum lugar perto, abafadas pela vegetação, mas claras o suficiente para que percebêssemos que não estávamos sozinhos. Meu coração começou a bater tão forte que parecia ecoar em meus ouvidos, quase tão alto quanto os sons ao redor. Isaías inclinou-se para perto de mim, a boca tão próxima de minha orelha que pude sentir seu hálito quente contra minha pele. — Fique calma — Ele sussurrou, a voz tão baixa que quase foi engolida pelo som das folhas farfalhando. Calma? Como ele esperava que eu ficasse calma quando parecia que a qualquer momento seríamos descobertos? As vozes ficaram mais próximas. Consegui distinguir ao menos três ou quatro delas, mas o idioma era estranho, um
A tensão cortava o ar como uma lâmina afiada. Eu podia sentir cada fibra do meu ser pulsando em alerta. Alby estava logo atrás de mim, o som da respiração dela pesada e ansiosa. As vozes que vinham se aproximando eram baixas, mas, mesmo assim, davam arrepios. Cada palavra proferida pelos estranhos parecia carregada de uma ameaça iminente. O cheiro de medo se espalhava pela floresta, e eu sabia que aquele silêncio insuportável não iria durar muito.Então, finalmente, eles apareceram. Seis homens. Armados até os dentes. Sujos, com rostos endurecidos pela maldade, pelo ódio. O líder, um sujeito enorme, de barba por fazer e olhos atentos, observava-nos como se já soubesse o que fazer conosco. Era como se a simples visão de nossas presenças fosse uma afronta pessoal.— O que temos aqui? — A voz dele era baixa, mas repleta de veneno. — Dois ratos perdidos na selva.Meu instinto me dizia para não deixar Alby fora
Eu estava sendo arrastada, sem forças para resistir. Meus pés mal tocavam o chão enquanto as mãos ásperas e sujas dos homens me empurravam para frente. O som dos meus passos ecoava na floresta, e o medo estava tão forte em meu peito que mal conseguia respirar. Não sabia o que esperar. Não sabia o que ia acontecer comigo. Mas uma coisa era certa: eu não tinha mais controle sobre nada.O líder dos rebeldes, o homem de olhos frios e sorriso sádico, me observava com uma expressão de prazer quase doentio enquanto me afastava de Isaías. A sensação de estar sendo arrancada dele, de estar sendo levada para longe, me fazia sentir como se estivesse sendo arrancada de mim mesma. Minha mente girava, confusa e aterrorizada. Eu tentava a todo custo não olhar para trás, mas a cena de Isaías sendo espancado queimava minha mente, recusando-se a sair. O som dos golpes ainda ecoava em meus ouvidos, como se a dor dele fosse minha também. O que fari
Os dias se arrastavam como correntes pesadas, e a incerteza era a única constante que eu conhecia. Cada minuto parecia uma eternidade, cada segundo uma sentença. Eu não sabia onde Isaías estava, e a ausência dele se tornava uma dor insuportável. A cada hora que passava, o medo de nunca mais vê-lo se aprofundava, transformando-se em um monstro que se alimentava de mim, corroendo minhas forças, minha esperança.A distância entre nós parecia um abismo impossível de atravessar. Quanto mais eu tentava me apegar a uma fração de esperança, mais essa distância se expandia, como se tudo estivesse contra nós. O desespero tomava conta de mim, a cada novo amanhecer, me lembrando de que talvez o pior ainda estivesse por vir.Eu ainda estava na cozinha, trabalhando como se a vida fosse continuar dali em diante. Mexia nas panelas, cortava vegetais e servia os homens sem nem mais pensar no que estava fazendo. O corpo mecânico, em uma rotina diária de pura