3° Capítulo

Flor López

Olá! Eu me chamo Flor López, hoje tenho vinte e três anos. Sou sobrinha do Fernando López, mas todos aqui no morro do Jacarezinho e fora daqui o conhecem como "O Animal". Mas, no fundo eu o considero como um irmão mais velho, aqueles que vivem pegando no nosso pé e nunca nos deixam fazer nada daquilo que gostamos.

Sou nascida e criada aqui no Jacarezinho, mas pergunta quantas vezes conseguir subir a ladeira e conhecer um baile de perto? Nunca! A última vez que tentei fugir pra fazer isso, eu tinha dezoito anos e levei uma coça de vara que me fez parar no postinho e que me deixou arriada por quase um mês. E o Nando ainda fez questão de deixar as coisas bem claras e mostrar quem mandava por aqui.

— Sou o chefe dessa favela e também dessa casa. Enquanto tu tiver debaixo do meu comando vai fazer só o que eu deixar e quiser. Quero saber de sobrinha minha se esfregando em vagabundo nenhum não. Tenho um nome a zelar Flor e não quero ser tachado como parente da putinh@ da vez. Muito menos virar chacota na boca do povo e dos meus soldados. Sacou?

Essas foram as palavras que ele dizia enquanto me lapeava nua no banho. Esse foi um dos piores dias da minha vida, só não falo que foi o pior porque nada chega nem perto da noite em que recebi a notícia ou melhor vi nos noticiários policiais da TV que um traficante tinha sido pego numa tocaia pelos inimigos da facção rival. E que foi esquartejado e jogado dentro de um tonel de aço. Tudo parecia monstruoso, mas o que eu nunca imaginei é que àquele corpo era do chefe dessa comunidade, ou seja o meu pai.

Eu já tinha perdido a minha mãe também assassinada pelos caras da facção rival e agora perdia o meu pai desse jeito como se fosse um bicho. Eu só tinha doze anos... imagina o que não passava na cabeça de uma garota de doze anos ao ver os pais morrendo desse jeito tão brutal? Minha vontade era morrer, eu tentei fugir, até o suicídio eu tentei fazer no meu desespero de acabar com todo esse sofrimento tomando veneno de ratos... Mas, daí fui impedida pelo Rony, que geral aqui conhece como "Cifrão ou Senegal". E foi nessa que cometi o maior erro da minha vida, me apaixonar por um traficante.

Rony é um sujeito que já fez e continua fazendo muita merda por aí e sabe de todos os podres do Nando, acredito que ele saiba quem foi o culpado pelas mortes dos meus pais. Mais é claro que ele nunca vai me dizer... Mas, uma coisa é certa... algum dia eu vou descobrir toda a verdade e vou correr em busca do certo... não vou deixar a morte dos meus pais assim impune e uma hora ou outra a justiça vai chegar.

Bom... hoje é domingo e como sempre tô presa dentro dessa casa que mais parece uma prisão, de tantos seguranças que tem em torno dos muros de mais de quatro metros de altura cercados por cerca elétrica e ainda pra completar tem câmeras de vigilância em todos os lugares, desconfio que tenha câmera até no banheiro. Eu me sinto no próprio BigBrother do Jacarezinho de tanto que sou monitorada.

Se isso é bom? É uma merda. Me sinto como um verdadeiro animal em extinção encurralada nessas paredes tão sofisticadas revestidas de gesso e cheia das mordomias, mas que no fundo só servem pra deixar a minha prisão domiciliar mais confortável e não se parecer com as paredes de concreto do sistema penitenciário.

Sempre achei tudo isso um verdadeiro absurdo, mas o que eu posso fazer? O Nando é o chefe, dono da casa, aquele que coloca o dinheiro aqui dentro e enquanto eu estiver debaixo do teto dele tenho que acatar as suas ordens. Diz ele que tudo isso é por precaução, porque se preocupa comigo e com a minha segurança. Fala que sou sua única família e por conta disso não pode deixar fácil para os inimigos me fazer de refém e querem tomar o morro.

Mas no fundo sei que ele faz tudo por ele mesmo, pra saciar seu ego, seus desejos e sua obsessão por poder. Ele é viciado em academia, todo neurótico com o corpo e sabe por quê?

