Mundo de ficçãoIniciar sessãoLuna acordou com uma sensação incômoda no peito — o tipo de peso que só existe quando alguma coisa fica mal resolvida. Mas não era exatamente culpa. Nem arrependimento.
Era… irritação. Uma irritação fina, persistente, que lembrava a briga da noite anterior cada vez que ela piscava. Quando abriu a porta do quarto, percebeu imediatamente que o clima tinha mudado. Damian estava na sala, camisa social, blazer jogado no sofá, a postura impecável. Mas o rosto… duro. Fechado. Impenetrável. Ele não a olhou. Nem por um segundo. Luna franziu o cenho, surpresa — mas não chocada. Ele era assim. Precisava provar a si mesmo que ainda tinha controle. — Bom dia — ela arriscou. Damian continuou olhando para o tablet. — Bom dia. Seco. Frio. Como se ela fosse uma desconhecida atravessando seu caminho, e não a mulher com quem ele discutira na noite anterior. Luna apertou os lábios. Aquilo… doía um pouco. Mas também irritava profundamente. Ela pegou água na cozinha, consciente demais dos passos cuidadosos de Damian — ele evitava chegar perto dela, evitava cruzar o olhar, evitava tudo. Era a “lei do silêncio”. Luna reconhecia. O tipo de silêncio que não é paz, é castigo. Autocastigo, talvez. E também tentativa de retomar o controle da situação. Ela cruzou os braços, encarando-o por alguns segundos. Nada. Nenhuma reação. — Sobre ontem… — ela começou. Ele levantou a mão, interrompendo — sem sequer tirar os olhos da tela. — Não há necessidade de retomar o assunto. Era cortante. Calculado. Frio demais para quem, na noite anterior, parecia à beira de perder o controle por causa dela. — Certo — Luna respondeu, num sorriso amargo. — Então seguimos com o acordo normalmente. — Exatamente — Damian disse, firme demais. Mas Luna percebeu. O músculo do maxilar dele pulou. Damian estava irritado. E quando ele ficava irritado… ele endurecia. Multiplica o silêncio. Tranca qualquer emoção. Vira mármore por fora — e tempestade por dentro. Luna suspirou, cansada. — Vou me arrumar para o trabalho. — Faça isso — ele respondeu, sem olhar. Era quase absurdo como aquele homem conseguia feri-la mais com duas palavras contidas do que com uma briga inteira. Quando Luna voltou pronta, ele finalmente se levantou. Pegou a chave do carro. Sem perguntar nada. Sem explicar nada. — Eu te levo — disse, simplesmente. Ela ergueu as sobrancelhas. — Não precisa. Vou de metrô. Ele a encarou pela primeira vez naquela manhã. E o olhar dizia muito mais do que ele permitia na voz. Era gelo… mas também alguma coisa queimando por baixo. — Eu te levo — repetiu, firme. Luna não gostou do tom. Mas gostou menos ainda do fato de sua mente ter registrado o detalhe de que ele se importava. Mesmo bravo. Mesmo distante. — Tudo bem — ela respondeu, passando por ele. O silêncio do carro era tão espesso que parecia ter peso. Luna manteve os olhos na janela, observando as luzes da cidade passando rápido demais. Damian dirigia como se cada semáforo fosse um inimigo. Rígido. Preciso. Distante. E não era o tipo de distância neutra. Era o tipo que esconde alguma coisa. O celular dela vibrou. Uma única mensagem. “Luke: Por onde anda? Você faz falta aqui no departamento, a pessoa nova é péssima!” Um colega de quando Luna trabalhava no setor financeiro. Sempre gentil. Nunca passou dos limites. Ela ia apenas deslizar o dedo para fechar a notificação, mas percebeu o instante exato em que Damian viu o nome na tela. Ele não virou o rosto. Mas o ombro enrijeceu. O maxilar desenhou uma linha tensa. O volante ficou firme demais entre os dedos dele. Ele não perguntou. Não tentou disfarçar. Só continuou dirigindo, como se estivesse travando uma luta interna para manter a compostura. Luna bloqueou a tela devagar, sentindo um calor estranho subir pelo peito — não era vergonha, não era culpa. Era… inquietação. Do tipo que só existe quando você sabe que algo mexeu com alguém que não deveria ter sido afetado. E os dois ficaram assim: Ela fingindo não perceber. Ele fingindo não se importar.






