Depois de colocar minhas malas no porta-malas, entrei na parte de trás do carro e afivelei o cinto. Porém, mal respirei uma vez quando soltei o cinto e me lancei por cima dos bancos, caindo nos braços do motorista.
O riso dele fez meus olhos arderem.
— Ei, minha joaninha.
— Tio Ronnie. Estava com saudade de você. — Passei por cima dos bancos e fui sentar no banco da frente. — O que você está fazendo aqui? — Ronnie era o Beta do meu pai. Não éramos parentes, mas ele esteve presente em quase toda a minha vida.
— Acha mesmo que eu deixaria minha sobrinha atrevida vir sozinha para as terras da alcateia? Nem sonhando.
— Foi o papai que te mandou? — ri, enquanto perguntava.
— Foi o seu pai que me mandou. Seu velho vive preocupado com tudo. — Ele riu junto comigo. — Assim que sua mãe ligou, ele me mandou com o jatinho.
— Ele não precisava ter feito isso. — Balancei a cabeça e, mais uma vez, prendi o cinto.
— Claro que precisava. Ele quase nunca te vê, e agora você decidiu ir para lá, justamente no verão. O que está acontecendo? — Meu tio me olhou, e eu apenas balancei a cabeça.
— É que não quero estar aqui.
— Por quê?
Olhei para minhas mãos, que estavam torcidas no colo.
— Tenho medo de que meu companheiro esteja aqui… e não quero estar certa. Achei que, se eu fugisse, podia adiar o inevitável.
— Por que você não quer seu companheiro? — Meu tio perguntou, enquanto acelerava pela estrada, rumo ao aeroporto.
— Eu vou contar pra você e pro papai... só não quero contar agora.
Ele me olhou, tentando decifrar meu rosto, e depois assentiu.
— Tudo bem. Mas quero a história completa.
— Vai ter, eu prometo. — Encarei a estrada e arregalei os olhos. — Agora foca em dirigir, senão você mata a gente. — Peguei o volante, desviando de volta para a nossa pista.
— Merda! — Tio Ronnie agarrou o volante de volta e focou na estrada. — É que me preocupo com você, filhote. — Não consegui conter a risada, porque os lobos paravam de envelhecer aos vinte e cinco, e ele mal parecia mais velho do que eu.
— Eu sei que se preocupa. — Me ajeitei no banco e suspirei. — Prometo que o que aconteceu não vai te deixar mais tranquilo. — Limpei o rosto. — Nem sei por que minha mãe decidiu me mandar para ficar com meu pai. Ela só disse que ele podia me ajudar de alguma forma.
— Bom, vamos chegar logo em casa pra podermos descobrir do que você precisa, Docinho. — Meu tio pisou no acelerador, e chegamos ao aeroporto em pouco tempo.
Ele me ajudou a carregar as malas e subimos para o jatinho, nos acomodando ali.
— Tente cochilar um pouco. Parece que você mal dormiu essa noite, e temos algumas horas pela frente. — Meu tio deu um tapinha na minha cabeça antes de se sentar à minha frente e abrir o laptop.
— Trabalho?
— Trabalho. — Ele assentiu.
— Neste verão, você pode me ensinar umas coisas? — Um plano se formava na minha cabeça, um plano não só para me manter livre do meu companheiro patético, mas também para ganhar muito dinheiro.
— Claro, Docinho. — Meu tio sorriu para mim. — Mas, você sabe que seu pai te ensinaria praticamente tudo o que sabe, se você deixasse, não é?
— Eu pedi pra me mudar pra sua alcateia. — Enrolei-me no cobertor que a comissária de bordo me entregou, e Ronnie me olhou, mais em alerta do que nunca.
— O que está acontecendo? — Os olhos dele brilharam.
— Eu vou explicar tudo depois. Só que você precisa prometer que vai tentar acreditar em mim e não me julgar.
— É claro que vou, Docinho. — Ele sorriu e voltou ao laptop no colo. — Agora durma um pouco.
— Pode deixar. — Virei de lado e adormeci, quase instantaneamente.
Acordei com o Ronnie me sacudindo.
— Chegamos.
Dei um bocejo enorme, estalando o maxilar, antes de limpar os olhos.
— Tá bom... — Entreguei o cobertor e limpei o rosto de novo. — Obrigada.
— Sem problema, Princesa. — A comissária de bordo sorriu pra mim, e só então percebi que ela também era da alcateia.
— Você não precisa me chamar de Princesa.
— Claro que preciso, você é filha do Alfa. — Ela fez uma reverência e nos deixou a sós.
— Vamos, seu pai já me ligou três vezes, desde que pousamos. — Ronnie riu e me levou até o carro que nos esperava. Em trinta minutos, estávamos nas terras da alcateia. — Seu pai deixaria você se mudar pra cá se você pedir, Docinho.
— Eu sei. Mas o Alfa Dan disse que eu precisava voltar... — Olhei para o lado e soltei um suspiro. — Acho que ele desconfia que estou fugindo de alguma coisa e não quer me liberar até ter certeza.
— Mas, você está fugindo, não está? Vai me contar agora, Docinho?
Hesitei enquanto o carro parava em frente à casa da alcateia. Antes que eu respondesse, a porta foi escancarada e fui envolvida por braços fortes e um cheiro que acalmou meu interior, até então trêmulo de expectativa.
— Pai.
— Oi, minha filhote. — A voz grave dele me acalmou ainda mais, e senti os olhos arderem.
— Estava com saudade. — Funguei enquanto ele soltava meu cinto e me envolvia completamente em um abraço.
— E eu de você. — Ele beijou minha têmpora. — Agora temos muito o que conversar. — Ele já estava correndo comigo nos braços, antes que eu dissesse outra palavra.
Ronnie vinha logo atrás.
— Vai com calma, seu idiota. Nem todos conseguem correr assim. — Ronnie tentava acompanhar, e meu riso ecoou pelos corredores da casa da alcateia. Nos acomodamos no escritório do meu pai, com um Ronnie ofegante e carrancudo. Deus, como eu senti falta desses dois.
— Me diga o que houve, filhote. — Olhei ao redor, mas as palavras ainda travavam na garganta. Meu pai segurou meu rosto e balançou a cabeça. — Nada do que você me contar vai mudar nada, filhote. Eu vou acreditar em você, mesmo que sua história pareça uma loucura.
— Eu também, Docinho.
Meu peito se acalmou ao ver o quão firme ele estava. Ele acreditaria na minha loucura. Dava pra ver que, por mais absurda que fosse a história, meu pai e Ronnie acreditariam em mim.
Naquele lugar eu nunca precisaria duvidar da minha própria sanidade.
Então, finalmente, me acomodei de verdade... e contei toda a minha história.