Porque quando adolescente ele era totalmente diferente. Era gordo, usava óculos de grau por conta de ser míope, tinha várias espinhas no rosto, cabelo que mais parecia uma espiga de milho de tão duro... resumindo, o meu tio era feio demais. Nunca teve uma namorada e a única garota que ele se apaixonou foi no colegial, soube que ela até era legal com ele, mas por se achar feio e com medo de ser rejeitado deixou o tempo passar e nunca chegou junto dela. Talvez por isso ele tenha se tornado esse monstro que odeia as mulheres e o animal que é hoje em dia. Tento encontrar um jeito de fazer com que ele tenha um lado bom, mas é praticamente impossível. Porque a cada dia que passa ele só piora e confesso que não suporto mais os seus maus tratos. Já até tentei fugir na única hora que tô fora desse morro, que é o horário das aulas na Universidade de veterinária. Mas, até isso ele descobriu e o que deu? Fiquei proibida de sair do morro e fui obrigada a fazer o meu curso on line... Era isso ou abandonava tudo. Como se eu tivesse alguma coisa né!? Mas, naquele momento os estudos eram muito importantes pra mim, era um sonho que sempre tive de cuidar dos animais e abrir uma clínica aqui no morro cobrando preço justo pras pessoas terem um atendimento de qualidade pra seus pets. E desistiŕ do curso era o mesmo que abrir mão da minha razão pra viver e por isso tenho aguentado todos esses absurdos. Mas, minha hora vai chegar e logo vou ser livre desse lugar e principalmente das garras do meu irmão. Enquanto esse dia não chega continuo estudando e passando meu tempo cuidado do "Mingau" meu vira latas lindo que tanto amo.

Enfim.... agora tô sentada de frente a televisão comendo uma fatia de pizza de quatro queijos que adorooooo... Com o Mingau deitado em cima dos meus chinelos esperando eu deixar cair alguma migalha de pizza ou dar mole para ele roubar a caixa toda e comer as fatias numa bocada só. E claro, sonhando com o idiot@ do Rony que insiste em me chamar de bebê e me tratar como se eu fosse uma.

Até quando esse imbe.cil vai ficar nessa?

Será que não percebe que já sou uma mulher e apaixonada por ele a maior cota?

— Ai Flor! Você precisa acordar e largar de mão esse babac@ antes que seja tarde de mais. Isso não tem futuro e pelo visto só vai atrasar a tua vida, além de te fazer morrer virgem com esse sonho da tua primeira vez ser com ele né!? Aff... me sinto uma verdadeira imbe.cil por amar um cara que nunca vai me ver como mulher e ainda ter dispensado um cara tão legal como o Diego, meu único amigo de verdade...

Falo comigo mesma enquanto pego um copo de soda Antártica e quase derrubo tudo quando ouço o noticiário na televisão. Aumento o volume e não acredito no que eu vejo.

Repórter Narrando a Notícia

— A violência no Rio de Janeiro parece não ter fim. Estamos diante de mais uma barbárie cometida por criminosos envolvidos com o facção do comando vermelho... Numa tentativa de assalto, tudo deu errado e por conta disso uma vítima inocente pagou com a própria vida. Uma criança que tinha acabado de completar cinco anos foi arrastada por quase cinco metros presa a um cinto de seguranças enquanto os marginais trocavam tiros e tentavam fugir da polícia. Um desses bandidos foi atingido caindo na estrada e sendo atropelado por um caminhão que vinha em sentido contrário. Ele morreu na hora e foi identificado por Clayton Kauã de Oliveira, mais conhecido como...

A repórter nem havia terminado a notícia e logo dou um grito que fez o Mingal se assustar latindo pra cima de mim.

— CKKKKKKKKKKKK... Meu Deus! Não pode ser... isso não pode ser verdade... Será que o Nando já sabe disso? E o Rony??? Eu preciso sair daqui e descobrir o que aconteceu. — dou um grito deixando o copo de refrigerante cair no chão.

Calço meus chinelos havaianas e saio desesperada para ter mais notícias.

— Onde tu vai Flor? Pode sair de casa assim não. Temo que avisar ao chefe antes e tu só sai se ele liberar tá ligada!? — JC um dos seguranças e que me conhece desde sempre tenta me impedir parando na minha frente

— Me solta JC, merda! Cadê meu irmão? Cadê ele porra? Eu já sei de tudo o que rolou. Sei do assalto e também da morte da criança. Que merd@ vocês têm na cabeça pra fazer essas coisas e ainda por cima colocar criança no meio dessas imun.dícies? — grito tentando passar e ele me impede me cercando

— Sei de nada não Flor. Me deixa fora dessa. Tô aqui na tua segurança e cumprindo ordem. O que rol@ pra fora do morro e no asfalto tá fora das minhas responsabilidade. Na moral, volta pra casa e alivia pro meu lado. — ele fala segurando uma fuzil com a mão direita e com a outra sinaliza pra eu voltar

Dou um grito e ele fica mais nervoso ainda.

— Passa o radio e manda Rony chegar aqui. Bora porra, tá esperando o que pra fazer o que tô falando?

— Flor nós se conhece desde moleque e da época do grande RK, mas agora as parada mudou e tu sabe que se nós vacila teu tio mata nós sem piedade. Tô mandando o papo reto pra você na moral, facilita as paradas, entra na casa e esquece essa merda de assalto. Deixa baixo que essa porra ainda vai feder e quanto mais longe tu tiver disso melhor vai ser tá ligada!? — JC fala e eu não quero nem saber de nada, dou um pisão no pé dele e um golpe com meu joelho no meio das suas pernas e saio abrindo o portão correndo para a rua.

Ele fica caído no chão e só falo:

— Foi mal JC! Mas, ninguém mais vai me impedir de merda nenhuma nesse morro.

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