Capítulo I
O convite da salvação
Após levantar-se da poltrona, já toda suada, devido a várias
horas em que ficara sentando com o olhar perdido, mas fixo
no canto da sala onde havia uma rodelinha de sujeira feita
pelo eletricista do prédio que arrumou a tomada, a qual há
muito tempo não funcionava, após horas naquela posição,
levanta-se, tenta calçar os sapatos, caminha até a cozinha ar-
rastando seus sapatos mal-calçados, pega o saco de arroz vazio
sobre a mesa, calça-o na cabeça, aperta firme no pescoço, solta,
tira-o novamente e diz, suspirando.
— Vai servir...
Olha para o botijão de gás, caminha até ele, abaixa-se e se-
gue com a mão esquerda a mangueira que leva para trás do
fogão. Usando os dedos, afrouxa a porca que segura a abraça-
deira, então, com pouca força, puxa a mangueira para si, que se
solta, segurando na ponta, leva a direita ao segurador do boti-
jão e o arrasta até o centro da cozinha.
Estava decidido... Estava finalmente pronto, não havia mais
razão para desistir de seu objetivo, mas antes precisava fazer
uma coisa muito importante. Larga tudo, levanta-se e vai à geladeira, não antes de pegar o copo na pia, então a abre, leva
a mão para dentro onde tira uma caixinha de leite ainda cheia,
mas já aberta. Então enche seu copo e dá uma golada, em se-
guida, outra, até dar uma suspirada, satisfeito, então diz, com-
pletando o copo novamente:
— Para o que vou fazer agora, isso não é bom, mas como
posso deixar de sentir a sensação e o gosto maravilhoso do lei-
te gelado descendo pela minha goela até chegar ao estômago
suavemente? Impossível!
Então bebe mais algumas goladas, em seguida põe o copo
vazio sobre a mesa, guarda novamente a caixinha, e assim bate
a porta da geladeira.
— Agora sim, tô pronto! — diz, limpando o bigodinho
deixado pelo leite e caminha novamente para o centro da
cozinha.
Pegando o saco de arroz, calça-o novamente na cabeça,
aperta no pescoço, então enfia por debaixo rente ao queixo a
ponta da mangueira do gás. Aperta bem com a mão direita,
não deixando vão algum, assim com a esquerda mexe na tor-
neirinha, liberando o gás, que rapidamente passa pela man-
gueira e sai no saco de arroz onde sua cabeça estava.
Então estava ali, pronto para dar fim a sua vida, o ar se con-
taminara e seus pulmões puxavam o veneno para dentro de si.
Seu olhar estava fixo, mas seu sentido já o deixava, pois uma es-
curidão dominava seu pensamento quando ouviu um barulho
na porta e uma voz grave que gritou pelo lado de fora.
— Correspondência!
Rapidamente seu sentido volta, então, solta o saco e o tira
da cabeça, tossindo, em meio ao desespero, caindo ao chão, se
recuperando, pensa:
Porteiro maldito! Vai ser ruim no inferno, pedi para não ser in-
comodado, mas não... Ele consegue me desobedecer. É, não se pode
nem cumprimentar esse tipo de gente que já acha que é seu amigo
de anos e fazem o que querem da sua vida, como se a casa fosse dele,
decide quem entra, nem interfonam, simplesmente liberam. Affff.
Pensando assim, quando um pouco mais recuperado, le-
vanta-se e vai para a porta. Abre, mas não havia ninguém, sente
algo embaixo de seu pé, então o levanta, olhando para baixo.
Seus olhos contemplam algo que jamais pensara que pudes-
se acontecer, um envelope azul, formato retangular, em papel
grosso, escrito em grandes letras de forma “convite aos alunos
do terceiro b. compareça. imperdível”.
Após ler isso, abaixa, pega o envelope, levanta, sorri com o
papel diante dos seus olhos, vira, caminha, até a sala, senta em
sua poltrona predileta, olhando para todos os cantos do papel,
mas não o abre, só se lembra de que foi muito boa sua adoles-
cência, dos amigos que conviveu que há muito não os viam.
Imaginava em que haviam se tornado.
Depois de pensar alguns minutos, Franzino, segurando
o envelope firmemente, vira-o e rompe o lacre azul feito a
vela, com um emblema grafado a letra FF. Abre a aba de uma das partes, vira para si, vê o papel dentro, então o puxa para
fora e lê.