*Ponto de vista da Kelly*
Mais uma segunda-feira, mais uma semana começando e eu logo cedo sentada no balcão da cafeteira olhando o barista trabalhar, que coisa mais linda... parece poesia... as vezes ele olha para mim e sorri... ele sabe o quanto eu gosto de café, até ja fiz um ursinho rápido também, então as vezes conversamos sobre Latte Art( aquela técnica de criar desenhos em cima do café) ou sobre os tipos de café, só falamos sobre café e ele sorri porque sabe que estou admirando a sua arte. Eu tinha pedido um cappuccino e o aroma do café ja preenchia o ambiente enquanto eu observava cada movimento preciso do meu crush que parecia estar numa dança com a jarra de leite vaporizado (será que ele estava se exibindo para mim? Bem que eu queria que fosse). Ele decidiu parar bem na minha frente para criar a sua obra de arte no leite do meu cappuccino, notei que estava super concentrado e que em cada movimento que ele fazia, o desenho ia ganhando forma, quando ele terminou, havia feito uma rosa.
- Tenha um bom dia Kelly.- ele disse saindo e indo preparar os cafés dos demais clientes.
- Bom dia- eu disse um pouco decepcionada, queria passar mais tempo com ele, mas claro, ele estava no trabalho. Peguei o meu capuccinno e sentei em um das mesas onde havia um jornal, quase me afoguei quando vi a foto da capa, isso não é possível, mas que sem vergonha esse Scott, joguei o jornal em outra mesa e terminei o meu café rapidamente, queria chegar na escola antes que Hope fosse abordada por algum colega por causa daquela foto.
Infelizmente, mesmo crianças de nove anos, sabem ser maldosas. Quando cheguei na escola já era tarde, várias meninas estavam rindo e apontando para a Hope no pátio da escola, a garotinha foi ficando nervosa enquanto pedia para que elas parassem, mas elas continuavam a dizer que o pai dela não prestava, que ela era filha de um aproveitador dentre outras coisas que prefiro não repetir. Ela chorava, mas ainda estava quieta no seu canto até que uma das garotas foi além de todos os limites dizendo "deve ser por isso que a sua mãe morreu".
Hope ficou vermelha e parecia ter sangue nos olhos quando gritou com todo o seu fôlego "não fale da minha mãe" e correu em direção da menina a empurrando e a derrubando no chão, mas logo as outras a seguraram puxando os seus braços, os seus cabelos e batendo no seu rosto. Tudo aconteceu muito rápido e cheguei perto delas bem nesse momento com outros professores que separaram a briga, eu apenas abracei Hope e a tirei dali, eu sabia que as outras garotas seriam levadas à enfermaria então eu levei Hope para a sala de aula que estava vazia e onde havia uma maleta de primeiros socorros no armário. Felizmente ela não havia se machucado muito, apenas arranhões nos braços e um vermelhão no rosto onde havia recebido um tapa. Mas acredito que a dor maior não era em nenhum desses machucados, por isso a deixei chorar o quanto quisesse, faz parte do processo de cura emocional.
- Elas falaram da minha mãe... - Hope falou entre soluços.
- Eu sei querida, sinto muito por isso.- Falei abraçando Hope.
- Minha mãe morreu de câncer, eu sei que meu pai está sendo um pouco bobo agora, mas ele cuidou de mim sozinho todo esse tempo, desde os meus dois anos, e ele foi um bom pai - ela dizia entre soluços. - Mesmo que ele tenha um show lá do outro lado do país, ou que tenha ido dormir tarde, ou, sei lá...que tenha ido dormir com uma dessas garotas igual a do jornal, ele sempre, todos os dias, toma o café da manhã comigo, sabia? Nós conversamos, ele me ouve, ele cuida de mim.
Senti um nó na garganta, pela primeira vez pensei no Scott como um ser humano, um viúvo que criou a filha sozinho desde que ela tinha dois anos, me senti um pouco culpada por julgá-lo, por chamá-lo de negligente, por me irritar com ele... cheguei a sentir pena... mas não durou, quando ele entrou pela porta, mesmo que o meu coração tenha errado uma batida (acho que foi a surpresa de finalmente vê-lo na escola), não consegui sentir nada além de raiva.
- Posso falar com a minha filha a sós?- Ele perguntou com arrogância. Me afastei de Hope e me levantei, senti minhas pernas um pouco bambas mas ignorei, meu corpo só pode estar de brincadeira né... fala sério, se derreter justamente por ele.
