— Depois que fiquei viúva, não pensei nisso. - Helena saboreava a sobremesa. Gregory a ouvia, desejando ser aquela colher. - Depois de muito refletir, acabei percebendo que as separações são como, não sei bem como dizer, saltos em uma espécie de universo paralelo onde, de repente, a gente passa a viver numa linha paralela de existência. Algo do tipo como se nunca tivéssemos vivido o que vivemos e aquilo não passasse de um pesadelo aterrorizante que faz a gente sufocar de madrugada. - Gregory a ouvia, atento. Aquilo era algo que ele ficava feliz de ouvir com tanta gentileza. - Dei a isso o nome de "after" na minha cabeça, como o que acontece depois das festas de fraternidade onde a gente enlouquece e no dia seguinte não lembra nem onde deixou a dignidade. - Ela cobriu a boca, rindo, gostosamente. - Se você nunca tivesse se casado, como teria sido sua vida? Quem seria o Doutor Greg Stuart? Como esse homem viveria? Já pensou que bom seria, de repente, você poder fazer um desaforo para o
— Você se importa com essa opinião? - Gregory disse, já dobravam a esquina para o prédio. — Não, essencialmente. Não são mentiras. - Ela respondeu, suave. - É bom para pensar naquilo que posso ajustar, mascarar ou descartar. Se ursos selvagens podem fazer gracinhas em circos, tudo se torna comportamento aprendido. - Ela baixou o vidro, sinalizou, liberando o portão. - Amanhã, vou deixar autorizado seus tags e programar suas senhas e o cartão. Vai estar tudo pronto, no balcão, quando acordar. - Ela acenou para a guarita, fechando o vidro. - Ao lado do meu carro. — Aquela caminhonete, certo? - Ele perguntou. - A preta? — Sim. As vagas dos lados são nossas também. - Ela respondeu, amigável. Pare do seu lado. O carro é da mesma cor do seu. O do lado do passageiro é branco. É uma tragédia tirar as manchas. - Gregory a obedeceu. Assim que ele parou, ela abriu a porta e desceu, olhando sobre o ombro, marota. - Gosta tanto assim do seu carro? - Ela desafiou. — Não, espera. - Ele se apre
— Ainda me recuperando, Major. Obrigada por perguntar. - Ela recolhia a documentação, sobre a mesa que estava virada em uma imensa bagunça. - O senhor? — Helena. - Ele segurou o pulso dela. Usava o bonito conjunto formal do escritório, com o paletó, o lenço no pescoço, no lugar da gravata. O coque justo, maquiagem leve e o cheiro enlouquecedor de fêmea, que só ela tinha. - Não precisa ser assim. Rosenbauer os via através do vidro, horrorizado. Eram amigos, mas aquilo ultrapassava o que ele considerava amizade. Philip abria o monitoramento da sala, ouvia-os. — Pete, me solta, cara. - Ela assumia uma perigosa postura. Peter não sabia a extensão dos danos e nem quanto ela ainda podia surrá-lo com a própria perna, mas aquele olhar feroz era suficiente para que ele a soltasse. - Somos amigos. Todo o resto vai se acomodar e a gente vai esquecer essa bobagem. - Ela disse, fria, recolhendo os documentos restantes e os alinhando, em batidas suaves e curtas sobre a mesa. — Bobagem, Helena
— Obrigada por tudo, Johnson. - Helena não terminou sua refeição. Deixou a bolsa de gelo sobre o balcão, pôs a mão no ombro do homem e deu um tapinha, sorrindo para ele. Passou por Maria a encarando. Um movimento de olhos para o celular no balcão. A Tenente saiu dali e foi para sua caminhonete. — Brown, seu celular. - Maria saiu da Molly e correu até Helena, que havia deixado do dispositivo, para trás, de propósito. - O que está acontecendo aqui? - Maria a alcançou. Helena levou a arma na cabeça de Maria e estendeu as algemas, sem dizer nada. A Cabo foi raptada, no meio do estacionamento do café, a plena luz do dia e do outro lado do departamento de polícia. A jovem foi guiada até a caminhonete e acomodada. Era amarrada ao banco, em silêncio. Maria foi desarmada, seu celular desligado. O carro entrou em movimento. Helena tinha o espanhol perfeitamente nítido. Trocaram veículos em algum lugar. — Lamento, Maria. - Helena soltou Maria. — Do que se trata isso, sua doida? - Maria a
Helena e Maria voltaram. Philip e Howard foram namorados no passado, Helena explicava. O amigo que Helena defendeu foi Bruce. Maria se chocava. Helena era dona de segredos que garantiam que muita gente vivesse em paz. Ela deixou Maria no prédio dos vistos e voltou ao escritório. Peter a encarou, chegando. — Brown! - Ele bradou. Helena revirou os olhos e mudou o curso de caminhada. — Seu namoradinho esteve aqui. - Ele disse, debochado. - Liga para seu pet. — Desculpe, Major. Quem? - Helena se orientava, obviamente confusa. — Gregory. Já virou a página? Estavam tão alegres ontem à noite. - Peter provocou. - Fico imaginando quanto vale sua paz, Brown. — Major, o senhor precisa de ajuda médica? - Ela ofereceu, já sem paciência para lidar com Peter. — Não, Brown. Você precisa tanto que colocou um na sua cama. - Peter atacou, irritado. — Com licença. - Ela se virou. — Não terminei com você. Vá até o General. Você vai para a detenção. - Ele ordenou, impassível. — Sim, senhor.
