"Summertime is always the best of what might be."
— Charles Bowden (Tradução: "O verão é sempre o melhor daquilo que poderia ter sido.") O cheiro de café recém-passado se misturava ao perfume de bolo de fubá assando no forno. A luz suave da manhã atravessava a janela da cozinha, pintando desenhos dourados no chão. Ayla bocejou, ainda lutando contra o sono, enquanto sentava-se à mesa. — Bom dia, família! Vocês não têm ideia do que preparei para este ano! — Rafael anunciou, levantando os braços como um maestro prestes a reger uma orquestra. — Bom dia, pai... — Ayla bocejou novamente, esfregando os olhos. — Deixa eu adivinhar... Pescaria? — soltou uma risadinha preguiçosa. Do outro lado da mesa, Helena riu da suposição certeira da filha. — Assim não vale! Só saímos uma vez para pescar em família! — Rafael fez cara de injustiçado, cruzando os braços de brincadeira. — Meu amor, nos últimos meses você só fala em pescaria. Era óbvio que a Ayla ia adivinhar! — Helena provocou, estendendo a xícara de café para a filha. — Mas, falando sério... conseguimos alugar uma casa na Serra Lunar. Vamos passar dezembro e janeiro lá. — Fez um sinal rápido de silêncio, percebendo que Ayla já arregalava os olhos, prestes a gritar. — E sim, tem piscina. E pode levar a Bianca, se os pais dela deixarem. Ayla não conseguiu se conter. Deu um pulo da cadeira e se jogou nos braços do pai, o sorriso iluminando seu rosto como o sol da manhã. Sempre sonhara em passar as férias na Serra Lunar, aquele lugar mágico no meio das montanhas, onde riachos serpenteavam pelas pedras e o céu parecia mais próximo. Mas até então, os horários malucos dos pais — Rafael, médico socorrista; Helena, cardiologista — nunca permitiram. Eles haviam se conhecido ainda na faculdade de Medicina — Rafael era um semestre mais adiantado que Helena. Desde o primeiro contato, tornou-se aquele tipo de pessoa que parecia já ter vivido mil histórias e, mesmo assim, sempre tinha tempo para sorrir e ajudar. A conexão entre eles foi imediata. Anos depois, já formados, decidiram construir uma vida a dois. Quando Ayla nasceu, Helena deixou o trabalho de campo e focou nos hospitais. Rafael, no entanto, jamais abandonou sua paixão: socorrer e salvar vidas. "Tirar isso dele seria como arrancar as asas de um pássaro", dizia Helena com um sorriso sereno, mesmo nos dias difíceis. Ayla cresceu admirando essa cumplicidade silenciosa entre eles. A troca de olhares que dispensava palavras. Os gestos pequenos, mas cheios de significado. E, no fundo, sonhava em um dia encontrar alguém assim, alguém que fosse seu pedaço perdido. — Mas vocês nunca tiram férias nessa época... Como vão conseguir? — perguntou, apertando a mão do pai, com receio de que fosse bom demais para ser verdade. — Faz anos que não tiro uma pausa de verdade — Rafael confessou, sorrindo com o cansaço escondido no olhar. — Desde que voltei a trabalhar nos plantões da Cruz Vermelha, só trabalho. Esta surpresa é para as minhas duas meninas. E, de repente, o dezembro tão esperado chegou. --- O carro serpenteava pela estrada de terra, subindo lentamente pelas encostas verdejantes da Serra Lunar. Ventos frescos agitavam as árvores, fazendo as folhas dançarem em ondas suaves. Quando a casa apareceu entre as árvores, Ayla prendeu a respiração. Era como entrar num cartão postal. A construção era rústica, feita de pedra e madeira envelhecida, com janelas grandes e varandas que pareciam abraçar a paisagem ao redor. Um riacho cristalino corria bem ao lado, seu som como uma música suave que preenchia o ar. Assim que estacionaram, Ayla saltou do carro e girou sobre os calcanhares, os braços abertos para o céu azul. — Se queriam uma segunda lua de mel, não precisavam me trazer junto! — brincou, rindo. — Vocês não fizeram um castiçal... mas fizeram uma menina muito linda! Helena gargalhou enquanto Rafael fingia indignação. Por dentro, Ayla vibrava. A casa era simples, mas exalava aconchego. No interior, poltronas de couro gasto rodeavam uma lareira de pedra, livros antigos enchiam prateleiras esculpidas manualmente. E, no canto da sala, sob uma janela enorme, havia uma pequena rede de leitura com almofadas coloridas. Parecia ter sido feito para ela. — E então, Ayla? O que achou? — Helena perguntou, os olhos brilhando de expectativa. — Eu amei, mãe. Parece... parece que pensaram em mim. Em nós. Rafael aproximou-se, apertando gentilmente o ombro da filha. — O cara que projetou esta casa deve ser inteligente, bonito e talentoso. Eu me casaria com ele. — Pai! Mudou de lado? — Ayla arregalou os olhos, arrancando risadas dos três. — Já casei com ele. — Helena piscou para o marido. — Minha mãe casou com ele... Espera... MINHA MÃE CASOU COM ELE?! ENTÃO... — Sim, filha. — Rafael riu. — Esta casa é nossa. Por um instante, Ayla ficou paralisada. Depois, correu para abraçá-los, o coração explodindo de alegria. Aquele seria o melhor verão de sua vida. --- Depois de organizar as malas e ajudar os pais a acenderem a lareira, Ayla decidiu explorar o condomínio. O crepúsculo já se espalhava em tons de laranja e lilás no céu. O ar cheirava a terra molhada e madeira fresca. Passarinhos noturnos começavam suas serenatas tímidas. As casas ali eram afastadas umas das outras, respeitando a vegetação original da serra. Era quase como caminhar por uma vila encantada, perdida no tempo. Foi quando ouviu. Uma melodia. Vinha do topo da colina, onde uma casa maior e mais antiga parecia quase se fundir com o cenário. O som de um piano preenchia o ar, acompanhado por uma voz — tão suave e melancólica que algo apertou o peito de Ayla. Curiosa, seguiu silenciosamente até a cerca viva que separava as propriedades. Escondeu-se atrás dos arbustos e espichou o pescoço para espiar. A luz da varanda acendeu. Um homem de cabelos grisalhos saiu, falando ao telefone. Ele não era o cantor. A voz continuava, vinda de dentro. Enquanto observava, a música dentro da casa permanecia intensa, carregada de uma saudade quase palpável. Ayla ficou ali, hipnotizada. Havia algo naquelas notas que parecia... chamá-la. Mas, sentindo o frio da noite se intensificar e sem querer ser descoberta, decidiu voltar para casa. Ainda assim, ao caminhar de volta, prometeu a si mesma: "Preciso descobrir quem está cantando." Porque aquela voz não era apenas bonita. Ela parecia estar entrelaçada, de algum jeito inexplicável, ao seu destino. "Alguns verões marcam a pele com sol... e o coração com aquilo que nunca se esquece." By: Yumi