- Pai.- Hope falou envergonhada secando as lágrimas, ela se levantou da cadeira, mas não deu nenhum passo, ficou ali parada sem ação até que ele correu até ela, se abaixou e a abraçou.
- Você está ferida?- Ele disse arrumando o cabelo dela atrás da orelha e tocando o seu queixo.
- Tudo bem, a professora Kelly já cuidou de mim.- Hope respondeu apontando para mim e então vi um olhar de fúria de Scott, chegou a dar medo, mas eu não abaixo a cabeça pra homem algum, não vai ser agora que vou começar.
Ele se levantou e me olhou sério.
- Então esse é o ótimo trabalho que você faz? Deixa que as crianças façam o que bem entendem?
- O senhor está com raiva, eu entendo, mas reflita um pouco sobre a razão da briga antes de criticar quem acolheu a sua filha e cuidou das suas feridas... físicas e emocionais.- Falei com firmeza.
- Foi ela que me ajudou, pai, não quero que brigue com ela.- Hope interviu, ela era uma fofa.
- Querida, esta tudo bem, não precisa ficar com medo, nós não vamos brigar, está bem?- Falei dando um olhar fulminante para Scott quando vi que a menina tremia de nervoso, era capaz de ter uma crise ansiosa ali mesmo, afinal duas pessoas que são importantes na vida dela tendo uma discussão, poderia significar que ela precisaria escolher um lado e de qualquer forma, sairia perdendo.
Que bom que pelo menos lerdo, o tal Scott não é, ele entendeu exatamente o meu olhar, pegou Hope no colo e a abraçou com força.
- Está tudo bem, meu amor, me perdoe, eu vou ser uma pessoa melhor, eu te prometo. - Ele parecia sincero tanto em suas palavras quanto em seu amor pela Hope, o que não entendo é porque então ele é tão ausente?
Hope se aconchegou nos braços do pai e vi que o laço entre eles era realmente forte como ela havia descrito. Scott fez um gesto com a cabeça me dando um olhar de agradecimento e saiu com a filha, embora eu quisesse lhe dizer muitas coisas, entendi que não era o momento. Fui para a sala do diretor em seguida, onde os outros pais também estavam com as suas filhas, mas nenhum ousou enfrentar Scott, todos fizeram as suas filhas se desculparem, especialmente as duas mães presentes, que estavam se derretendo pelo popstar pai da Hope. (eu mereço!)
Foi uma conversa breve com o diretor, onde ele explicou as normas de conduta da escola e deu uma advertência para todas as meninas envolvidas, então, os pais se foram e as garotas foram para a sala de aula. Eu fui até a sala dos professores para beber água e me acalmar, já que a primeira aula do dia seria com outra professora. Levei um susto quando ouvi uma voz atrás de mim.
- Obrigado, Professora Kelly, a Hope gosta muito de você e hoje entendi o motivo.- ele disse soando até um pouco humilde embora eu não acreditasse muito nele.
- É mesmo? E qual seria esse motivo, senhor Lapisch?- Eu sei, eu fui meio petulante.
- Pode me chamar de Scott.- Ele pediu.- Creio que ela gosta muito de você porque você a entende.
- Aham.- Bebi minha água pensativa- Mais alguma coisa, Senhor Lapish?
- Sinceramente, pensei que você fosse mais velha, sabe? Mas é bem jovem para tanta sabedoria.
- Isso é sarcasmo?- Falei na defensiva.
- Estou tentando ser gentil.- Ele respondeu-me de forma tranquila o que acabou me desarmando, então ele continuou- Você insistiu tanto para eu vir aqui e falar sobre a Hope com você, agora estou aqui na sua frente e tudo o que você faz é se irritar ainda mais comigo? Tem certeza que é assim que quer aproveitar essa reunião? Você não tinha milhares de coisas para me explicar?
- Eu... não sabia que era uma reunião, sente-se por gentileza.- Falei baixando a bola um pouco, ele tinha razão, eu estava agindo estranho, então respirei fundo e recuperei a minha postura de professora.
-Eu não sei o que fazer.- Ele falou arrasado, e não entendi se ele estava falando da Hope ou da sua vida no geral, pois ele falou com tanta tristeza que parecia estar a confessar que estava completamente perdido.