Helena se via presa, em uma cela comum, com ilegais, de macacão, a cabeça recostada na parede, sentada no chão, em um canto do salão onde elas eram reunidas, como gado em um curral. Ela refletia sobre o vazamento de informações. Acreditava que podia confiar, cegamente, na sua gente, mas aquilo se mostrava um ledo engano. Apesar de inimigos internos tenderem a se unir quando da existência de uma ameaça externa, tendência não era garantia. Ela suspirou. — Ei, Migra! - Uma das detentas a chamava. - Vamos conversar. - Helena abriu os olhos. Via uma mexicana alta e musculosa, bodybuilder talvez, que estralava os dedos de um punho fechado, com um sorriso caricato e canastrão, que ela deveria supor aterrorizante. — Sim, claro. - Helena se levantou. - Como devo chamá-la, senhora? - Perguntou, humildemente. Não ficaria ali por muito tempo e ir para uma solitária não era seu objetivo, ainda mais, sob uma prisão que deveria ser temporária. — Gonzalez. Sua chefe agora, Migra. - A mulher pego
Johnson, em trabalho, era uma figura intimidadora e sombria. Maria não se lembrava daquele homem, tão assustador, quando o via com Helena. — Cabo Bacon. Poderia conversar comigo? - Johnson tinha a voz grave, um verdadeiro tenor. Com Helena, o tom era outro. Aquilo colocava Maria em estado de alerta. Ela apenas assentiu. - Poderíamos ir a um lugar reservado? Por cortesia? — Sim, senhor. - Maria o levava à sala de reunião do andar médico. Era tranquila e bastante discreta. Acomodou-o e o serviu de um café forte. — Obrigado, Cabo. - Ele agradeceu. - Posso gravar está conversa, para memoriais futuros? — Serei exposta ou isso pode me prejudicar, de algum modo? - Maria perguntou, recuava. Johnson tinha a impressão de que aquilo podia ter a ver com Renard. Ela tinha traços parecidos com os de Helena, ainda que fosse mais robusta, mas o ar inocente e sedutor, simultâneos, nos olhos de âmbar, era algo que a tenente também tinha. — Tem medo de alguém, em particular? - Johnson já gravav
Helena silenciou com a pergunta de Gregory. — Desde que mudou para a cobertura, não foi? - Ele adivinhava o início de tudo. O olhar dela murchava. Gregory tinha sua suspeita confirmada. - Foi o que suspeitei. A cobertura é linda, mas não tem nada verdadeiramente seu ali. Entende o que quero dizer? Não há um diploma ou uma fotografia, que seja, de uma paisagem. Helena, você tem toneladas de condecorações e menções honrosas e não há nada que demonstre isso. Eu gostaria de ter memórias suas. — Eu tinha memórias. Elas sumiram. - Ele percebia a voz dela perder o vigor. — Como? - Ele questionou. — Depois que voltei da licença, aquela, de quando matei eles, eu gravava diários, em vídeo. Os cartões de memória que armazenavam isso ficavam num compartimento, no closet do quarto de hóspedes, atrás da gaveta de baixo, do lado da porta do banho. - Ela deu de ombros. - Com toda a confusão que foi com a missão, eu ir para o rancho do Peter, as internações, por algum motivo, em algum momento, a